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Feira Krahô de sementes tradicionais

O Girassol - http://www.ogirassol.com.br/
29 de Set de 2010

Itacajá - Conta a lenda Krahô, que um jovem que nunca dormia dentro da oca, passava as noites olhando uma estrela chamada por eles de catxêkwy, na língua Jê. Certo dia, esta estrela desceu, em forma de uma mulher branca, ela casou-se com o jovem índio e ensinou os krahô a produzirem e se alimentarem de milho, mandioca, batata-doce, inhame e outros vegetais. "Ela disse: isso aqui é comida de vocês agora. E ninguém nunca havia experimentado aquelas coisas que ela mostrava, só comia carne e pau podre", conta o cacique Secundo Krahô, 60 anos, da aldeia Manuel Alves. Segundo a lenda, esta foi a primeira vez que estes índios tiveram contato com a agricultura, e as sementes que lhe dariam o alimento durante gerações. Entre elas, destacava-se o ponhupey, nome de uma espécie de milho que gera fascínio entre os índios pelo seu simbolismo místico e por suas propriedades capazes de deixa-los "mais forte".

Antigamente, os Krahô habitavam o Sul do Maranhão. Pressionados pela fronteira agropecuária, estes povos, que descenderam dos Timbira, sofreram um dos maiores massacres indígenas dos últimos anos: em 1940, mais de 70 índios foram assassinados numa ação de extermínio promovida pelos fazendeiros da região. Acuados, os sobreviventes desceram pelo Bico do Papagaio e receberam as terras que habitam hoje, 302 mil hectares, no Estado do Tocantins. Segundo os mais antigos, fugindo dos ataques, as sementes ponhupey ficaram para trás. "Homem branco mato krahô e carregaram as sementes que nós guardou. Por isso nós ficou sem o milho", lembra Secundo, com tristeza, das histórias de seu bisavô.

A feira
Anos depois, com a fundação da União das Aldeias Krahô Kapey, em 1993, os anciões das krahô recordavam, com nostalgia, das espécies de semente não existiam mais, entre elas, a ponhupey. "Eles desejaram recuperá-las. E num desses encontros, descobrimos que havia na Embrapa, um banco dessas espécies e que portanto, elas poderiam retornar as aldeias", diz o antropólogo e indianista Fernando Schiavini, que há mais de 35 anos trabalha na Funai - Fundação Nacional do Índio, com os povos Krahô.

Ele conta que formou-se, então, uma comissão de caciques que foi até a Embrapa, em Brasília, em busca das sementes. "Lá, cada um pegou um montinho, e retornou para as aldeias para reintroduzir aquelas espécies", conta o indianista. Foi da necessidade de repartir aquelas sementes multiplicadas pela produção, que se pensou na realização da feira. Em 1997 foi realizada a primeira edição.

Na Embrapa, o trabalho de mais de 40 anos encontrou destino. "Temos um embrião de uma grande rede que está se espalhando. Hoje contamos com mais de 200 mil tipos de plantas, entre fava, arroz e milho. É um sistema de informação de alta tecnologia ", detalha Teresinha Dias, pesquisadora da Embrapa.

Reintroduzindo espécies
Realizada pela Embrapa e Kapey, com a contrapartida da Funai e do Ruraltins e com o apoio do Programa de Meio Ambiente da USAID - Brasil, a Feira Krahô de Sementes Tradicionais, busca o resgate histórico cultural dos krahô e fomenta ações que visam a segurança alimentar dos índios. "Unimos conhecimento científico com o local. Estamos montando um calendário ecológico de produção e já introduzimos algumas espécies que garante essa segurança, como a banana resistente a pragas. Tudo isso serve de estímulo para a conservação local e a valorização dos guardiões das sementes tradicionais", frisa Teresinha.

Este ano, a 8ª edição do evento iníciou no dia 25, nas terras indígenas próximas a Itacajá, num local de encontro da União das Aldeias Krahô Kapey. No dia 30, quinta-feira, encerra-se a troca de semente que começou nesta terça-feira, 28. No último dia, será entregue a Premiação da Agrobiodversidade Krahô - prêmio dado a aldeia que apresentar o maior número de espécies de milho, batata-doce, fava e arroz

Reunidos, mais de 1.500 índios, entre krahôs e etnias de outros regiões do Brasil - como os Kaiapo (PA), Guarani Kawiá (MS), Dessana (AM), Suruí (RO), Yawanama (AC), Terena (MS), Yawalapiti (MT), Pareci (MT) e Cariri Xocó (AL), Pitaguari e Tapeba - lembram dos tempos em que para se plantar, não era preciso comprar sementes, não havia a necessidade de tecnologias agropecuária e o nome "transgênico", que hoje ameaça as poucas espécies de milho que restaram, era desconhecido.

O Ruraltins, através do indigenista Marcos Vinícios Batista, articula a participação das Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de outros estados. "Garantir a segurança alimentar dos índios é um dos papéis do Ruraltins. Costuramos a participação dessas lideranças de outros estados para discutir essa nova motodologia de conservação agroecológica", diz Marcos. Entre as ações realizadas pelo Ruraltins com esta proposta de conservação e sustentabilidade, ele destaca a introdução da apicultura, de hortas e casas de farinha. "Estamos agora implantando um programa de avicultura e criação de bovinos, justamente para amenizar a caça de animais silvestres ameaçados de extinção. Estes programas visa no futuro, uma comercialização sadia", frisa Marcos.

Saindo da monocultura
"Após o "massacre físico" da década de 70, o próprio governo criou esta dependência que assistimos nos últimos anos. Começou então o "massacre cultural", com ações assistencialistas que davam tudo ao índio e introduzia elementos, como a cultura do arroz, que é sazonal, sem um estudo prévio e sem avaliar o impacto", explica Fernando.

Ele conta que o "paternalismo" desestruturou a organização das aldeias, que passaram a ficar na "espera" do alimento, apostando apenas na monocultura do arroz. "A produção sempre foi familiar, funcionava a partir da divisão das famílias: de um lado ficavam os wakmeyê (verão) e do outro os katamyê (inverno). Cada grupo se ocupava com um tipo de produção que era dividida. A plantação era itinerante e aconteciam ao redor da aldeia, sempre respeitando a noção circular de espaço", indigna-se o indianista.

Com a chegada do arroz, criou-se insumos na produção. Além disso, o local em que se produzia pequenos roçados se recuperava mais rápido, garantindo uma rotatividade maior da terra para agricultura, conta Fernando. "Os grandes roçados de arroz destruiu a organização social da aldeia. Em poucos anos, essa irresponsabilidade submeteu as gerações a monocultura. Só agora, os krahô começaram a plantar a mandioca, e está sendo recuperada a variedade. Isto já é uma vitória"

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