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Foco será quem vai pagar a conta do clima, diz cientista

O Globo, Sociedade, p. 25
27 de Out de 2015

Cientista diz que foco da COP-21 será em quem vai pagar a conta
Vice-presidente do IPCC, Thelma Krug prevê disputas difíceis no encontro

Ana Lucia Azevedo

RIO - Em Paris, dezembro começará com tempo instável. Pelo menos no Centro Paris-Le Bourget, o autoproclamado 100% sustentável plenário da XXI Conferência das Partes da Convenção do Clima da ONU (COP-21). Recém-eleita vice-presidente do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas (IPCC), a cientista brasileira Thelma Krug vê as chances de sucesso da cúpula com o que ela própria chama de otimismo moderado. Um cenário nebuloso de negociações, com disputas difíceis entre países. Mas que pode culminar num acordo mais qualitativo do que quantitativo, sem metas numéricas específicas, mas com intenções claras. O foco será quem pagará a bilionária conta do clima.
Thelma está mais do que acostumada às notoriamente longas e conturbadas negociações climáticas. Pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), ela integra o IPCC desde 2002, onde ajudou a criar os mecanismos para produzir os inventários nacionais de emissões de gases de efeito estufa.
ACORDO SEM METAS NUMÉRICAS
No Inpe, a matemática participou do desenvolvimento do Prodes, o sistema oficial de monitoramento por satélite do desmatamento na Amazônia. Especialista em números, é justamente deles que ela não espera muito.
- Não vimos grandes avanços na mesa de negociação nos últimos meses. Mas estou ainda otimista. Não gosto de perder o entusiamo. Espero ver a confirmação dos 2 graus Celsius de aumento da temperatura da Terra em função do aumento das emissões de CO2. Porém, dificilmente sairá um acordo com metas numéricas específicas. Aliás, já não falamos em metas, mas em contribuições. Alguns países, como o Brasil, já apresentaram as suas - explica ela, que esteve no Rio na semana passada para o evento "Fronteiras, territórios, territorialidade e gestão", no Museu de Astronomia e Ciências Afins (Mast).
E, como nas 20 Cúpulas do Clima que a antecederam, a COP-21 esbarra na crucial questão: quem pagará a conta? Na mesa de negociação, isso se traduz em acesso a financiamento e transferência de tecnologia. Há divergências importantes entre países em desenvolvimento e industrializados.
- Até agora, os US$ 100 bilhões prometidos pelos países ricos não se materializaram. Só ouvimos promessas e ainda não vimos dinheiro algum. Financiamento e transferência de tecnologia serão determinantes para o sucesso da Cúpula de Paris - observa a pesquisadora, conhecida pelo estilo objetivo e persistente nas negociações.
ÊNFASE NA REDUÇÃO DE PREJUÍZOS
Para a cientista, o foco não será a prevenção de mudanças climáticas. Isso já ficou no passado.
- Serão discutidas adaptação e mitigação. Ponho mais ênfase em mitigação do que em adaptação, porque ninguém se adapta a desastres naturais e temperaturas inviáveis para o ser humano, por exemplo - pondera.
E mitigar, ou seja, reduzir os prejuízos, sai caro.
- Isso tudo custa dinheiro. E os países em desenvolvimento estão muito reticentes em se comprometer sem saber de onde virá o financiamento - observa.
A vice-presidente do IPCC está preocupada com o impacto generalizado das mudanças climáticas:
- Vemos cenários altamente interdependentes, que afetam vários países. Um país sozinho não resolverá nada. E ao mesmo tempo em que o clima muda, assim como aumentam as projeções de elevação da temperatura, sobem as emissões de gases-estufa.
Segundo ela, as emissões por uso da terra - queimadas e desmatamento - diminuíram.
- Contou muito para isso a queda do desmatamento no Brasil e o imenso programa de reflorestamento feito pela China. Mas as emissões por queima de combustíveis fósseis continuam a crescer globalmente - salienta.
Thelma afirma que, apesar das críticas internas, o plano climático brasileiro foi bem recebido no exterior. As chamadas INDCs (da sigla em inglês para Intended Nationally Determined Contributions), ou propostas climáticas nacionais para reduzir emissões, preveem investimento em energias renováveis, desmatamento ilegal zero até 2030 e recuperação de 12 milhões de hectares de áreas degradadas.
- O Brasil tem sido elogiado. Ele apresentou medidas factíveis. Pelo menos a maior parte delas. Há flutuações no desmatamento, mas não estou preocupada com elas. O importante é a tendência de queda. O que realmente me preocupa é se o país terá condições de manter a fiscalização. Os satélites fazem a sua parte. Mas precisamos de gente em campo e isso custa dinheiro. Precisamos também implementar o Cadastro Ambiental Rural (CAR). Isso é essencial para termos bases concretas - destaca.

O Globo, 27/10/2015, Sociedade, p. 25

http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/cientista-diz-que-fo…

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