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Fiscalização é o modo mais eficiente de poupar a floresta sem travar a agropecuária, diz estudo

O Globo, Sociedade, p. 40
24 de Nov de 2019

Benefício do monitoramento
Fiscalização é o modo mais eficiente de poupar a floresta sem travar a agropecuária, diz estudo

ANA LUCIA AZEVEDO
ala@oglobo.com.br

Nada é tão eficiente para combater o desmatamento quanto a dobradinha de satélites no espaço e fiscais em campo, comprovaram pesquisadores da PUC-Rio. Eles produziram a primeira avaliação quantitativa da efetividade da política de monitoramento e fiscalização na Amazônia. E mostraram uma relação de causa e efeito na proteção da floresta. O estudo surge num momento em que o Brasil registra o maior aumento percentual do desmatamento da Amazônia em duas décadas -29,5% -e ainda não tem metas e planos oficiais para combatê-lo.
O trabalho foi realizado por cientistas do Climate Policy Initiative (CPI, na sigla em inglês), organização internacional que reúne 90 especialistas em finanças e políticas climáticas, e do Núcleo de Avaliação de Políticas Climáticas da PUC-Rio. Eles descobriram que a combinação de alertas emitidos pelo Deter/Inpe, que usa satélites para identificar áreas desmatadas, seguida da pronta resposta do Ibama e demais agências de fiscalização evitou a perda de 27 mil km² de florestas por ano, de 2007 a 2016, período em que se registrou uma significativa redução da derrubada da mata.
Isso evitou a emissão anual de 1 bilhão de toneladas de CO2, que equivale à metade das emissões totais do Brasil em 2017. Uma comparação entre o valor das emissões evitadas e o custo de implementação da política revela, ainda, que a estratégia de monitoramento e fiscalização foi barata - o benefício superou, em muito, o custo.
O remédio para salvar a floresta é conhecido, barato, funciona e não tem efeitos colaterais indesejáveis, mas nem por isso recebe incentivos do governo federal, lamentam os pesquisadores.
AGRICULTURA CRESCEU
O estudo mostrou ainda que não há verdade na crença de que a proteção da floresta prejudica a produção agropecuária. Ao contrário, ela cresceu no período em que o desmatamento caiu.
Entre 2004 (pico do desmatamento) e 2016 (último ano para o qual se tem dados do PIB municipal do setor agropecuário), o desmatamento teve redução de 72% e a produção agropecuária na Amazônia aumentou 320%. Já entre 2006 -o primeiro ano do estudo, por ser o primeiro com dados completos disponíveis do Deter -e 2016 o desmatamento caiu 45% e a produção agropecuária cresceu 418%.
Porém, o trabalho alerta que a redução de cerca de 50% no orçamento do monitoramento ambiental e da fiscalização proposta no orçamento federal de 2020 pode levar o desmatamento na Amazônia a aumentar 45%, chegando a mais de 14 mil quilômetros quadrados de floresta perdida -neste ano foram 9.762 km².
Eles lembram que o Plano de Prevenção e Controle do
Desmatamento na Amazônia Legal (PPCDAm), criado em 2004, está no limbo. Somado a isso, o Ibama tem neste ano 750 fiscais, cercada metade do que havia na década passada. O governo Bolsonaro extinguiu ainda o Departamento de Florestas e Combate ao Desmatamento do Ministério do Meio Ambiente. O Fundo Amazônia, que custeava, por exemplo, equipamentos para operação em campo de fiscais, também está paralisado.
EFEITO DESASTROSO
A economista Clarissa Gandour, coordenadora de avaliação de políticas de conservação do CPI, diz que o enfraquecimento da política de monitoramento e fiscalização, implementada em 2004, terá efeito desastroso sobre a integridade da floresta. O sistema baseado em alertas do Deter/Inpe ao Ibama permitia que os fiscais chegassem atempo de flagrar os desmatadores.
- Era possível adotar medidas que funcionam, como confisco e destruição de caminhões, tratores e outros equipamentos, dando prejuízo e inibindo a ação do desmatador. Além disso, também levava a bloqueio de crédito. Tudo isso tinha um efeito positivo. O discurso oficial de aliviaras punições funcionou como incentivo ao desmatamento -destaca Gandour.
O Deter continua a emitir alertas, mas isso não tem resultado em tantas operações em campo. Logo após ser demitido pelo presidente Jair Bolsonaro, cujo governo questionava
a veracidade dos dados do Deter sobre o desmatamento, o ex-presidente do Inpe Ricardo Galvão disse que os alertas foram sistematicamente ignorados pelo Ibama desde janeiro. De 25 de abril a 1o de julho, por exemplo, o Deter enviou ao Ibama de 15 a 16 alertas por dia de que as florestas de Jamanxim, no Pará, estavam sendo derrubadas. Nada foi feito na ocasião.
- Estamos falando de desmatamento ilegal. A permissividade se concretiza em impunidade - afirma Gandour, cuja tese de doutorado sobre políticas de combate ao desmatamento foi escolhida em 2019 como a melhor escrita por brasileiro pela Associação Nacional de Pesquisa em Economia (Anpec). Já a primeira versão do trabalho atualizado agora foi premiada pela Sociedade Brasileira de Econometria.
MODELO MATEMÁTICO
Par afazer a análise, os cientistas desenvolveram um modelo matemático para analisara efetividade de políticas públicas. Usando técnicas de econometria, que associa economia e estatística, puderam fazer com que bancos de dados distintos, como os de sensoriamento remoto, multas aplicadas, produção agropecuária e PIB de municípios pudessem "conversar ". Na sequência, explica a bióloga Carolina Marques, projetos da CPI, os dados foram validados:
-Trabalhamos com muitas variáveis, como cobertura de nuvens, precipitação, multas aplicadas, PIB, dentre muitas outras. Com um modelo matemático validado por testes pudemos estabelecer de forma robusta uma relação de causa e efeito entre políticas públicas e o desmatamento. Gandour acrescenta que dar prosseguimento a uma política pública que funciona é fundamental no momento de crise ambiental em que o país mergulhou: - Esse modelo funcionou em momentos em que o contexto também não era ideal. A estratégia não era perfeita, havia margem para melhora. Mas o país soube desenvolver uma receita de sucesso e que se faz muito necessária agora, principalmente num cenário em que o desmatamento é quase todo resultado de ilegalidade.

O Globo, 24/11/2019, Sociedade, p. 40

https://oglobo.globo.com/sociedade/sustentabilidade/fiscalizacao-o-modo…

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