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Floresta exposta

O Globo, País, p. 3
27 de Jan de 2014

Floresta exposta
Reservas naturais e terras indígenas têm apenas um fiscal para cada 579 km²

CLEIDE CARVALHO
cleide.carvalho@sp.oglobo.com.br

SÃO PAULO - A área de 1,8 milhão de km² envolvendo unidades de conservação federais e terras indígenas conta hoje com 3.200 agentes públicos voltados à fiscalização nos três principais órgãos de vigilância e proteção: Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), Fundação Nacional do Índio (Funai) e Instituto Chico Mendes de Biodiversidade (ICMBio). Isso significa que cada fiscal é responsável por 579 km² - área equivalente à metade da cidade do Rio de Janeiro.
Mas a situação é ainda mais dramática. O Ibama, por exemplo, é responsável também por fiscalizar o cumprimento do Código Florestal em propriedades privadas, inibir pesca ilegal, combater garimpos clandestinos, entre outras funções. A estratégia tem sido aliar o uso de tecnologia e inteligência. Imagens de satélites indicam os problemas e os órgãos realizam operações conjuntas, com reforço da Polícia Federal e do Exército.
Considerado apenas o desmatamento, as notícias dos últimos dois anos não foram boas. Em 2012, a derrubada de árvores na Mata Atlântica foi a maior desde 2008. O principal destino das toras foi a indústria de carvão. Na Amazônia, após quatro anos em queda, o desmatamento voltou a aumentar para abrir espaço para o gado e a soja. As terras indígenas tampouco estão a salvo, com constante invasão de madeireiros e conflitos com posseiros.
- A falta de fiscais é apenas o primeiro problema. O Ibama e o ICMBio lavram multas, mas só 2% delas são pagas. O governo investe em programas para conter o desmatamento, mas induz a ação dos madeireiros quando não toma medidas preventivas. A obra da BR-163 é um exemplo: pouco foi feito para evitar o desmatamento na região - afirma o procurador Bruno Soares Valente, do Ministério Público Federal no Pará, estado responsável por 40% da área de 5.843 km² desmatada no ano passado na Amazônia Legal.
Drones podem ser usados em reservas
Giovanna Palazzi, diretora de criação e manejo de unidades de conservação do ICMBio, que administra 313 unidades federais, o equivalente a 8,8% do território do país, reconhece que o desafio de fiscalizar é gigantesco e que a rede de parcerias entre os órgãos federais é a única forma de atacar a diversidade de problemas, do fogo em unidades de conservação à sobrepesca. Além dos satélites de monitoramento do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), o órgão conta com imagens do Programa Nacional de Rastreamento de Embarcações Pesqueiras por Satélite (Preps) e, desde o ano passado, com imagens de maior resolução em terra, do Cadastro Ambiental Rural.
- A tendência é melhorar a tecnologia e cruzar informações de diversos bancos de dados para definir estratégias. Na fiscalização tradicional, quando descobrimos um método usado para burlar regras, os infratores inventam outros - diz Giovanna.
No fim do ano passado, o ICMBio iniciou no Parque Nacional do Pau-Brasil, em Porto Seguro (BA), os testes do Veículo Aéreo não Tripulado (Vant), mais conhecido como drone. O modelo Nauru 500 é equipado com uma câmera de alta resolução, permitindo geração de mapas semanais do parque, que tem uma área de 18,9 mil hectares de Mata Atlântica a ser preservada. Num dia, o drone é capaz de sobrevoar toda a área e detectar, por exemplo, extração de madeira ou caça. Com o sensor de calor, é possível também detectar a presença de invasores antes que eles comecem a agir.
- O Vant pode ajudar muito, mas ainda é um equipamento caro, que precisa de manutenção - diz Giovanna.
A Funai, apesar de responsável pela proteção das terras indígenas, não tem poder de multar invasores, apenas de notificá-los. Para agir, depende de apoio policial e de outros órgãos.
- Estamos falando de 13,3% das terras do país. Muitas áreas são de difícil acesso e é necessário ter capilaridade para alcançá-las. Boa parte dos nossos servidores estão perto de se aposentar e há a necessidade de trazer mais pessoas. Estamos falando do contato com 305 etnias, interlocutores muito diversos - diz Tatiana Vilaça, coordenadora de prevenção de ilícitos em terras indígenas da Funai.
Fiscais sofrem ameaças
Tatiana afirma que há ainda dificuldade de manter servidores da Funai em alguns postos em áreas isoladas ou de conflito. O posto da Coordenação Técnica Local da Funai é o único equipamento do Estado em municípios como Boca do Acre (AC), Brasnorte (MT), Tucumã (PA), São Félix do Xingu (PA), Zé Doca e Grajaú (MA) e Tonantins (AM), por exemplo. Nestas áreas, não há postos da Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal ou Ibama:
- Há casos em que os nossos representantes sofrem ameaças e temos que tirá-los do município- diz Tatiana, lembrando que a presença física do Estado reduz o desmatamento ilegal e que nenhuma operação de fiscalização surte efeito isoladamente. - É preciso uma resposta para a questão econômica dos municípios no entorno de terras indígenas, com a implantação de políticas públicas permanentes que resultem em oferta de trabalho e assistência social. Quando a fiscalização acaba, as políticas públicas têm de continuar - diz ela.
Paulo Barreto, pesquisador do Imazon, acredita que a fiscalização é só o começo na responsabilização de alguém por um crime. Se não houver punição, a tendência é que o crime volte a acontecer.
- Costumo dizer que faltam muito mais advogados do que de fiscais na área ambiental. Temos um esforço em fiscalizar e multar, mas nossa maior fragilidade está no julgamento e na aplicação da pena.
Ela afirma que o Ibama, por exemplo, ainda não consegue arrecadar a maioria absoluta das multas aplicadas, mas a atuação do órgão passou a ser mais efetiva com o poder de confiscar e leiloar bens apreendidos, como madeira e maquinário usado no corte, no caso de desmatamento. Barreto afirma que desmatadores contumazes só se assustam quando há risco de prisão.
- Um advogado que defende alguns casos me disse que eles pagam qualquer dinheiro para evitar a cadeia. Quando descrevo a situação no Brasil a interlocutores de outros países, eles dizem que só mesmo prisão para resolver o problema. Por isso, é preciso que a lei também seja mais rigorosa - afirma Barreto, acrescentando que uma das discussões em curso na Amazônia é a aplicação da lei de lavagem de dinheiro, uma vez que há roubo de recursos públicos e, portanto, a origem do ganho é ilegal.

Ambientalistas criticam fiscalização
Segundo eles há corrupção e falta de agentes

Gustavo Uribe

SÃO PAULO - O déficit de agentes públicos e a falta de políticas eficazes impedem que o Brasil realize uma fiscalização efetiva de suas unidades de conservação federais e de territórios indígenas. A avaliação é de ambientalistas e especialistas ouvidos pelo GLOBO, segundo os quais o poder público deve investir mais em tecnologia da informação e de monitoramento, bem como enfrentar com vigor a corrupção na fiscalização ambiental.
Na avaliação do diretor de Políticas Públicas da Fundação SOS Mata Atlântica, Mario Mantovani, a fiscalização das unidades de conservação no país é uma "farsa", uma vez que, além de não haver agentes públicos suficientes, o poder público não combate aqueles que são os verdadeiros responsáveis pela depredação ambiental.
- A fiscalização no Brasil é uma farsa. Como não há condições de fazê-la bem feita, pega-se, por exemplo, uma família que extrai palmitos para comer, mas não a rede de corrupção e crime que obriga a família a pegar o palmito. Pega-se o sujeito que faz o carvão de maneira irregular nas carvoarias, mas não as empresas que o compram - criticou.
Para Mantovani, o déficit de agentes públicos para a fiscalização das unidades de conservação ambiental pode ser ainda maior, já que alguns deles estão afastados de suas funções por problemas de saúde, entre outros motivos. Segundo ele, o déficit de agentes de fiscalização "garante a existência de uma cadeia predatória" formada por grupos econômicos que lucram com recursos da depredação ambiental.
O diretor da entidade cita como exemplo de fiscalização inteligente o Parque Nacional Serra da Capivara, no Piauí, que tem colaboração de moradores.
- São necessários mais fiscais, não só em quantidade, mas também em programas mais inteligentes de fiscalização. E não é apenas fazendo força-tarefa e colocando a Força Nacional. A fiscalização pode ser feita com gente da própria região, pessoas para quem a conservação é benéfica - explicou.
Um dos coordenadores da Campanha Amazônia do Greenpeace Brasil, Rômulo Batista, relata que a falta de fiscalização é observada nos sobrevoos que a entidade faz na Floresta Amazônica. Segundo ele, em algumas terras indígenas e unidades de conservação é constante a extração ilegal de madeira. Na avaliação dele, além de um número maior de agentes públicos, são necessários planos de manejo e de gestão mais efetivos nas unidades de conservação, para que elas cumpram o seu verdadeiro papel.
- A gente observa em nossos sobrevoos em áreas da Amazônia que faltam fiscalização e a real efetivação dela. Há a falta de elaboração de planos de manejo, de planos de gestão, para que as unidades cumpram o seu papel. A fiscalização é muito importante. Em algumas terras indígenas que visitamos, é constante a retirada de madeiras. E, em algumas unidades de conservação, no Pará, foi vista a extração ilegal de madeira. Falta gente para realizar esse serviço e vontade política de investimento nas unidades de conservação - afirmou.
Para o coordenador do Greenpeace, há a necessidade também de mais investimentos em tecnologia, melhor capacitação e remuneração dos agentes públicos e maior contratação de profissionais de fiscalização "para aumentar a presença do poder público" nas áreas de conservação federais e territórios indígenas. Ele pondera ainda a importância do combate à corrupção:
- A corrupção, como em todos os processos de fiscalização, e não apenas o ambiental, atrapalha. Todo o processo de corrupção faz com que o serviço não seja feito de maneira efetiva. Há reportagens e denúncias de casos de problemas com corrupção na fiscalização, ou mesmo fraude no documento de origem florestal, que, de uma forma ou outra, acaba esquentado a madeira ilegal.

O Globo, 27/01/2014, País, p. 3

http://oglobo.globo.com/pais/brasil-tem-so-um-fiscal-por-579-km-de-area…

http://oglobo.globo.com/pais/ambientalistas-criticam-fiscalizacao-11410…

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