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Festival de bufês

CB, Cidades, p. 34
10 de Abr de 2008

Festival de bufês
À mesa, com requinte. Assim a Editora UnB gastou R$ 370 mil do dinheiro destinado à saúde indígena

Renato Alves
Da equipe do Correio

A Editora Universidade de Brasília (UnB) gastou cerca de R$ 370 mil em recepções, decorações e viagens para eventos no ano passado. Tudo sem licitação, com dinheiro que deveria ser destinado à melhoria da saúde dos povos indígenas. Boa parte financiou almoços e jantares oferecidos pelo reitor Timothy Mulholland, em espaços privados e requintados da capital do país. As despesas foram pagas por meio de conta bancária mantida com recursos públicos pela Editora UnB, subcontratada pela Fundação de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico na Área de Saúde (Funsaúde) para executar projetos da Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

Os gastos são analisados pela força-tarefa do Ministério Público Federal (MPF) e Ministério Público do DF, criada há dois dias para investigar cinco fundações de apoio da UnB. Após a Fundação de Empreendimentos Científicos e Tecnológicos (Finatec), o alvo dos procuradores federais e promotores é a Funsaúde. Entre pilhas de documentos, mais de 50 notas fiscais de bufês, recepções e lojas de decorações emitidos para justificar despesas do convênio Funsaúde-Funasa.

Além das notas fiscais, os investigadores têm os originais dos pedidos, autorizações e ordens de pagamento dos serviços. A maioria detalha enfeites e até os cardápios servidos. Foram encontrados comprovantes do uso de verba da Funasa para custear recepções organizadas pela reitoria da universidade, sem nenhuma relação com projetos de atenção à saúde dos índios.

Uma tribo só de vips
Saúde do índio era ignorada em almoços regados a iguarias finas para convidados do reitor

Renato Alves
Da equipe do Correio

Sopa-creme de abóbora e queijo brie ou quiche de queijo de cabra, abobrinha e amêndoas na entrada. Salmão grelhado ao molho normanda, tirinhas de filé mignon ao molho de manga e tomates como opções de pratos quentes. Frutas frescas, tortinha morna de maçã e passas na sobremesa. Esse é o cardápio de um dos almoços oferecidos pelo reitor da Universidade de Brasília (UnB), Timothy Mulholland, com dinheiro que deveria ser usado em benefício dos índios. O evento, para 39 convidados do reitor, custou R$ 5.172,80. E foi pago com recursos da Fundação Nacional de Saúde (Funasa).

O almoço ocorreu em 16 de julho do ano passado, no restaurante Alice Brasserie, na QI 17 do Lago Sul. A pedido da Reitoria da UnB, o restaurante, um dos mais badalados (e caros) de Brasília, foi fechado naquele dia para Timothy e os convidados dele. Somente o aluguel custou R$ 500. O almoço, incluindo bebidas, saiu a R$ 116,70 por pessoa. Além do Alice, a UnB cotou os preços apenas de mais um espaço, o restaurante do hotel Blue Tree Park, que pediu R$ 1,5 mil a mais pela exclusividade do espaço. Com isso, perdeu a concorrência.

Na lista de convidados do reitor, à qual o Correio teve acesso, há 18 funcionários da UnB. Os outros 21 são integrantes da Embaixada da Espanha no Brasil, do governo espanhol e do Instituto Cervantes. O almoço marcou a assinatura do acordo de intenções entre a UnB e o Instituto Cervantes, organismo público sem fins lucrativos da Espanha. Participou do encontro, como maior autoridade, o ministro de Cultura espanhol, César Antonio Molina. Acompanhado do secretário-geral do Instituto Cervantes, Joaquín de la Infiesta, Molina recebeu uma homenagem do reitor da UnB, que entregou a ele um documento de reconhecimento que a universidade reserva a personalidades internacionais.

Na época da visita dos espanhóis, o site da UnB destacou o encontro em diversas reportagens feitas pela equipe da Secretaria de Comunicação (Secom) da universidade. Mas em nenhuma das matérias informou que o convênio foi assinado em almoço oferecido pelo reitor e pago com recursos da Funsaúde. Muito menos o preço da recepção. Três jornalistas da Secom, nenhum concursado, estavam na lista de convidados oficiais de Timothy.

Na oportunidade, Timothy assinou o convênio de intercâmbio entre as instituições, criação de cursos de formação de professores e a realização de cursos, conferências e outras atividades dirigidas à promoção da língua espanhola. Nada em favor dos índios brasileiros ou da Funasa, de onde saiu o dinheiro do almoço.

Jantar mais caro
A UnB contratou os serviços do restaurante Alice Brasserie para outros almoços e jantares, também financiados pela Funasa. Um deles ocorreu um mês após a reunião dos espanhóis com o reitor e seus assessores. Em 15 de agosto, o fino restaurante do Lago Sul recebeu 15 convidados da reitoria para um jantar. Dessa vez não foi aberta concorrência. O evento custou R$ 3.025, R$ 200 por cabeça. A autorização de pagamento, assinada pelo então diretor-executivo da Editora UnB, Alexandre Lima, não informa o motivo do jantar nem os convidados.

A Funasa assinou convênio com a UnB em 2006. A universidade transferiu o contrato para a Fundação Universitária de Brasília (Fubra). Desde 2007, o projeto era executado pela Funsaúde, sob a coordenação de Alexandre Lima. De acordo com o Ministério Público do Distrito Federal (MPDF), houve aumento de 5% para 7,5% na taxa de administração do contrato assinado entre UnB e Funsaúde. Essa diferença de 2,5%, segundo o promotor Antônio Ricardo de Souza, era depositada em conta administrada por Alexandre Lima.

Contradição
Para os promotores que investigam os contratos das fundações de apoio ligadas à UnB, almoços e jantares oferecidos pelo reitor com dinheiro da Funasa são ilegais. "É por causa de gastos como esses que o atendimento aos índios fica prejudicado. Está mais do que caracterizado o desvio de dinheiro público", afirma o promotor Ricardo de Souza, da Promotoria de Fundações e de Entidades de Interesse Social, do MPDF.

Souza considera uma contradição a reserva de espaços para eventos da reitoria. "O Timothy sempre alegou que o apartamento funcional (que ele ocupava) foi decorado de forma luxuosa para receber autoridades", destaca. Cerca de R$ 470 mil foram usados na decoração do apartamento da UnB, na 310 Norte, ocupado pelo reitor até o começo deste ano, quando os gastos vieram à tona e o MPDF tornou pública a investigação sobre os recursos da Finatec (leia Entenda o caso).

Luxo às custas de verbas públicas

Os integrantes da força-tarefa do MPDF e MPF que investigam as fundações de apoio à UnB são os mesmos que formularam a denúncia por improbidade administrativa contra o reitor Timothy Mulholland e o decano de administração da Universidade, Érico Paulo Weidle, na noite de terça-feira. Ambos são acusados de usar recursos destinados ao financiamento de projetos de pesquisa para mobiliar o imóvel funcional e comprar um carro de luxo para uso exclusivo do reitor.

Cerca de R$ 470 mil foram gastos para mobiliar e decorar o apartamento, na 310 Norte. O veículo consumiu mais R$ 72 mil das pesquisas. A Finatec, ligada à FUB, custeou as despesas, com verbas do Fundo FAI-FU, destinado ao desenvolvimento institucional da UnB. A destinação do dinheiro é considerada ilegal e imoral pelo MPF e o MPDF. Para os procuradores da República e promotores de Justiça do DF, houve desvio de finalidade nas verbas do fundo.

O promotor Ricardo de Souza e seus colegas do MPF não falam sobre as próximas fases da investigação. Mas o Correio apurou que eles elaboram denúncia contra Timothy por desvio de verba pública, com base no artigo 315 do Código Penal Brasileiro, em função dos gastos na reforma do apartamento ocupado por ele.

Sindicância
A Secretaria de Comunicação da universidade pediu um questionário ao Correio, terça-feira, com as perguntas sobre o uso de verbas do convênio Funasa-Funsaúde em enfeites e recepções. As perguntas foram enviadas por e-mail, como queria a Secom. Mas, até o fechamento da edição, não foram respondidas. Um assessor da UnB informou apenas que a universidade "abriu sindicância para apurar todos os casos". E não falou em prazo.

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das ONGs convocou o ex-diretor-executivo da Editora UnB Alexandre Lima para explicar a liberação de R$ 14 milhões, destinados a pagamento de serviços de terceiros, para a Funsaúde. Lima, no entanto, faltou à sessão, há três semanas. Alegou problemas de saúde, mas não informou a doença nem seu estado clínico. O Correio ligou diversas vezes para o celular do ex-diretor. Ele não atendeu nem retornou. Entregou, há duas semanas, carta pedindo afastamento do cargo e da coordenação do projeto até que as denúncias sejam apuradas. Timothy aceitou o pedido. (RA)

Entenda o caso

O Ministério Público do Distrito Federal (MPDF) investiga os gastos da Finatec desde agosto de 2007. Cerca de R$ 450 mil da fundação foram usados na decoração do imóvel funcional ocupado pelo reitor da UnB, Timothy Mulholland.
Em janeiro, a Promotoria de Fundações e de Entidades de Interesse Social denunciou à Justiça os desvios dos objetivos da Finatec e pediu o afastamento dos cinco diretores.
Em 15 de fevereiro, a desembargadora Nídia Corrêa Lima afastou os diretores da Finatec até sentença judicial definitiva. Washington Maia Fernandes foi nomeado como interventor no dia 20.
Há duas semanas, o MPDF iniciou auditoria para apurar gastos da Funsaúde que podem ultrapassar R$ 65 mil em festas e passagens aéreas para a mulher de Timothy, Lécia Mulholland, e para familiares do diretor-executivo da Editora UnB, Alexandre Lima, responsável pelo convênio.
A Editora UnB usou dinheiro reservado ao atendimento à saúde dos povos indígenas para financiar viagens internacionais de ao menos seis pessoas sem vínculos com a UnB. O grupo fazia parte da comitiva do vice-reitor da UnB, Edgar Mamiya. Cada um dos 11 acompanhantes ganhou R$ 10,5 mil por 15 diárias.
Na última terça-feira, MPDF e o MPF denunciaram o reitor Timothy e o decano de administração Érico Paulo Weidle, por improbidade administrativa. O processo está na 21ª Vara do Tribunal Regional Federal e, até as 19h30 de ontem, não havia sido analisado pelo juiz Hamilton de Sá Dantas.

CB, 10/04/2008, Cidades, p. 34

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