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Floresta aproveita seca para crescer

FSP, Ciência, p. A15
Autor: LEITE, Marcelo
03 de Abr de 2006

Floresta aproveita seca para crescer
Mata produz folhas na estiagem com água do solo, sugere dado de satélite

Marcelo Leite
Colunista da Folha

Na reunião da Convenção sobre Diversidade Biológica que terminou sábado em Curitiba, os países ricos foram pressionados a passar no caixa e lastrear com recursos seus discursos sobre a "rainforest" (floresta chuvosa, termo em inglês que designa as florestas tropicais). A partir de agora, graças a um estudo no periódico científico "Geophysical Research Letters" (www.agu.org/ journals/gl), podem ter também de revisar o vocabulário desses discursos.
O título do artigo é paradoxal: "Amazon rainforests green-up with sunlight in dry season" (floresta chuvosa da Amazônia enverdece com luz solar na estação seca). Contrariamente ao que esperaria o senso comum e ao que prevêem os modelos de computador que simulam o comportamento da maior floresta tropical do planeta, a mata se torna mais verde e realiza mais fotossíntese durante a época na qual as chuvas são menos abundantes.
Em outras palavras, a floresta amazônica aproveita a seca para produzir folhas e crescer. O oposto do que sugere seu nome.
A explicação está na maior disponibilidade de luz, durante a seca, quando há menos nuvens barrando a radiação solar. A luz do Sol é a forma de energia que alimenta a fabricação de substâncias, nas plantas, que lhes permite crescer -e é por isso chamada de fotossíntese (das palavras gregas para "produção a partir da luz").
As reações químicas alimentadas pela luz, no vegetal, precisam também de água para se sustentar. Na estação seca, por definição, ela é mais escassa. Aqui entra outra descoberta, publicada há 12 anos: as grandes árvores da Amazônia lançam raízes profundas e são capazes, mesmo na estiagem, de extrair água armazenada desde a estação chuvosa em lençóis a dezenas de metros da superfície.

Comprovação clara
O enverdecimento de florestas tropicais na seca só havia sido medido até agora em pequenas áreas experimentais no Brasil, na América Central e no Sudeste da Ásia. O novo estudo comprovou que ele ocorre na Amazônia como um todo e não se resume a um local ou a um ano atípico: "É a primeira vez que dados de satélite são limpos o bastante para enxergar padrões sazonais completos", disse à Folha, por e-mail, Alfredo Huete, da Universidade do Arizona.
O artigo passou despercebido no Brasil, mesmo contando com um cientista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, de São José dos Campos, entre seus nove autores (Yosio Shimabukuro).
O grupo de colaboração é um dos muitos formados no quadro do Experimento de Grande Escala Biosfera-Atmosfera da Amazônia, mais conhecido como LBA. Essa iniciativa internacional, que já dura uma década, vem revelando muitas coisas inesperadas sobre a dinâmica da floresta.
Huete e Shimabukuro começaram a colaborar ao entrar para o LBA, em 1999. Participaram juntos de várias campanhas de observações e medições em lugares como a Floresta Nacional do Tapajós, perto de Santarém (PA). A partir de 2000 passaram a utilizar imagens do sensor Modis, a bordo dos satélites americanos Terra e Aqua, para caracterizar a atividade da floresta numa grande escala espacial e temporal, sempre comparando os dados ("calibrando-os", como dizem os cientistas) com os colhidos em campo, para garantir que sejam confiáveis.
Um dos produtos do sensor Modis é um índice aperfeiçoado de vegetação (EVI, na abreviação em inglês), que mede a capacidade fotossintética do dossel da floresta. Em poucas palavras, de quanto verde (clorofila), ou área foliar, aquelas legiões de árvores dispõem para produzir mais biomassa por meio da fotossíntese. Após coletar dados ao longo de cinco anos, o grupo verificou que, na Amazônia como um todo, há em média 25% mais fotossíntese durante a estação seca.
Isso só ocorre, porém, nas áreas de floresta primária (madura e intocada). Onde houve desmatamento e o chão está coberto por pastagem ou por floresta secundária (rebrotada), ocorre o fenômeno inverso, ou seja, a fotossíntese diminui. Isso acontece porque essas outras formas de vegetação não dispõem das raízes longas o bastante para obter a água dos lençóis mais profundos. Não estão adaptadas para a época das chuvas magras.
Para Huete, o estudo tem também implicações para a discussão sobre os efeitos da floresta amazônica no clima global. O desmatamento, ao converter biomassa em gases como o dióxido de carbono (CO2), já contribui muito para o efeito estufa (aquecimento da atmosfera por um cobertor de gases, como o CO2). A ruptura da situação vigente há milênios, na região, poderia ser desastrosa.

FSP, 03/04/2006, Ciência, p. A15

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