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Fogo arde na Amazônia

O Globo, Ciência, p. 28
04 de Jun de 2010

Fogo arde na Amazônia
Queimadas crescem na floresta, mesmo após queda do desmatamento

Renato Grandelle

Nem tudo são boas notícias na Amazônia. Embora a taxa de desmatamento da floresta tenha caído 23% entre 2000 e 2006, o índice de queimadas na região aumentou pelo menos 29% neste período. O alerta é de um artigo publicado na edição de hoje da revista "Science". Segundo os autores Luis Aragão, da Universidade de Exeter (Inglaterra), e Yosio Shimabukuro, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o monitoramento aplicado atualmente na região é falho e não identifica todas as fontes de emissão de poluentes.

Como o sistema de vigilância por satélite não enxerga além da copa das árvores, boa parte das atividades econômicas em áreas de queimadas passa ao largo das estatísticas oficiais. Os danos à floresta são maiores do que os divulgados.

- Esperávamos que, como houve uma redução do desmatamento, o número de queimadas também registrasse uma queda - admite Aragão. - Mas o monitoramento por satélite, embora avançado, é restrito às áreas devastadas e aquelas de borda, que são as clareiras na mata fechada. Não detectamos as queimas de pastagem, por exemplo.

Em anos de seca extrema, segundo o pesquisador, as estiagens emitem a mesma quantidade de gasesestufa do desmatamento. Trata-se de uma situação já registrada em 1998 e 2005, e que, nas próximas décadas, pode se repetir mais vezes.

Os modelos climáticos são unânimes ao afirmar que um pequeno aumento na temperatura global, de até 2 graus Celsius, comprometeria até 40% da Amazônia, transformando completamente a sua vegetação. Seria a condição ideal para expansão das queimadas na floresta.
Mata fechada está mais vulnerável
A situação detectada pelo estudo propicia o aumento de clareiras, que, além de fragmentarem a floresta, também sujeitam as suas zonas fechadas ao risco de serem atingidas por incêndios descontrolados.

- Ninguém sabe exatamente qual é a emissão de gases-estufa após uma queimada - ressalta Aragão. - Boa parte do prejuízo demora a se manifestar. As árvores que fazem limite com as clareiras morrem a longo prazo. Queremos saber quanto tempo a região atingida demora para reconquistar os seus padrões naturais.

O leque de responsáveis pelas queimadas é extenso: vai do agronegócio, nas zonas de fronteira agrícola, aos pequenos produtores, que, durante o cultivo, não adotam um sistema de rotação de culturas.

Quando o solo fica pobre, passam para uma área vizinha. A zona explorada originalmente consegue uma recuperação parcial, porém, logo depois, é desmatada mais uma vez.

O ataque às técnicas aplicadas em áreas de pastagem e agricultura extensiva é, segundo a "Science", crucial para reduzir as queimadas.

- Não adianta ter uma decisão de cima para baixo - rejeita Aragão. - Quando o governo se limita a proibir, os produtores emigram para outra região e mantém os seus costumes. Os agricultores precisam ser organizados em cooperativas e receber subsídios para que desistam das queimadas. É preciso dar apoio técnico, treinar pessoal e comprar máquinas que permitam o preparo da terra.

O incentivo financeiro aos produtores seria uma etapa importante para garantir o sucesso do REDD, programa cuja definição ainda não foi acertada pela comunidade internacional. O projeto prevê a concessão, pelos países desenvolvidos, de incentivos financeiros às nações em desenvolvimento para que elas combatam o desmatamento de suas florestas.

A medida acarretaria uma bemvinda queda das taxas de emissões de gases-estufa. Segundo a ONU, a devastação de florestas é responsável por, pelo menos, 20% da liberação de carbono para a atmosfera.

Estima-se que o REDD seria capaz de evitar a emissão de 13 a 50 bilhões de toneladas de carbono até 2100. A discussão do programa é um dos destaques da próxima Conferência do Clima da ONU, que será realizada no fim do ano, na Cidade do México.

- Esta é a maneira mais barata de evitar as emissões de carbono, e o Brasil é o país que reúne as melhores condições para adotá-la - garante Aragão. - Temos uma rede de monitoramento montada, ao contrário de outros países com florestas tropicais. Apesar das limitações que mostramos no estudo, podemos prestar contas à comunidade internacional sobre o ritmo do desmatamento.

Portanto, o país já está pronto para receber incentivos financeiros.
Falhas corrigidas com resolução 3D
A deficiência de monitoramento apontado pela "Science" pode ser combatida nos próximos anos. Uma tecnologia adaptada nos EUA pela Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) permitirá a troca gradual da vigilância por satélite por um sistema tridimensional. A resolução consegue atravessar a copa das árvores mais altas e enxergar objetos a até 15 centímetros do solo.

Entre os objetivos do equipamento, que começou a ser testado na semana passada no Acre, estão a identificação do corte ilegal de árvores e o estudo de novas técnicas de manejo de solo - propondo, assim, alternativas à agricultura extensiva.

Os dados fornecidos pelo sistema permitem o cálculo da biomassa da área registrada - ou seja, quais são os seus estoques de carbono. Se a medição for realizada próximo a clareiras em momentos distintos, antes e depois de uma queimada, será possível mensurar as emissões de gases-estufa naquela região.

O Globo, 04/06/2010, Ciência, p. 28

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