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Foirn recebe recursos atrasados, mas problemas da saúde indígena continuam

ISA-Socioambiental.org-São Paulo-SP
Autor: Oswaldo Braga de Souza
28 de Jun de 2005

Para lideranças indígenas do Rio Negro, governo continua sem uma política pública bem estruturada e de longo prazo. Funasa estuda fazer três ou quatro repasses anuais para organizações indígenas conveniadas.

Os R$ 2,5 milhões atrasados referentes às parcelas de maio, junho e julho do convênio firmado com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa) foram repassados à Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn), na última quarta-feira, dia 22 de junho, mas os problemas da saúde indígena continuam sem resposta. Ao menos foi esta a impressão que tiveram os representantes da organização indígena depois da reunião realizada no mesmo dia, em Brasília, entre o ministro da Saúde, Humberto Costa, e lideranças indígenas de todo o País.

Durante a reunião, foi entregue ao ministro uma carta com uma série de reivindicações e críticas à gestão do sistema de saúde indígena. No documento, entre outros pontos, são apontados a falta de autonomia administrativa e financeira dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIs), a ausência de uma política de recursos humanos para formação e valorização dos agentes de saúde indígenas, obstáculos ao controle social e participação efetiva das comunidades e a ameaça da municipalização do sistema (veja abaixo a íntegra do texto). Além da Foirn, estiveram presentes integrantes da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo (Apoinme), do Fórum em Defesa dos Direitos Indígenas (FDDI) e da Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (Cisi).

Segundo os representantes do Rio Negro presentes ao encontro, o governo continua sem dar sinais que apontem para uma política pública de saúde indígena consistente e de longo prazo. "Não foi o que a gente esperava. Ainda não ficou muito claro o que eles realmente pretendem fazer quando os contratos se encerrarem, principalmente na região do Rio Negro", afirmou Maximiliano Correia Menezes Tukano, assessor indígena do DSEI-Rio Negro e presidente do Conselho Diretor da Foirn. Menezes compara a situação atual das organizações indígenas conveniadas a Funasa à condição de um trabalhador assalariado que está sempre devendo. "A Foirn lutou sempre para que os índios deixassem de ter patrão e agora é ela que trabalha para um patrão e está sempre sem dinheiro, tendo que comprar fiado."

Indicadores de saúde têm piorado

Várias organizações indígenas que assinaram convênios com a Funasa para prestar os serviços de saúde nas aldeias estão passando por dificuldades financeiras por conta do atraso ou suspensão dos repasses de verbas. Os indicadores de saúde - como por exemplo, mortalidade infantil e adulta, cobertura vacinal e desnutrição - têm piorado entre povos de várias regiões do País. Lideranças e especialistas vêm criticando o modelo atual de gestão da saúde indígena criado no início de 2004. Na semana retrasada, a própria Foirn encaminhou ao ministro Humberto Costa um documento em que denuncia o "colapso" da saúde indígena na região do Alto Rio Negro, no noroeste do Amazonas (saiba mais).

A Funasa alega que vários dos repasses de verbas foram suspensos em virtude de denúncias de uso indevido dos recursos por parte de algumas das entidades conveniadas. A Foirn, no entanto, nunca foi alvo de nenhuma denúncia e está em dia com as prestações de contas exigidas pela Fundação. "Não nos é dada uma explicação precisa sobre o porquê dos repasses estarem sendo interrompidos", denuncia Oscar Soares, médico responsável pelo DSEI-Rio Negro. Ele informa que a Foirn tem recebido verbas da Funasa num espaço de tempo médio de 90 dias. Enquanto isso as contas devidas pela entidade indígena vencem todo mês.

Funasa estuda alternativas aos repasses mensais

Na reunião do dia 22, o diretor do Departamento de Saúde Indígena (DSAI) da Funasa, Alexandre Padilha, disse que está sendo estudada uma alternativa aos repasses mensais às organizações conveniadas: a idéia é realizar três ou quatro repasses anuais. "Também estamos buscando saídas jurídicas para a questão das multas trabalhistas que precisam ser pagas pelas organizações", disse Padilha. Ele garantiu que nenhum repasse foi suspenso por causa dessas multas e disse que o governo já deixou claro que o convênio com a Foirn será renovado. "Só acreditamos nesta solução depois que os recursos começarem a ser depositados", contrapõe Menezes.

Hoje, as verbas de cada mês só são liberadas para as organizações indígenas depois de uma prestação de contas detalhada e do pagamento de uma série de encargos trabalhistas e previdenciários. Muitas entidades conveniadas não conseguem fechar as contas ou encaminhar toda a papelada a tempo e por isso ficam sem o dinheiro.

Governo descarta municipalização

Em relação à ameaça de municipalização do sistema denunciada pelas lideranças, os representantes da Funasa e do Ministério da Saúde afirmaram que é compromisso do governo federal manter a saúde indígena sob sua responsabilidade. "A questão é saber quem executa as ações na ponta, mas sem perder a responsabilidade", garantiu Humberto Costa. O ministro disse também que a partir de agora o debate sobre o orçamento de cada DSEI deverá ser feito de forma mais aberta com comunidades, organizações e com os Conselhos Distritais de Saúde Indígena. Quanto às denúncias de que as indicações para as direções dos DSEIs estão sendo usadas com fins eleitorais, Costa pediu que elas fossem encaminhadas formalmente ao Ministério da Saúde.

POSICIONAMENTO E REIVINDICAÇÕES DAS ORGANIZAÇÕES INDÍGENAS SOBRE A SITUAÇÃO DA GESTÃO DA SAÚDE INDÍGENA

Ao Excelentíssimo Senhor Ministro da Saúde Humberto Costa

Prezado Senhor:

Nós, lideranças abaixo assinadas, dirigentes de organizações indígenas conveniadas com a Fundação Nacional de Saúde (FUNASA) e/ou membros da Comissão Intersetorial de Saúde Indígena (CISI), atendendo demandas dos nossos povos e comunidades, vimos através desta expor:

Avanços, problemas e desafios da gestão da saúde indígena

A gestão do atendimento à saúde indígena, através dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI's), certamente tem tido avanços importantes nos últimos anos. Entre esses avanços destacamos, por exemplo, o incremento do orçamento para a saúde indígena, mesmo que não saibamos com detalhes a sua destinação.

O subsistema, porém, continua com sérios problemas que se não forem resolvidos, seguirão impedindo a execução de um atendimento mais eficaz junto às comunidades. Sobre muitos desses problemas, senhor Ministro, lideranças nossas já conversaram, em 27 de novembro de 2002, antes da posse do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, quando a vossa excelência era coordenador da equipe de transição do governo para a área da Saúde. Na oportunidade entregamos um documento expressando nossa confiança nos avanços que haveriam no novo governo. Muitos dos problemas, no entanto, continuam insolúveis e outros mais apareceram, agravando o quadro e as perspectivas da saúde indígena.

Principais problemas do subsistema de saúde indígena

1.Falta de autonomia administrativa e financeira dos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEI's).

Os DSEI's são hoje, em sua maioria, meros departamentos das coordenações regionais da FUNASA, que decidem todas as questões importantes e estratégicas, em detrimento de um atendimento mais ágil e eficiente. Consideramos também muito grave o uso político eleitoral que muitas dessas coordenações estão promovendo, e a presença de chefes de distrito e coordenadores regionais ligados a interesses regionais anti-indígenas.

2. Ausência de uma política de recursos humanos com formação específica, valorização e profissionalização de Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e técnicos das próprias comunidades nos diversos segmentos da saúde.

Essa insuficiência de incentivo à formação, valorização de profissionais indígenas tem levado a uma relação onde não há eqüidade entre os índios e os profissionais de saúde, a deficiência no atendimento e à não valorização da medicina tradicional praticada por pajés e parteiras indígenas.

3.Falta de uma gestão participativa, com controle social efetivo.

A falta de um controle social eficaz e eficiente por parte das comunidades e lideranças indígenas, decorre da falta de compromisso da maioria dos coordenadores regionais e chefes de distrito em prover os recursos tanto para a capacitação continuada dos conselheiros como para o próprio funcionamento regular dos Conselhos Locais e Conselhos Distritais de Saúde, inviabilizando uma gestão realmente participativa, que envolva os indígenas no planejamento, execução, monitoramento e avaliação do atendimento à saúde indígena. Além da insuficiência de financiamento, também é rotina a falta de valorização dos conselheiros indígenas. O desrespeito às decisões por eles tomadas os desestimula muitas vezes a seguir participando das reuniões.

4.Municipalização da gestão da saúde indígena.

Rechaçamos a tendência de municipalização da gestão da saúde indígena, promovida pelo Ministério da Saúde, através do Departamento de Saúde Indígena (DESAI), apesar dos "discursos" não reconhecerem isto. Exemplos desse processo são os termos de compromissos assinados por DSEIs e organizações indígenas com prefeituras por imposição do DESAI, e a grande facilidade das prefeituras em receberem recursos do Incentivo para Atenção Básica da SAS (PSF Indígena) sem critérios populacionais ou epidemiológicos, mesmo sem fazerem Prestação de Contas ou uma assistência minimamente satisfatória às comunidades indígenas. A tendência é preocupante, pois a concentração de verbas e do poder decisório nos municípios normalmente gera uso político -ou mau uso- dos recursos, enquanto isso os problemas da saúde indígena continuam insolúveis, perante a insensibilidade de prefeitos e secretários de saúde. Somos por isso contra a municipalização da gestão da saúde indígena, decidida pelo Ministério sob critérios desconhecidos por nós.

5.Demora na regulamentação das parcerias com as organizações indígenas que atuam na Saúde Indígena.

A falta de regras claras próprias para as organizações indígenas conveniadas com a FUNASA, tem sido responsável por situações de conflito. Apesar de muitas vezes a FUNASA ter assumido o compromisso de implementar esta decisão, até agora nada foi feito neste sentido; ao contrário, o mecanismo de convênio torna-se cada vez mais burocrático e "pesado", com atrasos permanentes nos repasses, não há investimento em equipamentos e capacitação gerencial, e nem se fala em outros termos de parceria ou fortalecimento institucional dos setores de saúde das Organizações Indígenas para fazerem frente aos problemas e desafios que decorrem deste processo. A FUNASA, porém, tende a debitar as falhas do sub-sistema às organizações indígenas conveniadas.

Reivindicações

Em face à situação exposta, Senhor Ministro, solicitamos:

Garantia da autonomia administrativa e financeira dos DSEIs, visando mais agilidade e eficiência nos serviços de atendimento à saúde dos povos e comunidades indígenas.
Garantir a implementação integral do modelo de gestão da saúde construído a partir das Conferências Nacionais de Saúde Indígena e baseado nos Distritos Sanitários Especiais Indígenas (DSEIS). Para isso é fundamental garantir a participação efetiva dos representantes dos povos indígenas no planejamento, na execução e avaliação das ações, priorizando os Agentes Indígenas de Saúde, Microscopistas Indígenas, Agentes da Medicina Tradicional e todas as demais funções que puderem ser desenvolvidas pelos próprios membros das comunidades, como preconizam a Constituição Federal e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho ( OIT).
A capacitação dos integrantes indígenas dos Conselhos Locais e Distritais de Saúde Indígena para garantir uma fiscalização e monitoramento eficiente da aplicação dos recursos e da execução das ações da FUNASA.
A estruturação da FUNASA para assumir de fato suas responsabilidades com a saúde indígena e impedir a municipalização da gestão do setor.
A criação de regras claras próprias para as organizações indígenas conveniadas com a FUNASA, conforme deliberação explícita da última Conferência Nacional de Saúde Indígena, ratificada pela XII Conferência Nacional de Saúde.
Garantir ampla participação dos povos e organizações indígenas na construção e realização da próxima Conferência Nacional de Saúde Indígena.

Brasília, 22 de junho de 2005.

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