VOLTAR

A festa de ressurgimento dos índios Catókinn, no interior de Alagoas

Siloé Amin
Autor: Siloé Amin
03 de Out de 2002

Nos dias 25 e 26 do mês de setembro último, os Catókinn, povo indígena que habita a periferia do município de Pariconha, interior de Alagoas, fizeram sua apresentação pública como índios. Até 1998, o estado de Alagoas contava apenas com seis grupos indígenas
diferenciados culturalmente e etnicamente: os Kariri-Xocó (de Porto Real do Colégio), os
Xucuru-Kariri (de Palmeira dos Índios), os Tingui-Botó (de Feira Grande), os Carapotó (de São Sebastião), os Wassu-Cocal (de Joaquim Gomes), e os Geripankó (de Pariconha).
Com o ressurgimento indígena (termo que designa a condição de luta dos índios que buscam seus direitos e a prática de uma identidade sócio-cultural, religiosa e política diferenciada no Nordeste brasileiro), em Alagoas, de mais quatro povos, o território alagoano vem sendo, junto com Pernambuco, o Estado que mais agrupa essa população, povo que, desde a ocupação colonial, vem vivendo processos de usurpação ininterrupta de seus bens territoriais, culturais e ecológicos. Em mãos de terceiros, todo esse universo foi desrespeitado, causando a desestruturação sócio-cultural e religiosa do povo indígena.
Mesmo assim, apesar de viverem misturados com a população regional no Alto Parinconha, os Catókinn nunca deixaram de praticar alguns rituais, a exemplo do toré (dança-ritual
representada por todos os povos indígenas no Nordeste) e de outros rituais religiosos de cura e comunicação com seus ancestrais, representados ou não na figura do "Praiá", vestimenta que guarda a identidade espiritual de seus ancestrais. O "moço" (e até mesmo crianças do sexo masculino) que veste o "Praiá" não pode ser identificado e, antes de vestir o traje, o candidato precisa passar por uma série de purificações para o corpo e a alma, abstendo-se de práticas sexuais por alguns dias e cumprindo com suas obrigações religiosas, como por exemplo defumar freqüentemente o Praiá.
A população de índios Catókinn ultrapassa a quantidade de 400 indivíduos e, da mesma forma que os índios ressurgidos entre 1998 e 2001 (a exemplo dos Kalankó, Karuazu e Koiupanká), também se auto-reconhecem e são reconhecidos pela sociedade local e regional alagoana como indígenas. São, também, conforme dita a Constituição Brasileira, reconhecidos por seus descendentes, os Pankararu, cuja aldeia está situada no Brejo dos Padres, em Tacaratu, Pernambuco, onde há séculos habitam.
Contudo, os povos ressurgidos não são ainda reconhecidos oficialmente (como indígenas) pela Fundação Nacional do Índio - Funai, que requer, para concluir tal formalidade, um laudo antropológico. Dependendo da boa vontade político-administrativa do órgão, e do antropólogo, o reconhecimento pode sair em cerca de dois meses. Se não houver esforço para avançar, o reconhecimento pode demorar décadas para ser efetuado. Neste caso, a efetivação da "perícia antropológica" (que irá determinar o reconhecimento da terra indígena e da etnia) irá depender basicamente da luta indígena e do apoio da sociedade civil organizada.
Apesar da luta desses índios, a população dominante dirige um olhar unilateral a esses povos e não considera o processo de cinco séculos de mestiçagem e sincretismo como parte de um processo imposto para a desestruturação da identidade indígena. Os índios necessitam "provar" sua "indianidade" ao órgão oficial, que, convidado à "festa", do ressurgimento, não compareceu nem se representou.
Neste aspecto, a lente do fotógrafo alagoano Martins Jr. - que assina a autoria das fotos desta página - e do cinegrafista José Pires, durante os dois dias da festa do ressurgimento,
registraram os elementos visuais mais significativos da cultura ritual e cotidiana que marca
sistematicamente o início do processo de ressurgência dos índios Catókinn, apoiados por seus vizinhos, os Geripankó, Kalankó, Karuazu, Koiupanká e seus descendentes, os Pankararu.
Lideranças indígenas, estudantes, antropólogos e representantes do Conselho Indigenista
Missionário Nacional (Cimi) também estiveram presentes, apoiando a luta indígena e
"reapresentando", neste caso, os Catókinn, que, como os outros povos ressurgidos, vivem
precariamente, devido ao fato de terem sido obrigados, desde 1500, a refugiar-se em diferentes lugares, tendo que praticar seus rituais às escondidas e viver misturados com a população em geral, não perdendo, no entanto, sua identidade.
O ressurgimento dos Catókinn - e também de outros povos - é, portanto, uma forma de
apresentar à sociedade (no caso, a alagoana) os aspectos culturais visíveis dos povos
indígenas do alto sertão alagoano, suas ações em busca de soluções para a falta de terra e
para a sobrevivência e continuidade étnica e das práticas rituais, já que estas estão
intimamente ligadas à terra e ao meio ambiente.
Para tanto, os povos indígenas alagoanos (principalmente os ressurgidos) precisam do apoio
da sociedade civil organizada para conseguir efetivar o reconhecimento formal, que se traduz no direito à terra para uma sobrevivência digna, respeito à sua cultural em geral como povos diferenciados que são, sendo necessária, também, a implantação de métodos educativos diferenciados.
Da mesma forma que a medicina formal e outros elementos ocidentais, é preciso, também,
que sejam implantados entre os índios, de forma diferenciada, elementos que só poderão ser
praticados mediante o aval da Funai. Considerando que o Brasil é um País multi-étnico,
multicultural e multi-religioso, faz-se necessário conscientizar a todos de que esse fenômeno realmente nos engrandece como povo e como nação. Devemos cobrar dos órgãos (e instituições) o cumprimento de suas responsabilidades para que possamos viver como uma nação plural e desenvolvida sem, no entanto, abrir mão da ética e do bem estar social.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.