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Floresta e coisa de rico

OESP, Vida e Ambiente, p. A16
Autor: CORRÊA, Marcos Sá
17 de Fev de 2005

Floresta é coisa de rico

Marcos Sá Correa

O Brasil, anfitrião da Rio 92, foi o primeiro país a assinar a convenção sobre meio ambiente e desenvolvimento. Mas chegou atrasado à estréia do Protocolo de Kyoto, na semana em que morria no Pará a missionária Dorothy Stang e se elegia em Brasília o deputado Severino Cavalcanti para presidir a Câmara.
Pode parecer que essas duas notícias nada têm a ver com a outra. Mas são sinais de que, por aqui, não é só o clima que está mudando para pior. Em Anapu ficou mais uma vez combinado que nosso modelo para Amazônia continua balançando entre extrativismo e grilagem. E na Câmara a vitória de Severino, velho aliado dos ruralistas, estimula um novo ataque ao Código Florestal, lei que os políticos brasileiros começaram a fazer há quase um século e nunca funcionou ao pé da letra. Na certa vem aí mais um projeto para revê-la, ampliando a porcentagem de floresta amazônica entregue a bois, serrarias e campos de soja.

Tudo porque floresta, em nossas cartilhas de educação cívica, sempre foi o avesso do desenvolvimento. Logo, um código que defende árvores só poderia conspirar contra o progresso econômico. Criados com esses refrões nos ouvidos, mal percebemos que o protocolo entrou em vigor numa hora em que mato está virando coisa de país rico. Como diz o anúncio publicado em revistas francesas por um consórcio de madeireiras européias, "mais da metade das florestas que caem no mundo são cortadas em países tropicais".

E na França vigora um código florestal de 1669. É obra do ministro da Marinha Jean-Baptiste Colbert. Serviu originalmente para defender a madeira usada na frota de Luiz XIV. Tem cláusulas que vararam séculos, estipulando por exemplo que é preciso esperar 30 anos para cortar um pinheiro e 150 para um carvalho. Funcionou. Desde 1830, os bosques cresceram 60%. Têm 16 milhões de hectares. Já cobrem mais de um quarto da França.

E estão avançando cada vez mais depressa. Nos anos 90 passaram a ganhar 30 mil hectares por ano. Pode não parecer muita coisa. Mas equivale a um Parque Nacional do Itatiaia inteirinho, acrescentado ao território francês na mesma década em que, só na Amazônia, o Brasil perdia em média um Sergipe de mato por ano. Cerca de 80% das florestas francesas são privadas. Nem por isso o país deixa de plantar anualmente 80 milhões de árvores. Para se ter uma idéia do que quer dizer isso, basta lembrar que o programa de revitalização do Rio São Francisco - a velha transposição rebatizada no governo Lula - pretende recompor as matas ciliares em sua bacia com dois viveiros de 200 mil mudas.

"As árvores só têm uma ambição na vida - crescer", diz o tal anúncio. Seu texto, por sinal, faz tudo para desmerecer seus números. Diz, por exemplo, que "o madeireiro é antes de tudo um apaixonado pela floresta". Passando a serra em velhas árvores, evita que elas desabem sobre as outras. E derrubando as pequenas, abre alas para as grandes. Abrindo trilhas, permite que as pessoas passeiem pelos bosques.

Vale a pena saltar os parágrafos escancaradamente publicitários. Mas é melhor não perder sua conclusão. "Uma floresta bem explorada", segundo esse inventário geral dos bosques franceses, renova-se mais rapidamente do que as outras, consumindo com isso mais carbono. Explorá-las é, portanto, "um excelente remédio contra o efeito estufa". Tanto que "as florestas estão se expandindo em toda a Europa, principalmente na Finlândia, Noruega e Alemanha". O Protocolo de Kyoto demorou. Mas nem todos ficaram esperando para ver que cara ele tinha.

OESP, 17/02/2005, Vida e Ambiente, p. A16

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