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Filme sobre aldeia do Tocantins é atração em Cannes

Valor Econômico http://www.valor.com.br/
Autor: Elaine Guerini
16 de Mai de 2018

Na primeira vez em que visitou a aldeia dos índios Krahô, no Tocantins, em 2009, a paulista Renée Nader Messora ajudava um amigo documentarista a registrar uma festa de fim de luto. O ritual que ela presenciou por lá mudou a sua trajetória, fazendo-a deixar a vida em São Paulo e alugar uma casa no povoado mais próximo da aldeia, em Itacajá. Foi assim que nasceu o filme "Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos", uma das atrações de hoje na seleção oficial desta 71a edição do Festival de Cinema de Cannes.

A relação mais estreita que Renée estabeleceu com a aldeia, ao longo desses anos, confere autenticidade à obra, que concorre ao prêmio da mostra Un Certain Regard nesta sexta-feira. Dirigido em parceria com o português João Salaviza, o filme tem vocação naturalista, registrando o cotidiano da aldeia, como se a câmera não estivesse ali. Também não existe a romantização característica das produções sobre índios realizados por brancos.

"Rodamos os rituais conforme eles aconteciam, sem que os índios encenassem especialmente para nós", disse Renée, lembrando que a filmagem durou nove meses, período em que os diretores viveram com os índios na aldeia, chamada Pedra Branca. Apenas os dois, sem equipe, justamente para que eles se infiltrassem melhor na rotina local, capturando a intimidade da comunidade. "Nós éramos estrangeiros ali, mas nunca turistas. A nossa presença não interferiu no ritmo da aldeia", completou ela.

Ainda sem data para estrear nos cinemas brasileiros, "Chuva É Cantoria na Aldeia dos Mortos" é uma obra de ficção com elementos documentais. Foi escrita a partir de histórias e personagens verídicos, respeitando os núcleos familiares e as relações de parentesco. O foco do roteiro cai sobre um adolescente de 16 anos (vivido pelo índio Ihjãc Krahô), que já tem mulher (Kôto Krahô) e um filho na aldeia.

O jovem começa a se sentir mal após um encontro com o espírito do pai, falecido, que faz dois pedidos. O morto quer que o filho organize a festa pelo fim do seu luto e também que venha com ele, passando para o outro lado. Como o filho não quer segui-lo, ele procura ajuda para resolver o impasse, tanto na aldeia, conversando com um xamã, quanto no povoado próximo, procurando médicos.

Seu conflito não é resolvido em lugar algum. O xamã quer transformar o jovem em sacerdote, contra a sua vontade, enquanto os médicos do povoado não sabem como tratá-lo, afirmando que ele não tem nada. A situação serve como metáfora para a realidade indígena no Brasil contemporâneo.

"As histórias de espíritos fazem parte da aldeia. Para eles, o contato com os mortos é algo real e corriqueiro, precisando ser representando como tal no filme, ainda que para nós isso pareça mágico", contou Renée, que estreia aqui na direção de um longa-metragem.

Para Salaviza, a intenção da dupla foi se aproximar ao máximo da narrativa dos índios, como se eles estivessem contando a própria história. "Infelizmente os poucos filmes feitos por indígenas não são exibidos nos festivais. Eles são vozes historicamente silenciadas", disse o diretor, vencedor em 2009 da Palma de Ouro de curta-metragem, com "Arena", e diretor do longa "Montanha" (2015).

Quando os índios são retratados em grandes produções, segundo Salaviza, eles geralmente só acentuam o aspecto de aventura do homem branco que se perde na selva. "Como foi o caso de 'Z: A Cidade Perdida' (realizado no ano passado por James Gray). Aqui, quando os índios descolam da paisagem para dizer alguma coisa, são frases proféticas. Ficamos com a impressão de que eles não têm um cotidiano, permeado por questões e conflitos próprios", afirmou Salaviza.

Além da dupla de diretores, o casal de índios Ihjãc Krahô e Kôto Krahô viajou à Riviera Francesa para prestigiar a sessão oficial, agendada para as 22h15 de hoje (17h15, no horário de Brasília) na Salle Debussy. O Festival de Cannes será encerrado neste sábado.

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