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Floresta asfixiada

O Globo, Sociedade, p. 29
19 de Mar de 2015

Floresta asfixiada
Capacidade da Amazônia de absorver CO2 caiu pela metade desde anos 90, mostra estudo

Dandara Tinoco / Renato Grandelle

RIO - Considerada uma espécie de freio para as mudanças climáticas por sua capacidade de armazenar grandes quantidades de gás carbônico, um dos causadores do efeito estufa, a Amazônia poderá ter esse papel minimizado nos próximos anos. É o que indica o mais amplo estudo já feito sobre o tema na região, ao mostrar que, em pouco mais de 20 anos, caiu pela metade a capacidade de a floresta absorver carbono da atmosfera. De um pico de 2 bilhões de toneladas de CO2 por ano na década de 1990, a captação desse bioma se reduziu a 1 bilhão de toneladas e, pela primeira vez, é menor que as emissões de combustíveis fósseis na América Latina. O trabalho, publicado ontem pela revista "Nature", foi desenvolvido ao longo de 30 anos e teve participação de uma equipe internacional de quase cem pesquisadores, liderados pela Universidade de Leeds (Reino Unido).
A pesquisa alerta ainda que as taxas de mortalidade de árvores da Amazônia aumentaram em mais de um terço desde meados da década de 1980, o que afeta a sua capacidade de armazenar carbono. Os pesquisadores explicam que, inicialmente, a alta de CO2 - ingrediente-chave para a fotossíntese - levou a uma espécie de surto de crescimento de plantas. No entanto, o excesso do composto parece ter tido também consequências inesperadas, levando as árvores a crescerem rápido, mas também a morrerem mais cedo.
- Em todo o mundo, as florestas têm nos ajudado absorvendo carbono extra. Cerca de um quarto de todas as nossas emissões tem sido armazenado por florestas como a amazônica. Este estudo nos lembra que isso não pode continuar para sempre. O armazenamento de carbono extra feito por florestas vai se saturar, uma vez que elas não podem crescer para sempre. Com a diminuição da capacidade de estocar o carbono, precisaremos de cortes ainda mais duros nas emissões de CO2 para estabilizar o clima - alertou ao GLOBO, por e-mail, Oliver Phillips, coautor e professor da Faculdade de Geografia da Universidade de Leeds.
Os cientistas examinaram 321 lotes da floresta em 6 milhões de quilômetros quadrados da Amazônia. Eles identificaram e mensuraram 200 mil árvores, registrando as mortes, o crescimento e o surgimento de novos exemplares. Phillips adverte que as mudanças mostradas pelo estudo ocorrem em áreas que não sofreram as consequências diretas de atividades humanas, uma vez que foi analisada parte dos cerca de 80% da floresta original existente.
- Nós vimos como a floresta amazônica remanescente, intacta, mudou ao longo do tempo. Então, essas são as áreas que não foram afetadas diretamente pelo desmatamento ou exploração madeireira. Nessas florestas, vemos mudanças ocorrendo.
Os pesquisadores afirmam que episódios recentes de escassez de chuvas e altas temperaturas na Amazônia também podem ter desempenhado um papel no aumento da mortalidade das árvores e perda da capacidade de absorção do carbono. Embora o estudo constate que o processo começou antes da seca intensa que afetou a floresta em 2005, os cientistas dizem que o fenômeno matou milhões de árvores adicionais.
- Independentemente das causas do crescimento da mortalidade de árvores, este estudo mostra que as previsões de um aumento contínuo do estoque de carbono em florestas tropicais podem ser demasiado otimistas - afirmou Roel Brienen, principal autor do estudo.
Membro da equipe que desenvolve o projeto desde 2004, o brasileiro Luiz Aragão, pesquisador da Divisão de Sensoriamento Remoto do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), diz que a falta de clareza sobre a origem do processo tem impacto no seu desenrolar no futuro.
- Ainda não está claro se o aumento da mortalidade das árvores pode ter ocorrido devido a eventos de seca recentes ou se essa é uma resposta à saturação da capacidade de absorver carbono. Por isso, fica difícil prever qual o papel da Amazônia a longo prazo. Se a origem for essa questão da seca, a floresta poderá retomar o seu papel de sumidouro no futuro. Se for a perda da capacidade de carbono, poderá não retomar - antecipa.
Para Mauro Armelin, superintendente de conservação da WWF-Brasil, os resultados mostram que os efeitos de intervenções na floresta não são apenas locais:
- Esses resultados têm de fazer com que tomemos mais cuidado. Está claro que a capacidade do bioma está sendo reduzida e que não sabemos como ele pode reagir. Se, com 20% de desmatamento, ao menos metade da capacidade de absorção foi reduzida, não podemos mais mexer em nada dessa floresta, apenas fazer um uso sustentável e repensar o nosso modelo de desenvolvimento. Estamos conseguindo medir alguma reações da floresta, mas não sabemos o quanto esse organismo será resistente em relação à mudança do clima. O que poderia ser um freio pode não suportar as mudanças.
O projeto - que reúne cientistas trabalhando em oito países da América do Sul e é coordenado pela Rainfor, rede de pesquisa dedicada ao acompanhamento das florestas amazônicas - continuará a monitorar áreas não perturbadas e deve aumentar atuação e escopo. De acordo com Aragão, um dos objetivos é avaliar o papel das áreas das florestas que sofreram queimadas e outros distúrbios no balanço total de carbono na Amazônia.

O Globo, 19/03/2015, Sociedade, p. 29

http://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/fica-dificil-prever-…

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