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Feijão com arroz ameaçado

O Globo, Economia, p. 23
18 de Fev de 2007

Feijão com arroz ameaçado
Mudanças climáticas podem reduzir a safra de produtos tipicamente brasileiros

Eliane Oliveira e Mônica Tavares

A dupla mais famosa do país - feijão com arroz - pode se tornar um prato raro, encontrado somente em restaurantes finos e a preços proibitivos. A alimentação básica do brasileiro está ameaçada por mudanças climáticas, marcadas pelo aquecimento global.
Se a temperatura subir 5,8 graus Celsius no fim deste século, por exemplo - projeção mais pessimista feita pelo Painel Intergovernamental e Mudanças Climáticas (IPCC, na sigla em inglês) - a produção de arroz no Brasil será reduzida em 41%, passando de 12 milhões de toneladas para 7,08 milhões. No caso do feijão, a safra cairá de 3,5 milhões para 2,7 milhões de toneladas, queda de 23%.
Essa previsão está em um estudo realizado em conjunto pela Embrapa e a Unicamp. De acordo com os pesquisadores, se a temperatura subir 3 graus Celsius, a queda na produção será de 18% para o arroz e de 11% no caso do feijão. Para o diretor do Centro de Pesquisas Meteorológicas e Climáticas da Unicamp, Hilton Silveira Pinto, esses problemas ocorrerão devido ao aquecimento global, que atingirá diretamente a fertilidade do solo brasileiro.
- O Brasil terá de investir em biotecnologia, com melhoria genética e produção de plantas mais resistentes. Caso contrário, o povo brasileiro será obrigado, no futuro, a criar novos hábitos alimentares, adaptando-se a novas culturas - disse Silveira Pinto.

Até o cafezinho pode ser atingido
Diante da gravidade da situação, demonstrada com frieza no último relatório das Nações Unidas sobre o aquecimento global, as pesquisas sobre o tema vêm se proliferando no país. Um estudo do Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE) - órgão consultor da Presidência da República - mostra que o tradicional cafezinho, por exemplo, pode ter seu mercado afetado fortemente pelo aumento da temperatura.
Pelo levantamento, se houver uma elevação de 3 graus Celsius na temperatura média e de 15% no volume de chuvas em São Paulo - maior produtor de café do Brasil - haverá redução de 15% da área adequada para a cultura do café arábica. Atualmente, 40% do estado são bons para esse tipo de lavoura.
Com uma expansão ainda maior da temperatura, de 5,8 graus Celsius, praticamente não se poderá mais plantar o produto em São Paulo, porque a área seria reduzida para 1,1%. São Paulo e Minas Gerais, alerta o estudo, perderão, respectivamente, 73% e 94% do potencial de áreas cultiváveis de café nesse cenário. Em Goiás, a redução da área poderá chegar a 95% e no Paraná, a 75%. As espécies plantadas no país suportam temperaturas médias anuais entre 18 e 23 graus Celsius.
O milho e a soja, concluíram os pesquisadores da Embrapa e da Unicamp, também serão atingidos. Uma expansão de 3 graus Celsius, por exemplo, causaria uma queda de 39% na produção de soja, de 53 milhões para 32,33 milhões de toneladas. Isso tiraria do Brasil o status de maior produtor e ainda teria impacto negativo na balança comercial brasileira, uma vez que o item foi o terceiro da pauta em 2006.
Ir ao cinema e comer pipoca ou comer pamonha e canjica nas festas juninas também pode virar coisa do passado. A área plantada de milho no país, com a alta da temperatura, poderá cair de 5,2 milhões para 4,6 milhões de quilômetros quadrados.
Já a produção diminuiria 7%, e a safra cairia de 41 milhões para 38,13 milhões de toneladas.
Pelo estudo do NAE, o aquecimento global vai trazer não apenas alteração da fertilidade do solo e do potencial de produção agrícola, mas incentivará a incidência de doenças nas plantas, causadas por fungos e bactérias e influenciada pela temperatura e pela umidade. Outra conseqüência consiste em dificuldades na agricultura não-irrigada (sequeira), sobretudo na região Centro-Oeste. De forma geral, a doutora em Geociências e pesquisadora da Embrapa Meio Ambiente Magda Lima afirma que, a longo prazo, as regiões tropicais e subtropicais seriam as mais afetadas.
Para Ricardo Cotta, economista da Confederação de Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), os efeitos já estão sendo sentidos. Sem vincular diretamente os fatores citados à mudança no clima, ele cita a ferrugem asiática, que afetou em cheio a soja brasileira nos últimos anos, e a forma letal do vírus da gripe aviária, sugerindo mutações nos microorganismos causadores de doenças.
- Estava mais do que na hora de o governo lançar uma política de biotecnologia. Espero que haja avanços significativos nessa área - diz Cotta.
Enéas Salati, doutor em Agronomia, diz que não deverão ocorrer grandes impactos na agropecuária e florestas, se a temperatura subir até graus Celsius. Porém, o aumento de temperaturas de 3 a 4 graus Celsius modificaria completamente o cenário, principalmente em regiões onde as chuvas são concentradas em determinados períodos do ano, como no Centro-Oeste. No Norte, onde chove praticamente o ano todo, os impactos serão menores.
Brasil oferece energias limpas'
Nos últimos cem anos, a temperatura média do mundo aumentou entre 0,6 e 0,7 graus Celsius. Isso ocorreu de forma mais acentuada a partir da década de 60, quando a revolução tecnológica e a dependência de combustíveis fósseis começam crescer velozmente. As maiores temperaturas médias anuais foram registradas nos últimos anos.
Mas nem tudo são más notícias.
Conforme o estudo do NAE, denominado "A mudança do clima: oportunidades e vulnerabilidades do Brasil", apesar desse cenário, que atingirá todos os países agrícolas, o Brasil se beneficiará como ofertante de energias limpas, graças à demanda por créditos de emissões de carbono pelas nações industrializadas.
Segundo o Banco Mundial, a demanda por créditos de emissões de carbono poderá chegar a US$ 10 bilhões por ano em 2010. O Brasil pode ter participação de 10% - ou US$ 1 bilhão - no mercado global.
Brasil, China e Índia são os principais vendedores mundiais do Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), fixado no Acordo de Kioto.

O Globo, 18/02/2007, Economia, p. 23

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