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FMI vê mais conflito por alimento

FSP, Dinheiro, p. B3
19 de Abr de 2008

FMI vê mais conflito por alimento
Diretor do Fundo diz que distúrbios causados pela inflação dos alimentos ainda devem aumentar
Strauss-Kahn afirma que vê problema quando produção de biocombustível é feita a partir de alimentos, como no caso do milho nos EUA

Da Redação

A escalada de ataques aos programas de biocombustíveis, uma das prioridades do Brasil, intensifica-se. Ontem foi a vez de Dominique Strauss-Kahn, diretor-gerente FMI (Fundo Monetário Internacional (FMI), dizer que eles representam um problema moral e que os tumultos causados pela disparada nos preços dos alimentos podem ainda não ter chegado ao seu pico.
"Quando produzimos biocombustíveis de produtos agrícolas não usados como alimentos, tudo bem. Mas, quando eles são feitos de produtos alimentícios, isso representa sério problema moral", disse Strauss-Kahn à rádio Europe 1.
Questionado se apoiaria uma possível moratória na produção de biocombustíveis, Strauss-Kahn respondeu: "Caso eles usem alimentos".
Os EUA estão desviando sua produção de milho para fabricar álcool, elevando preços dos alimentos.
Os países precisam encontrar o equilíbrio entre a solução de problemas ambientais e a necessidade de garantir que as pessoas não morram de fome, ele disse, acrescentando que os protestos causados pela alta nos custos dos alimentos em todo o mundo podem piorar.
"Em termos de distúrbios causados pelos problemas alimentares, o pior, infelizmente, pode ainda estar por vir", ele declarou. "Centenas de milhares de pessoas serão afetadas."
Escassez de alimentos e a disparada em seus preços causaram tumultos e protestos em países como Haiti, Camarões, Egito, México, Níger e Indonésia e geraram um questionamento mais profundo dos biocombustíveis de primeira geração, produzidos com base em safras alimentícias.

Sarkozy
O presidente francês, Nicolas Sarkozy, também interferiu no debate, dizendo que a crise atual pedia não por resposta imediata, mas por uma ambiciosa estratégia de apoio à agricultura.
O premiê britânico, Gordon Brown, pediu na semana passada que o G8 (as sete nações mais industrializadas e a Rússia) discutam a alta dos alimentos e os biocombustíveis. A ONU e organizações de ajuda humanitária dizem que a alta de alimentos ameaça avanços recentes no combate à fome.
Os biocombustíveis não são o único fator a elevar os preços dos alimentos. Aumento global do consumo e quebras importantes de safras explicam a inflação alimentar.
Na quarta, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou de "palpiteiros" e "simplistas" os críticos dos biocombustíveis.
Com agências internacionais

reação

Amorim rebate com ataque aos subsídios

Da sucursal de Brasília

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, rebateu ontem as críticas internacionais contra os biocombustíveis atacando os subsídios agrícolas dos Estados Unidos e da Europa, que prejudicariam o avanço da produção de alimentos nos países mais pobres.
"Realmente, o que prejudica a produção de alimentos nos países pobres, vamos ser claros, é a existência de subsídios e barreiras nos países ricos", disse Amorim, após assinar acordos com a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação).
Ao comentar as declarações do diretor-gerente do FMI (Fundo Monetário Internacional), Dominique Strauss-Kahn, que apresentou os biocombustíveis como um problema "moral", Amorim recomendou que tanto o Fundo quanto o Banco Mundial defendam o fim da ajuda estatal a agricultores.
"Se o diretor-gerente do FMI e o presidente do Banco Mundial quisessem dar uma recomendação que realmente melhore a produção de alimentos nesses países [pobres], deveriam dizer: olha, em vez de os Estados Unidos reduzirem os subsídios para US$ 14 bilhões, e a Europa, para US$ 20 bilhões, reduzam a zero", afirmou, em referência à Rodada Doha da OMC (Organização Mundial do Comércio).
A lógica do raciocínio de Amorim é simples: com menos subsídios e barreiras protecionistas a produtos agrícolas, os mercados tradicionais acabariam remetendo mais dinheiro para os países em desenvolvimento. Dinheiro para comprar comida, por exemplo.
"Se o FMI puder ajudar para que países africanos e países latino-americanos mais pobres possam produzir biocombustíveis que entrem sem barreiras nos países ricos, estará ajudando a renda desses países. E é com renda que obtêm os alimentos", disse o chanceler.
Os biocombustíveis foram alvos de críticas de outras instâncias das Nações Unidas. Na segunda-feira, o relator especial da ONU sobre o Direito à Alimentação qualificou os combustíveis verdes de "crime contra a humanidade" e pediu moratória na sua produção mundial.
A partir daí, o governo brasileiro vem tentando esclarecer que o álcool de cana-de-açúcar, por exemplo, não invade outras lavouras. Na quarta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva chamou os críticos de "palpiteiros". Disse que, se os combustíveis representam um crime contra a humanidade, isso ocorre nos Estados Unidos e na Europa.
No Brasil, a cultura de cana-de-açúcar, segundo o presidente, usa apenas 1% das áreas agricultáveis.
(Iuri Dantas)

Preços agrícolas vão continuar altos "no curto prazo", diz FAO

Iuri Dantas
Da sucursal de Brasília

O diretor-geral da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), Jacques Diouf, disse ontem que o preço dos alimentos vai continuar alto "no curto prazo", por ter raízes complexas, relacionadas a fatores como mudança climática, aumento de consumo nos países pobres e os biocombustíveis.
"Os preços não vão baixar no curto prazo. O que vai acontecer depende de ações humanas. E há a vontade política, que precisa decidir quais ações vão ser adotadas", disse.
A alta do preço das commodities agrícolas também deve contribuir para conflitos internos nos países mais pobres, onde milhares de pessoas terão mais dificuldades de comprar comida, segundo o diretor da FAO. "Estamos convencidos de que, se os preços continuarem aumentando, as populações mais pobres não vão continuar assistindo ao impacto sem reação", disse Diouf ao final da 30ª Conferência Regional da América Latina e Caribe da FAO, encerrada ontem em Brasília.
Em entrevista à Folha, ele afirmou que os conflitos devem se restringir ao interior dos países. Diouf avalia que não haverá casos de guerras entre países provocadas por escassez de comida, mas de água. "Conflitos internos, sim. Poderíamos ter conflitos entre as nações sobre a água."
Ele afirmou ainda que a decisão sobre ações específicas será tomada pelos chefes de Estado dos 190 países filiados à organização durante uma cúpula em Roma, em junho. "O preço [dos alimentos] está aumentando pelo mundo e há que tomar medidas estruturais e não concentrar apenas nas conseqüências", alertou.
Na entrevista coletiva de encerramento do evento, o ministro do Desenvolvimento Agrário, Guilherme Cassel, também defendeu a subordinação dos biocombustíveis aos alimentos, na lavoura e na política de governo. "Não se pode perder a oportunidade dos biocombustíveis, mas isso deve estar subordinado a uma política clara de segurança alimentar. Biocombustível, sim. Mas, antes, segurança alimentar", disse.
Cassel também contou que o IBGE divulgará dados positivos sobre o campo brasileiro no segundo semestre, como o aumento do número de produtores rurais, queda no tamanho das propriedades e aumento da renda dos agricultores.
De acordo com o diretor-geral da FAO, cinco motivos principais explicam o encarecimento recente da comida:
1) Impacto de mudanças climáticas, com seca na Austrália e no Cazaquistão, inundações na Índia, em Bangladesh e no sul da África, frio rigoroso no interior da China, furacões na América Central e no Caribe. 2) Custo dos insumos agrícolas, como sementes e fertilizantes, setor dominado por um oligopólio mundial de empresas e que recebe impacto do aumento do barril do petróleo. "O problema dos preços dos insumos me parece hoje um dos problemas mais fundamentais. Os fertilizantes aumentaram 59% no ano passado", analisou.
3) Consumo maior de alimentos em países em desenvolvimento, como China e Índia, onde a dieta tradicional de grãos e cereais foi acrescentada de carne e leite. "Para um quilo de carne de boi, são necessários de sete a oito quilos de grãos."
4) Uso de grãos, como o milho, na produção de biocombustíveis. "No ano passado, 100 milhões de toneladas de grãos foram usadas para biocombustíveis, com subsídios em alguns países", disse.
5) A especulação financeira em Bolsas de mercados futuros, onde são definidos os preços das commodities agrícolas. "Os fundos especulativos existem, mas estão lucrando com a oportunidade. Se não houvesse essa oportunidade, os fundos especulativos não ganhariam o que estão tendo agora."

FSP, 19/04/2008, Dinheiro, p. B3

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