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Ferrovia que corta APA Capivari - Monos é ampliada sem licenciamento

ISA
Autor: Bruno Weis
16 de Jul de 2007

Trecho da linha férrea que liga o Porto de Santos ao interior do Estado é ampliado sem que medidas de compensação ou mitigação tivessem sido tomadas. A obra já causa transtornos para os moradores da região e pode levar a novas ocupações irregulares na Área de Proteção Ambiental.

Enquanto o Trecho Sul do Rodoanel entra em seu segundo mês de obras, a duplicação de um trecho de uma ferrovia que também corta a região dos mananciais da zona sul de São Paulo já foi iniciada e concluída. Pior: a obra passa por dentro de uma das duas únicas Áreas de Proteção Ambiental da capital - a APA Capivari Monos - e foi feita sem a realização de licenciamento ambiental. A duplicação de 1.5 km da ferrovia terminou no final de 2006 e apenas no final de junho o Conselho Gestor da APA Capivari - Monos tomou ciência do empreendimento, que já causa impactos diretos e indiretos na região.

A ferrovia é utilizada diariamente por 16 trens e transporta principalmente produtos agrícolas.

De acordo com os moradores da vila de Engenheiro Marsilac, localizada dentro da APA e que abriga cerca de 2 mil pessoas, a duplicação da ferrovia tem aumentado o tráfego de trens e os níveis de ruído e trepidação. A linha férrea passa ao lado do centro da vila, chegando a ficar a menos de 30 metros de algumas casas. Os trens estacionam no trecho duplicado esperando a passagem de outro trem e ficam fazendo barulho a noite inteira, é impossível dormir, diz a moradora Cleuza Pedra da Silva, 50 anos. Ela diz que os moradores das casas localizadas ao lado do trilho não têm como acessar o centro de Marsilac quando o comboio de vagões está estacionado. Para ir à escola, as crianças chegam a passar por baixo do trem, é muito perigoso, diz.

A presidente da Associação Comunitária de Engenheiro Marsilac e Adjacências (Acoema), Lúcia Cirillo, também reclama do barulho noturno causado pelas máquinas e prevê problemas para a APA. Nossa preocupação é com o que vai ocorrer a longo prazo, pois a ocupação irregular e a grilagem de terras seguem avançando por aqui, afirma Lúcia. A líder comunitária explica que a ampliação da ferrovia foi acompanhada pela abertura de uma estrada de terra paralela aos trilhos, o que tem facilitado a derrubada da mata e a construção de casas até em Áreas de Preservação Permanente (APPs), como beiras de rios.

Dona Lucia Cirillo diz que o barulho dos trens tem prejudicado a vida da comunidade de Marsilac.

A APA do Capivari - Monos, criada pela prefeitura de São Paulo em 2001, possui 25 mil hectares de área total – o equivale a 1/6 da área do município. Está inserida em parte das bacias hidrográficas da Guarapiranga, Billings e do rio Capivari - Monos e também na Reserva da Biosfera do Cinturão Verde. A APA, que também abriga as cabeceiras do rio Embu-Guaçu, o maior tributário do reservatório Guarapiranga, é um dos poucos locais com vegetação preservada na capital onde se encontram espécies de flora e fauna ameaçadas de extinção, inclusive de felinos de grande porte, como jaguatiricas e onças-pardas. É ainda responsável por importantes serviços ambientais prestados para toda a região metropolitana, como a produção de água e a regulação climática.

A ferrovia que corta a APA é parte da linha férrea que liga o Porto de Santos ao interior de São Paulo e o Mato Grosso do Sul. A linha vem sendo reformada pela concessionária Ferroban em parceria com as usuárias da ferrovia. A duplicação de trechos da via férrea, os chamados pátios de manobras, serve para aumentar o fluxo de trens, pois enquanto um trem vindo do litoral em direção ao interior utiliza o trilho principal, outro comboio pode esperar no trilho paralelo a sua vez de passar.

Licenciamento em andamento

A América Latina Logística (ALL), responsável pela construção do pátio de manobras dentro da APA, afirmou em ofício ao Conselho Gestor da APA que a infra-estrutura é utilizada por empresas de diversos ramos do agronegócio, como os produtores de grãos, farelo de soja, óleo vegetal, minérios, fertilizantes, cítricos, entre outros. Estimou a freqüência diária de trens na região da APA em aproximadamente 8 trens carregados, sentido Porto de Santos, e 8 vazios, no sentido do interior do estado.

A empresa informou também que os estudos de impacto até agora apresentados aos órgãos competentes são revisões de estudos sobre os impactos de outros trechos da ferrovia. Para o trecho específico da APA, a ferrovia já contratou empresa especializada para dar continuidade aos estudos de análise de risco entre Campinas e Santos, estudos estes que estão na fase de levantamento de dados. Posteriormente será efetuado levantamento de campo, informou a ALL em documento de 15 de junho.

A empresa afirma que as etapas do licenciamento estão de acordo com o cronograma aprovado pelo Ibama. Hoje existe, sim, esse processo de licenciamento, mas para o conselho da APA os estudos são apresentados de forma fracionada, como fizeram com o Rodoanel, com o objetivo de minimizar os impactos e mitigações da obra, afirma o advogado Marcelo Cardoso, do Programa Mananciais do ISA e integrante do Conselho Gestor da APA.

O conselho da APA afirma que a localização do pátio de manobras é inadequada em razão dos impactos gerados pela obra e acredita que são necessários novos estudos para detalhar os efeitos sobre a mata nativa e para a comunidade de Engenheiro Marsilac. A criação da APA também visa garantir qualidade de vida para os moradores de lá, e isso está comprometido com a realização da obra sem nenhuma compensação ou mitigação, esclarece Maria Lucia Bellenzani, presidente do Conselho Gestor da APA. É duro constatar que nem na única zona rural do município de São Paulo a população pode ter um nível de qualidade de vida decente.

Termo de Ajustamento de Conduta

O conselho da APA realizou vistoria na área no final de junho quando constatou ocupações irregulares, além das citadas, no trecho compreendido entre Engenheiro Marsilac e Evangelista de Souza. Tais ocupações utilizam como via de penetração a estrada de serviço existente. Não existe nenhum estudo sobre este impacto na região, que pode provocar adensamento populacional, diz Marcelo Cardoso.

Em parecer sobre o caso, o conselho sugere a assinatura de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para que a ALL compense a APA pelos impactos causados. Entendemos que o empreendedor deve, desde já, cadastrar todas as ocupações, regulares e irregulares, existentes ao longo da ferrovia no território da APA e, com base neste cadastramento, elaborar uma alternativa de controle de passagem na estrada de serviço com a finalidade de coibir novas ocupações, afirmam os conselheiros no parecer. Para eles, o licenciamento em curso do projeto integral de ampliação e modernização da malha viária deve incluir compensações para a APA nos termos do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (Snuc). Leia aqui o parecer do Conselho Gestor da APA.

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