VOLTAR

A fome ainda continua nas aldeias

CB, Brasil, p. 10-11
27 de Jul de 2005

A fome ainda continua nas aldeias
Dados da Funasa apontam que a desnutrição infantil não se restringe às aldeias indígenas do Mato Grosso do Sul e que o problema se repete em outros estados. Taxa de mortalidade é maior do que a de crianças brancas e negras

Paloma Oliveto
Da equipe do Correio

No início do ano, a cidade de Dourados foi parar nos noticiários devido à morte de mais de 20 crianças indígenas, vítimas de desnutrição. Até uma comissão parlamentar de inquérito foi criada para investigar a situação dos índios guarani-kaiwoá. A mortalidade infantil entre índios, porém, não é grave somente naquele município. Em comparação às crianças brancas e negras, o coeficiente de mortalidade - o total de mortos com menos de 1 ano de idade em cada mil nascidos vivos - de algumas etnias chega a ser quase o triplo.
Dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (Dseis), unidades de apoio à saúde dos índios, os que apresentam índices mais graves de mortalidade ocorrem nas comunidades localizadas no Alto Rio Juruá (AC), Xavante (MT) e Rio Tapajós (PA), com índices de 115,4; 133,8 e 101,85, respectivamente. No Maranhão, somente em março deste ano, 14 crianças guajajara morreram, tendo a desnutrição como causa principal. Os dados são da Fundação Nacional de Saúde (Funasa).
A falta de terra é considerada por líderes indígenas como um dos principais fatores que levam às altas taxas de mortalidade infantil. Expulsos dos territórios que ocupavam tradicionalmente, muitos índios vão parar na periferia das grandes cidades, onde conseguem subempregos, sem direito a carteira assinada. Os que optam pela resistência enfrentam os fazendeiros armados e, na maioria das vezes, só conseguem erguer barracos de lona, sem ter onde formar a roça para o sustento.
Em meados da década de 70, o índio krahô-kanela Mariano Ribeiro, 52 anos, teve de fugir com os tios em uma canoa, com destino à cidade de Dueré (TO). Ameaçados por criadores de gado, os indígenas da etnia que viviam às margens do rio Formoso acabaram se espalhando por vários municípios. Em 1983, sob a liderança de Mariano, algumas famílias foram reunidas e começaram a reivindicar suas terras. A Fundação Nacional do Índio (Funai) os levou para um alojamento próximo a Gurupi onde, hoje, vivem 86 pessoas.
"A Funai assumiu a responsabilidade da alimentação, mas só fornece o básico, como arroz, farinha, óleo e carne. A quantidade de alimentos é insuficiente para todos", diz Mariano. "As crianças sofrem de desnutrição. Não temos água tratada nem um palmo de terra para plantar", reclama o líder krahô-kanela. O estudo antropológico, primeiro passo no processo de regularização de uma terra indígena, já foi realizado e aponta que a comunidade tem direito a 29,3 mil hectares no sul do Tocantins, hoje ocupados por dois fazendeiros de gado. O processo de identificação fundiária, porém, está parado.
Em Rondônia, quatro etnias também sofrem com a falta de terra, e acabaram buscando abrigo nas cidades. Os puruborã, miguelem, kujubim e wayuru não têm sequer território identificado e, desde os anos 70, vivem espalhados pelas cidades de Guajará-Mirim, Porto Velho, Ji-Paraná, Seringueiras, São Francisco e Costa Montes. "Em Guajará-Mirim, as famílias vivem em barracos e fazem, no máximo, uma refeição por dia. Os hospitais do Sistema Único de Saúde (SUS) dizem para eles se tratarem nos postos da Funasa, mas eles não têm carteira de identificação indígena, e não são aceitos nos postos", denuncia Petronila Neto, 29 anos, missionária do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), órgão ligado à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Nas aldeias de Guajará-Mirim, a missionária diz que o problema não é falta de comida, mas de saneamento básico. Quinhentas pessoas pertencentes a dez povos dividem uma única terra indígena, onde não há água tratada, levando verminose e diarréia principalmente às crianças e aos idosos. O posto da Funasa que atende o local não tem voadeiras, meio de transporte utilizado para chegar à aldeia. Em outubro do ano passado, uma mulher morreu porque a Funasa não tinha barco para buscá-la e levá-la ao hospital.
O povo xucuru, etnia pernambucana, é um exemplo de que terra para plantio e assistência médica eficiente podem salvar vidas. Há mais de dez anos não há registro de desnutrição e mortalidade infantil na área indígena, já homologada, que recebe assistência da Funasa. O órgão construiu no local poços artesianos. "Antes, não tinha comida, as crianças não tinham leite. Depois que recuperamos nossa terra, criança não morre mais", conta a índia Zenilda Maria de Araújo, 55 anos.

Índices já foram piores
Apesar dos altos índices de mortalidade infantil entre crianças indígenas, o coeficiente está em queda desde o ano 2000, quando 74,6 indiozinhos com menos de 1 ano de idade morriam entre mil nascidos vivos. O diretor do Departamento de Saúde Indígena da Funasa, Alexandre Padilha, diz que a meta para 2005 é reduzir em mais 17% este índice. "A mortalidade alta está ligada a uma série de fatores, além da saúde, e acomete todas as populações que vivem na mesma condição geográfica dos índios", afirma.
Segundo Padilha, as estratégias da Funasa para diminuir a taxa de mortalidade infantil são a ampliação e capacitação da rede de profissionais de saúde que trabalham nas aldeias, investimentos maiores em saneamento, ampliação da a rede de imunização e implantação do plano de vigilância nutricional. Em 2004, a Funasa executou R$ 21 milhões em obras de saneamento. Este ano, os recursos devem chegar a R$ 31 milhões. Padilha diz que, se em 2002, somente 26% das aldeias contavam com estrutura de saneamento, hoje, 57% dos povos são atendidos.
Até o final de 2006, 1,7 mil índios serão capacitados para trabalhar como agentes de saneamento. Outros 4 mil receberão capacitação na área de saúde. "Temos dificuldade de fixar profissionais de saúde nessas regiões", justifica. (PO)

Fome infantil
Desde 2000, a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) registra queda no coeficiente de morte infantil (número de mortes de menores de 1 ano para cada mil nascidas vivas) entre crianças indígenas.
O índice atual, de 47,4, porém, ainda é considerado alto, comparado ao de crianças não-indígenas, de 29,6 mil. Os casos mais graves registrados em 2004 estão no Mato Grosso, no Acre e no Pará
Coeficiente de mortalidade infantil entre crianças indígenas
2000 74,6
2001 57,2
2002 55,7
2003 53,2
2004 47,4
Casos mais sérios em 2004
Xavante (MT): 133,8
Alto do Rio Juruá (AC): 115,4
Rio Tapajós (PA): 101,85
Infra-estrutura de apoio à saúde indígena
Postos de saúde: 717
Pólos-base: 323
Hospitais de referência credenciados: 367
Fonte: Fundação Nacional da Saúde (Funasa)

CB, 27/07/2005, Brasil, p. 10-11

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.