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Fome de energia ameaça patrimônio arqueológico

Correio do Tocantins-Palmas-TO
04 de Dez de 2001

A Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) promove hoje, sexta-feira 30, na Bolsa de Valores do Rio de Janeiro, o leilão da concessão de uso de bem público para a construção e exploração da futura Usina Hidrelétrica Santa Isabel, que vai gerar 1.087 MW de potência no rio Araguaia, entre os municípios de Palestina do Pará (PA) e Ananás (TO). Outras 10 usinas serão igualmente licitadas e deverão acrescentar 2.666,7 MW novos à capacidade instalada nacional.
O aproveitamento hidrelétrico da cachoeira de Santa Isabel prevê investimentos da ordem de R$ 1,8 bilhão sob responsabilidade do vencedor do leilão e atendimento a uma população estimada em 7,1 milhões de habitantes. Segundo a Aneel, durante 54 meses, o período de construção da usina, serão gerados cerca de 6.000 empregos diretos e indiretos, além da arrecadação de Imposto sobre Serviços (ISS). Após a entrada em operação, em até 84 meses, haverá recolhimento de ICMS e pagamento da Compensação Financeira (royalties) pelo uso dos recursos hídricos aos Estados e municípios envolvidos.
A inundação de 24 mil hectares para a formação do reservatório vai alcançar áreas dos municípios paraenses de Palestina do Pará, Piçarra e São Geraldo do Araguaia; no Estado do Tocantins: Ananás, Araguanã, Riachinho e Xambioá. A compensação financeira estimada para repasse ao Pará é de R$ 3,730 milhões por ano, sendo R$ 1,865 milhão ao Estado e R$ 1,865 milhão aos municípios envolvidos.
"A hidrelétrica de Santa Isabel precisa ser devidamente questionada, porque vai beneficiar sobretudo populações de outro Estado enquanto a compensação para o Pará será de pequena monta", observa o deputado federal Asdrúbal Bentes (PMDB-PA), a quem a Aneel comunicou os leilões no Rio de janeiro. O parlamentar garante que vai levar o assunto à Câmara dos Deputados. Igualmente preocupado com os danos ao meio ambiente, ele diz que é preciso evitar os erros cometidos com Tucuruí em relação aos moradores atingidos pela barragem "até hoje vivendo em situação incerta quanto às promessas feitas e não cumpridas pela Eletronorte".
Patrimônio ameaçado
Levantamento na área da UHE realizado por equipes do Museu Paraense Emílio Goeldi e Fundação Casa da Cultura de Marabá, patrocinado pela Engevix Construtora como parte integrante do Estudo de Impacto Ambiental da Hidrelétrica Santa Isabel, aponta a existência de significativo material arqueológico na área de inundação. São 114 sítios, dos quais 64 na área de influência direta e 50 na indireta, sendo que grande quantidade situa-se dentro do Parque Estadual Serra dos Martírios e da área de Proteção Ambiental de São Geraldo do Araguaia.
O estudo adverte que apesar do reduzido número de pesquisas arqueológicas desenvolvidas, os resultados apontam a região do baixo/médio Araguaia como sendo potencialmente rica em termos arqueológicos. "Essa potencialidade é expressa não apenas pela grande quantidade de sítios registrados e pela existência de um conjunto de gravuras e pinturas rupestres, cujas características parecem não encontrar paralelo nem na Amazônia nem nas regiões vizinhas, mas também pela sua importância dentro de um contexto arqueológico mais amplo que abrange também a Serra de Carajás, onde a presença humana foi datada em torno de 8.000 anos."
A maioria desses sítios será destruída no decorrer das obras, em virtude das diversas atividades relacionadas ao empreendimento: abertura de picadas, ampliação de sistema viário vicinal, terraplanagem, etc.; outros ficarão submersos no reservatório; e muitos afetados pelo aumento do fluxo populacional da região e pela visitação às regiões com potencial turístico, como a Serra das Andorinhas. "Destruir estes sítios sem estudá-los representa a perda irreversível de informações sobre a pré-história da região, afirma o estudo. Por outro lado, há registros de sítios com características únicas na Amazônia e que serão submersos quando da formação do reservatório. Incluem-se neste caso os sítios Ilha dos Martírios e Pedra Escrita que, juntos, apresentam mais de 5.000 gravuras na rocha. A importância destes sítios ultrapassa as fronteiras da pré-história e do domínio da Arqueologia, incorporando-se na história da região através dos roteiros dos bandeirantes, e retorna para a população nativa na forma de um ponto de interesse turístico que, devidamente explorado, poderá trazer-lhe melhores condições de vida".
E adverte: "A submersão de sítios arqueológicos como estes, com importância científica e potencial turístico de inegável valor, representa não apenas a destruição irreversível de um extraordinário legado deixado pelas populações pré-históricas, mas também inviabiliza a possibilidade de melhora nas condições de vida da população atual que vive no entorno destes sítios e que seria beneficiada pela exploração turística organizada e consciente da preservação do patrimônio arqueológico".

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