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Floresta em pé compensa

Adiante, n. 7, jul. 2006, p. 48-51
Autor: MOUTINHO, Paulo; SANTILLI, Márcio
31 de Jul de 2006

Floresta em pé compensa

Por Paulo Moutinho e Marcio Santilli

Paulo Moutinho cooderna o programa de mudança climática do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam)

Marcio Santilli integra o conselho diretor do Instituto Socioambiental (ISA)

O 'clima' das discussões sobre mudanças climáticas virou na última conferência da ONU sobre o assunto, realizada em dezembro de 2005 em Montreal. O motivo foi a inclusão na pauta de uma questão até então adormecida: como enfrentar as emissões crescentes de gases de efeito estufa (GEE) oriundas do desmatamento nos países em desenvolvimento? Papua Nova Guiné e Costa Rica, com o apoio da Coalition for Rainforest Nations - um grupo de dez países tropicais em desenvolvimento, do qual o Brasil não faz parte -,"conclamaram as nações a enfrentar o problema.
As regras do Protocolo de Kyoto enfatizam a redução das emissões nos países desenvolvidos decorrentes da queima de combustíveis fósseis - que atualmente contribuem com 80% das emissões globais de GEE. Os 20% restantes, computados basicamente ao desmatamento tropical, não receberam qualquer tratamento no Protocolo. Nenhum mecanismo visando a sua redução foi aceito como ação válida de mitigação da mudança climática.
A iniciativa de Papua e Costa Rica abre uma oportunidade única para um salto nas negociações internacionais sobre o aquecimento global. O que se propõe é uma compensação aos países em desenvolvimento pela redução do desmatamento em seus territórios. O conceito, chamado de Redução Compensada, havia sido lançado por um grupo de pesquisadores coordenado pelo Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam), em 2003. A idéia é que os países em desenvolvimento - os maiores detentores de estoques de florestas tropicais - que se disponham e consigam reduzir as emissões nacionais resultantes do desmatamento, abaixo de um valor de referência, recebam compensação financeira internacional correspondente às emissões evitadas.
A redução dos índices nacionais de desmatamento, aferidos por critérios técnicos comuns e consistentes - imagens de satélites, por exemplo -, estabeleceria os parâmetros para a compensação. Ela, por sua vez, seria feita por mecanismos de mercado, como os créditos de carbono, mas de modo diferente do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), que é vinculado à execução de projetos específicos. Valeria, neste caso, o compromisso entre países com a redução das taxas nacionais anuais de desmatamento como referência. A compensação viria a posteriori, a partir da verificação técnica da efetiva redução de emissões - não importando como foi obtida.
Debates crescentes sobre o tema incluem questionamentos sobre os benefícios adicionais que a Redução Compensada traria. Como qualquer mecanismo de compensação, ela autorizaria emissões resultantes da queima de combustíveis fósseis em países desenvolvidos, desde que compensáveis pela redução de desmatamento.
Ocorre que foram estes mecanismos que facilitaram o acordo em torno do Protocolo de Kyoto. Sem eles, é possível que o Protocolo não tivesse prosperado ou a meta acertada -de redução média de 5,2% das emissões dos países desenvolvidos - fosse menor.
A adicionalidade dos mecanismos de compensação não está apenas na correlação entre emissões evitadas e autorizadas, mas também no papel que desempenha na lógica do Protocolo: facilitar o cumprimento das metas pelos países desenvolvidos enquanto viabiliza recursos para as nações em desenvolvimento prepararem esforços mais efetivos para redução das emissões globais. A existência de um mecanismo relativo às emissões por desmatamento não só favoreceria o estabelecimento de metas adicionais de redução pelos países desenvolvidos para o período seguinte a 2012, como estimularia os países em desenvolvimento a diminuir o desmatamento.
Outra questão debatida refere-se aos "vazamentos", ou seja, a possibilidade de uma eventual redução do desmatamento em determinada região resultar no aumento em outra. Mas, como a proposta de Redução Compensada refere-se a taxas nacionais, o risco estaria reduzido à hipótese de vazamento de um país para outro e seria minimizado sempre que nações vizinhas se sentissem estimuladas.a participar do mecanismo.
As discussões em curso têm demonstrado que a escolha de linhas de base histórica para aferir as reduções deveria levar em conta dinâmicas locais de desmatamento nas regiões tropicais, assim como o estoque de florestas existente em cada país. A redução de taxas em decorrência do esgotamento de reservas florestais não poderia ser compensada. Além disso, seja qual for a linha de base histórica, ela deve ser periodicamente revisada.
Há os que argumentam sobre a "não-permanência" das florestas. Sustentam que elas poderiam ser derrubadas no futuro devido a distúrbios naturais ou pela ação direta do homem, assim como pelo agravamento das mudanças climáticas. Porém, se o que se supõe é a inevitabilidade do desaparecimento das florestas tropicais, é preciso supor também o agravamento da situação climática com a liberação na atmosfera do estoque de carbono hoje retido pelas florestas em pé. Esse fator, por si só, compromete a eficácia de qualquer esforço para reduzir as emissões globais.
Embora tenha base científica, o argumento da "não-permanência" implica o imobilismo diante da grave situação climática. Na proposta de Redução Compensada, a permanência das florestas está prevista em um dispositivo pelo qual os países participantes que aumentem o desmatamento acima de sua linha de base assumem o excedente emitido como meta de redução obrigatória para o período seguinte.
A efetividade da compensação pode ser acentuada por meio de algum tipo de seguro no qual somente uma parte dos créditos obtidos com as reduções atingidas em um período de compromisso de cinco anos estaria disponível para compensar emissões no período seguinte. Outra parte poderia ser negociada para uso em períodos de compromissos futuros. Mecanismos de seguro para todas as compensações de emissões deveriam ser desenvolvidos e seus custos incorporados no comércio de emissões.
Gerando valor
O Brasil mantém em seu território a maior extensão de floresta tropical do planeta, a amazônica, com um estoque de 80 bilhões de toleradas de carbono, o equivalente ao que o mundo emite queimando combustíveis durante uma década inteira. Contudo, as dificuldades para reduzir as taxas do desmatamento amazônico são enormes.
Em média, cerca de 200 milhões de toneladas de carbono são emitidas para a atmosfera em função da derrubada de 1,8 milhão a 2,3 milhões de hectares de floresta a cada ano, o que corresponde-a 70% das emissões brasileiras e a 3% do total global. Segundo pesquisas recentes, se continuarmos nesse ritmo, em 2050 mais de 40% da floresta amazônica terá desaparecido e 32 bilhões de toneladas de carbono terão sido emitidas, agravando o aquecimento do planeta.
Grande parte das dificuldades no controle do desmatamento decorre da falta de recursos para fiscalização e de programas que valorizem monetariamente a floresta em pé. Na lógica econômica vigente, floresta boa continua sendo floresta derrubada. Um mecanismo como o da Redução Compensada poderia canalizar recursos do mercado global de carbono para que as florestas tropicais ganhem valor se preservadas, dando forma a um novo paradigma de desenvolvimento sob bases mais sustentáveis.
A recente redução na taxa de desmatamento brasileira (30% de 2004 para 2005), embora influenciada pelo baixo preço internacional de commodities como carne e soja, mostra que o desmatamento é passível de controle. Em algumas regiões, a redução chegou a 90%, um índice difícil de ser explicado somente por variações de mercado. Se um mecanismo como o da Redução Compensada estivesse em vigor, a queda na taxa do ano passado teria rendido ao País - considerando o valor médio de mercado da tonelada de CO, de US$ 5 -, cerca de US$ 300 milhões. O valor é muito superior aos US$ 45 milhões anuais (ou R$ 394 milhões em quatro anos) disponibilizados pelo governo federal para o Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento da Amazônia.
No entanto, o governo brasileiro expressa restrições à proposta de Redução Compensada no âmbito das negociações internacionais. Prefere reivindicar a criação de "fundos de incentivos positivos% com a alocação de recursos de países desenvolvidos, a fundo perdido, para projetos governamentais de países em desenvolvimento que visem a redução de emissões. Evidentemente, se houvesse tais recursos 'concessionais' o beneficio adicional ao clima seria maior do que através de mecanismos de mercado.
Mas nem mesmo o fundo de adaptação criado pelo Protocolo prosperou e seria lícito supor que tais recursos, se disponíveis, seriam destinados a países mais necessitados do que Brasil, China e Índia-os maiores emissores entre os não desenvolvidos.
Além dos benefícios para a biodiversidade, a redução do desmatamento pode contribuir para a continuidade e o fortalecimento do regime internacional de reduções de emissões após 2012, ano em que se encerra o primeiro período de compromisso do Protocolo de Kyoto. Essa redução é essencial para que a humanidade reverta, ou ao menos atenue, os efeitos esperados das mudanças climáticas globais.

Adiante, n. 7, jul. 2006, p. 48-51

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