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Festa, não. Saúde, sim

CB, Brasil, p.9
18 de Abr de 2005

Festa, não. Saúde, sim
Pelo menos 60 caciques e pajés vão ao presidente Lula pedir que a Funai volte a cuidar da assistência médica dos povos indígenas

Renata Mariz
Da equipe do Correio

O encontro marcado para amanhã, Dia Nacional do Índio, com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva será bem mais do que comemorativo. Cerca de 60 líderes indígenas, entre eles o txucarramãe Raoni, se reuniram ontem em Brasília para discutir a pauta de reivindicação a ser levada à audiência. As condições de saúde dos índios será o principal assunto da conversa. Caciques e pajés vão querer saber de que forma os recursos liberados pelo governo estão sendo aplicados e também manifestarão seu descontentamento com o trabalho realizado pela Fundação Nacional de Saúde (Funasa), que desde 1999 é responsável pela atenção à saúde do índio.
"Quando o problema estava na mão da Funai {Fundação Nacional do Índio}, tínhamos um atendimento melhor", afirma Aritana, da etnia Yawalapiti, que fica na região do Xingu. Os funcionários da entidade que cuidou da saúde indígena no país da década de 60 até o final dos anos 90 eram mais bem preparados para lidar com as necessidades do índio, na avaliação de Aritana. "Eles conheciam a nossa cultura, sabiam do que a gente precisava." As mortes de crianças por desnutrição em tribos no Mato Grosso do Sul são apontadas pelos caciques como uma prova de que é preciso rever a aplicação do dinheiro gerido pela Funasa. "Os recursos são suficientes, mas onde existe branco há desvio de verba", criticou o kaiapó Puiu.
Presidente da Associação Ipren-Re, única no país que administra os recursos liberados pela Funasa para o atendimento de 15 aldeias indígenas no Mato Grosso e Pará, Puiu defende o modelo de gestão independente. "Nos quatro anos em que passamos a cuidar da área, nunca houve problema de suspeita de corrupção, nada disso. Índio não é ladrão", afirmou o kaiapó. Segundo ele, o índice de mortalidade infantil, tuberculose e alcoolismo hoje é zero na região - de oito milhões de hectares e cerca de 2.900 índios - que está sob os cuidados da Ipren-Re. Entre os resultados positivos da experiência, Puiu aponta o fornecimento assíduo de remédios, a presença de dentistas nas tribos e a construção de um hospital de médio porte, que oferece muitos serviços, mas ainda não faz intervenções cirúrgicas.
A realidade descrita pelo kaiapó não é a mesma vivida por Quitéria Araújo. Líder da tribo Pankararu, que reúne cerca de 6 mil índios no interior de Pernambuco, a índia reclama da lentidão com que os serviços da Funasa chegam ao seu povo. "Já aconteceu de a gente pedir remédio para eles e só receber cinco dias depois que o doente morreu", conta. Além da morosidade, a desorganização no atendimento causa transtornos aos índios Pankakuru que lutam para se livrar de uma enfermidade qualquer. "Muitas vezes chegamos no Recife e descobrimos que a consulta não foi nem marcada", conta Quitéria, cuja comunidade fica a 350 quilômetros da capital pernambucana.
Aos cerca de 60 caciques e pajés que estão em Brasília desde ontem irão se somar mais 500 índios, de 114 etnias. Essa é a previsão dos líderes indígenas que articulam uma mobilização marcada para amanhã, no Congresso Nacional. Em audiências marcadas com os presidentes da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, e do Senado, Renan Calheiros , os índios pretendem reivindicar mais atenção do governo, especialmente no que se refere à saúde. A idéia é elaborar um documento para ser entregue ao presidente Lula.
Chegou a 19 o número de crianças indígenas que morreram vítimas de desnutrição no Mato Grosso do Sul somente em 2005. O último caso registrado foi de um menino, de um ano e sete meses, da etnia guarani-caiuá, que sucumbiu a uma paralisia cerebral neurológica no sábado, dia 16. Segundo informações do posto da Funasa em Dourados, região onde o problema é crítico, a criança havia ficado internada durante seis dias com crises de diarréia. Na última quinta-feira, depois de apresentar sinais de melhora, teve alta.
Mas o problema da desnutrição está longe de ser a única preocupação do povo indígena. Entre as reinvindicações dos líderes está o acesso à educação e à água potável. Quitéria Araújo, da tribo Pankararu, conta que, se quiserem água do carro-pipa, têm de pagar R$ 40. Apesar das dificuldades, a índia comemora a sorte das crianças da aldeia, bem diferente do destino reservado aos meninos e meninas de Dourados. "Também passamos necessidade, mas criança nenhuma fica com fome, porque temos muita fruta nas árvores", diz Quitéria.

CB, 18/04/2005, p. 9

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