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Floresta do Araguaia, a 'Capital da Abacaxi'

OESP, Geral, p.A18
16 de Mai de 2004

Floresta do Araguaia, a 'Capital do Abacaxi'
Produção da fruta e de seu suco concentrado movimentam essa pequena cidade do Pará
LUIZ MAKLOUF CARVALHO Enviado especial
FLORESTA DO ARAGUAIA - A cada dois dias, uma carreta com 26 toneladas de suco concentrado de abacaxi deixa Floresta do Araguaia, cidade de 14 mil habitantes no sudeste no Pará, em direção ao Porto de Santos. São quase 3 mil quilômetros, três dias de viagem. Mas está sendo um bom negócio para o empresário italiano Romano Orsi e sua Floresta do Araguaia Conservas Alimentícias, a Flora.
No ano passado, 5.500 toneladas do produto processado em Floresta, Conceição do Araguaia (PA) e Miracema do Norte (TO) deixaram Santos em direção aos portos europeus. Este ano, com a tonelada a US$ 1.100 e a inauguração de mais uma fábrica na Ilha de Marajó, a exportação será maior. "Apostamos no abacaxi e vem dando certo", diz o economista Maximiliano Orsi, filho de Romano e diretor da empresa. Segundo o empresário, o investimento para a montagem das fábricas foi de US$ 3 milhões, em recursos próprios. Contratos assinados com as respectivas prefeituras as isentam de impostos.
Floresta do Araguaia é longe, de onde quer que se venha. A cidade mais próxima, Rio Maria, fica a 73 km. A capital do Estado, Belém, está a 1.200 km. Considerando a precariedade das estradas, são distâncias que valem o dobro. No caso das vicinais de terra de Floresta, que levam aos extensos plantios de abacaxi, valem o triplo. Um carro convencional leva 1h10 para percorrer 32 km. Um caminhão carregado de abacaxis - e são muitos, no pico da colheita - não gasta menos de duas horas.
A par de péssimas estradas, de não ter nem agência bancária nem serviço de telefonia celular, Floresta é, hoje, em área plantada, o município brasileiro campeão do abacaxi. São 12 mil hectares para estimados 800 produtores, a maioria pequenos e médios. O Brasil é o segundo maior produtor mundial da fruta, depois da Tailândia. O Pará, que antes importava, é o terceiro na produção nacional, depois de Minas e da Paraíba.
Exagero justo - Floresta anuncia seu desempenho na placa empoeirada da estrada de chão que lhe dá acesso: "a Capital Mundial do Abacaxi". Considerando que o sudeste do Pará ficou mais conhecido pelos conflitos e menos pelos investimentos produtivos, embora os haja, o exagero se justifica. O Ananas comosus, também conhecido como fruta cheirosa, tem festa anual, no fim de maio, e é até monumento de concreto na pracinha da única rua principal. "O abacaxi trouxe renda e trabalho", diz o secretário municipal de Desenvolvimento Econômico, Edilson Gomes da Silva.
Os plantios começam a encher os olhos quando se sai da área urbana pelas esburacadas vicinais. Genelito Siqueira Silva, de 37 anos, está bem no meio de um deles, solitário, borrifando um produto que mata o mato nativo e concorrente. Como o trançado do abacaxizal espeta, e muito, usa duas camisas, uma calça grossa e luvas. Não combina com o calor da região, mas só assim é possível trabalhar. Cultiva, com o pai, 3 alqueires, ou 300 mil pés.
São ambos meeiros do maior produtor de Floresta, Florêncio de Freitas. Ele fornece a área preparada para o plantio, as mudas, o adubo e os herbicidas.
Genelito e a família fazem o resto.
Em um ano e cinco meses, aproximadamente, cada fruta para consumo in natura será vendida a R$ 0,60. Descontada a parte de Florêncio, Genelito tira por safra, líquidos, o que calcula em R$ 1.500,00 mensais. "Não está ruim", diz.
Floresta começou a produzir abacaxi da variedade pérola, a sério, nos anos 80. Um estudo da Embrapa conta que o primeiro caminhão saiu carregado em 1987. A chegada da Flora, em 1998, resolveu o problema mais grave: o desperdício das toneladas que o mercado não absorvia. "A fábrica garantiu a comercialização de grande parte da produção", diz o agrônomo Wilker Lopes Silva, da prefeitura, que também é produtor, como seus colegas Luciano Pereira Pinto, agrônomo, e Antônio Ferreira de Souza, técnico agrícola.
Souza é paulista de Urânia. Está em Floresta há seis anos e planta 12 hectares. Wilker planta 35 hectares e produz, por safra, 600 mil frutos.
Parte deles vai para a Flora.
Eduardo Jesuíno, o gerente da unidade de Floresta, informa que 150 toneladas da fruta são processadas por dia, sem parar, nos três turnos em que se dividem 50 funcionários, entre eles a engenheira de alimentos Kadja Luana Dall'Agnol. Os abacaxis que lotam o pátio são entregues, em caminhões, por 38 fornecedores cadastrados, 30 deles produtores. Eles recebem, por tonelada, R$ 180,00.
Kadja explica o processo: depois de selecionados, os frutos passam por tanques de lavagem, centrifugação, pasteurização, concentração e resfriamento. No fim da linha, que é contínua, o suco concentrado é acondicionado em embalagens plásticas de 260 quilos. Armazenadas em tambores de ferro, são resfriadas a 16 graus negativos - e assim chegam a Santos.
Sucesso - Para os Orsis, o abacaxi foi, por assim dizer, a sopa no mel. Seu negócio empresarial, em Parma, na Itália, era, e ainda é, a fabricação de máquinas industriais de processamento de alimentos, tecnologia que trouxeram para o Brasil em duas fábricas localizadas em Pouso Alegre (MG). Floresta foi sugerida por amigos brasileiros.
A primeira idéia tentada foi uma associação com uma cooperativa de produtores locais. Não deu certo. Em vôo-solo, funcionou. Vai tudo para Santos, explica Maximiliano, porque no Porto de Belém os navios não têm freqüência regular. Cada carreta custa R$ 4 mil e mesmo assim dá lucro.
Em Floresta, os produtores se dividem: há quem forneça só para a fábrica, como Florêncio e seus 15 alqueires, e há quem se divida entre a fábrica e a venda dos frutos in natura, na qual os atravessadores podem ser um problema.
Florêncio já tomou um prejuízo de R$ 240 mil em abacaxis não pagos. Seu genro, o produtor Nilton José da Silva, conta que na primeira compra os atravessadores pagam à vista, para ganhar confiança. "Nas outras, a gente tem de rezar."
Doce colheita - Florêncio, que tem escala para garantir a entrega, optou pela Flora. Neste ano, 3 mil toneladas serão fornecidas, cada uma a R$ 180,00. Nos cálculos de Nilton, o custo de produção é de R$ 95,00 por tonelada. Mais doce, só o abacaxi. Pedro e Isaac Casagrande, também fornecedores da fábrica, continuam arriscando na venda in natura parte dos 6 alqueires que cultivam.
Dá gosto ver a colheita de um plantio lotando um caminhão, no meio do abacaxizal. Uma carga dessas, com contadinhos 7.500 frutos, precisa de 17 homens. O motorista, os que arrumam cuidadosamente o produto verdolengo, os que contam, os que recobrem as camadas com palha, os que borrifam o líquido que ao longo da viagem os fará amarelinhos - e, principalmente, os que fazem a colheita.
O homem-chave é o sangrador - o que corta o fruto do pé. "O segredo é não prejudicar o fundo", diz, suando, Sebastião Alves Rodrigues, de 25 anos. Há dez anos ele faz isso. É craque. Ganha diária de R$ 25,00, com a comida incluída. É a mesma dos balaieiros que o acompanham. São dois para cada sangrador - e ali tem três. Os balaios, pesados, são carregados para o caminhão.
O custo total da operação é de quem compra - no caso uma empresa de Miracema do Norte. Pedro Casagrande está de olho na contagem. Cada abacaxi vai lhe render R$ 0,55. "Num ano bom, dá pra tirar, limpos, uns R$ 10 mil por alqueire", diz. A casa boa em que mora com a mulher, Maria Aparecida, e duas filhas, tem o conforto básico, incluindo um celular rural. Feliz com os abacaxis, Aparecida reclama das estradas. Elas são tão ruins que o transporte municipal que levava as crianças para a escola deixou de circular. O jeito é ir de bicicleta. "Tem menino que pedala uns 6 quilômetros para estudar", diz.
Isso não é nada, considerando o que o motorista do caminhão Welton Gamas tem pela frente. Os abacaxis de Casagrande irão para o Ceasa do Rio. Wilker e Luciano estimam que os abacaxis de Floresta movimentem 3 mil caminhões por ano, só no produto in natura. À média de 15 toneladas por caminhão, são 45 mil toneladas. Fora as 40 mil que vão para a fábrica. "É um giro de R$ 25 milhões por ano", calcula Wilker.

Pequenos agricultores lucram com o plantio sustentável do maracujá
Eles assumiram empresa falida em Benevides e retomaram a produção
HERTON ESCOBAR
Enviado especial
BENEVIDES - A história é verdadeira, mas soa como uma lenda da Amazônia. Em Benevides, nas cercanias de Belém, quase 2 mil famílias de pequenos agricultores estão fazendo pequenos milagres - ambientais e econômicos - com o plantio sustentável de maracujá. Organizadas em cooperativas, elas assumiram a direção da empresa falida para a qual trabalhavam, retomaram a produção e hoje já estão ampliando seu parque industrial, em meio a 800 hectares de floresta amazônica preservada.
A Amafrutas, até 2001, pertencia a um empresário paulista, que deixou o empreendimento com uma dívida de R$ 1,5 milhão. Sob a tutela das cooperativas, a empresa deu a volta por cima e ressurgiu das cinzas com um novo nome, que não poderia ser mais autêntico: Nova Amafrutas - Empreendimento Solidário. "Começamos com muita dívida, mas com muita força de vontade", conta a paraense Lucinha Pontes, gerente de planejamento e recursos da empresa.
As cooperativas não só cobriram a dívida e recuperaram a produção como conseguiram um financiamento de R$ 16 milhões do Banco da Amazônia para reformar e ampliar suas instalações. No lugar de uma, serão quatro linhas de produção, capazes de processar até 11 tipos de frutas. No último ano, a empresa produziu e exportou 950 toneladas de suco concentrado congelado de maracujá. O produto é todo comprado pela Passina, da Holanda, que controla 60% do mercado mundial do suco e assinou contrato de 15 anos de exclusividade com a Nova Amafrutas.
Para o ano que vem, o plano é aumentar a produção para 1.200 toneladas.
"Temos todos os problemas, menos o de mercado", afirma Lucinha. "Nosso gargalo é a produção agrícola." Todo o maracujá é plantado por pequenos produtores num raio de 300 quilômetros da empresa. São 1.750 famílias, espalhadas por 21 municípios. Em agosto, a fábrica começará a processar também laranja e, em 2005, abacaxi e acerola. No futuro do cardápio estão ainda manga, limão, tangerina, mamão, melão, melancia e goiaba. O parque industrial fica numa área de 800 hectares: metade de floresta intocada e metade em processo de recuperação.
Até 2008, a expectativa é expandir o número de cooperados para 4 mil famílias. O empreendimento é tocado por três entidades: as Cooperativas de Produção Agroindustrial (Coopagri) e Agrícola Mista de Produtores (Camp), responsáveis pela parte agrícola, e a Cooperativa da Produção Agroextrativista Familiar do Pará (Coopaexpa), que gerencia a empresa.
A retomada melhorou as condições de vida de muitos agricultores, como a do baixinho Edmílson Paixão de Sousa, de 47 anos, que pôde finalmente comprar os óculos de que precisava havia cinco anos. "Comprei meus óculos graças ao maracujá", conta Paixão, cuja produção de 4 toneladas lhe rendeu R$ 700 na última safra. "Mas o que ele garante mesmo é a alimentação." Até 2001, ele vivia do plantio de hortaliças, mas o mercado já estava saturado.
"Produzíamos muito, mas não tínhamos para quem vender. Com o maracujá, temos mercado garantido."
A Nova Amafrutas está fechando ainda um acordo com a Natura para produzir óleos de sementes de maracujá e frutos típicos da Amazônia, como babaçu, cupuaçu, inajá e buriti. As árvores amazônicas serão destaque também da nova série do programa Um Pé de Quê?, parceria do Canal Futura, Banco da Amazônia e Pindorama Filmes, apresentado por Regina Casé. A série, que começa no dia 25, fala da ecologia das espécies e destaca projetos de desenvolvimento sustentável.

OESP, 16/05/2004, p. A18

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