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Federalização de terras na origem da questão fundiária

O Liberal-Belém-PA
25 de Set de 2003

Reunidos no final de semana em Belém, os dirigentes das instituições responsáveis pela política agrária dos Estados-membros que integram a Amazônia Legal debateram e avaliaram os entraves causados pela federalização de terras estaduais, bem como a grave crise atualmente enfrentada pelos setores madeireiros de diversas unidades da Federação. Embora não fosse a intenção do encontro lembrar as injustiças impostas à região, não foi esquecido, no evento, o amargo legado dos Decretos-leis 1.164/71 e 1.473/76, que transferiram arbitrariamente para a União, ao longo de 30 anos, as terras devolutas situadas na faixa de 100 quilômetros de largura em cada lado do eixo das rodovias construídas, em construção ou simplesmente projetadas na Amazônia Legal.
Coordenador do encontro de Belém, o presidente do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), Sérgio Maneschy, lembrou que só no Estado do Pará foram progressivamente "confiscadas" cerca de 70% de sua maior riqueza em suas terras devolutas. De quase 1.250.000 km2, restaram ao Pará menos de 30% desse valioso patrimônio, quando deduzidas também as reservas indígenas, as reservas florestais, as reservas militares, as áreas de marinha e as de domínio particular.
Equívocos - Para os presidentes dos institutos de terras presentes à reunuião de Belém, se o motivo foi a segurança nacional, pecou-se por excesso. Se foi o desenvolvimento, o pecado foi a escassez. "Muito pelo contrário, a privilegiada localização das áreas mais atingidas pelos efeitos desses atos ditatoriais, mercê do fácil acesso que lhes proporcionaram as rodovias Belém-Brasília, PA-150, PA-070 e Transamazônica, aliada à pujança e riqueza de sua cobertura vegetal, transformou-as, rapidamente, em pólos de convergência de interesses e irrefreáveis fluxos migratórios, responsáveis, dentre outros efeitos, por inúmeros conflitos fundiários", assinam os 13 integrantes da Associação Nacional dos Órgãos Estaduais de Terra (Anoter), dentre os quais, Sérgio Maneschy.
Para o secretário da Anoter, Carlos Henrique Gomes, a cobiça dessas terras, somada à indefinição da competência jurisdicional dos diversos órgãos federais e estaduais responsáveis pela condução da política agrária no âmbito do polígono subtraído do patrimônio dos Estados, ao lado da conversão de parcela considerável dessa região em grandes centros de atividades pecuárias, sem a presença mais efetiva e atuante do Poder Público, como disciplinador dessa imensa gama de relações vinculadas ao uso da terra, representou, "sem dúvida alguma, o mais substancioso conjunto de ingredientes para que se formasse o caldeirão de tensões sociais em que foram mergulhados os Estados da Região Amazônica".
Acusa a diretoria da Anoter, que o aproveitamento de comercialização da madeira em tora ou serrada, como ramo de negócio eminentemente ligado ao setor primário da economia regional, além do avanço das queimadas como fenômeno tipicamente predatório sobre a massa florística - por outro lado, não contrabalançado pela sua reposição - deu ensejo a um acelerado processo de degradação da gigantesca reserva botânica, que ainda constitui uma das principais reservas de riquezas da natureza em benefício da região.
Pacto - Durante a reunião da Anoter em Belém, o presidente do Iterpa, Sérgio Maneschy, citou discurso do governador Simão Jatene, por motivo do projeto de lei que recriou a Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (Sudam), quando propôs um pacto entre a classe políticas, trabalhadores e empresários de todos os Estados, em torno da tarefa coletiva de promover o desenvolvimento regional. Lembrou Jatene que, com uma extensão territorial que representa mais da metade do Brasil e uma diversidade sócio-ambental fantástica, a Amazônia tem sido "fértil na produção de mitos que, não raramente, têm contribúido para que se cristalize uma visão equivocada da nossa realidade, que acaba por permitir a formação de um imaginário que congrega noções que vão de 'inferno verde' a 'pulmão do mundo', num ceário que reflete práticas naceitáveis, transitando do almoxarifado a ser saqueado ao santuário a ser mantido intocável".
Criação do Getat agravou o cenário
O presidente do Iterpa, Sérgio Maneschy, informou que o documento que será levado aos ministérios da Reforma Agerária e Meio Ambiente, no início de outubro, pela direção da Anoter, atesta ainda que a complexidade do cenário se descortina, foi mais agravada com a criação do Grupo Executivo das Terras do Araguaia-Tocantins (Getat), em 1981. Criado em sbstituição do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra), o Getat passou a dirigir a política fundiária nas faixas subtraídas dos patrimônios estaduais. "Apesar das ressalvas em relação às chamadas situações jurídicas constituídas, as terras cobertas por títulos provisórios, de aforamento e de posses registradas se transformaram em áreas de jurisdição duvidosa, até mesmo pelo poder autoritário conferido ao novo órgão, nascido sob o manto ptrotetor do então Conselho de Segurança Nacional. Ao longo desse período foi praticamente excluída a participação dos órgãos estaduais no encaminhamento e e solução dos graves conflitos prossessórios, que se acentuaram na região, tanto em número como em violência, ganhando as manchetes da Imprensa local, nacional e internacional. As estatíticas de tais conflitos eram alarmantes: centenas de mortes; milhares de prisões; despejos sem ordem judicial e perseguições às lideranças sindicais tornaram-se fatos corriqueiros, transformando essa região numa das áreas mais explosivas do País".
Inércia - O Getat acabou sendo extinto em 1988, um ano após a edição do Decreto-lei 2.375/87, que revogou os atos que federalizaram grande parte do território dos Estados que integram a Amazônia Legal. Permanecem, porém, sob a jurisdição federal, tuteladas pelo Incra, as faixas de terras marginais às estradas, na medida em que o descumprimento das diretrizes fixadas naquele decreto-lei tornou apenas formal a devolução das terras pela União.
Falando em nome da direção da Anoter, Sérgio Maneschy entende que, diante da inércia dos órgãos executores da medida, devem os Estados exigir sua aplicação prática, apurando as situações remanescentes e dando destinação às terras devolutas que integram seus respectivos patrimônios, até mesmo como forma de atender aos anseios de numerosos posseiros, que ingressaram nessas terras e possuem "ancanidade de ocupação remontando há muitos anos, e que sempre enfrentaram - como continuam enfrentanto - dificuldades para obtenção dos respectivos títulos de domínio".
Como exemplo, cita que é exatamente o que ocorre em relação a certas localidades do território amazônico, ainda sob jurisdição federal, em que os seus ocupantes não conseguem a regularização das áreas ocupadas, por ultrapassarem o limite máximo de 100 hectares estabelcido pelo Incra para a titulação de áreas devolutas. Lembra o caso analógico da Associação do Vale do XV, em que cerca de 400 famílias de agricultores da região de Castelo dos Sonhos, próxima à divisa com o Estado do Mato Grosso, vêm lutando há vários anos pela regularização das áreas por elas ocupadas, alegando, inclusive, que já efetuaram o pagamento de custas processuais cobradas pelo Incra para a ttulação daquelas terras, sem obterem êxito, e sem que as terras sejam devolvidas á jurisdição estadual. (DC) Gebam - Em 1984, o Grupo Executivo do Baixo Amazonas (Gebam), foi melancolicamente extinto, sem que nada de concreto fosse divulgado a respeito das cnclusões dos estudos supostamente realizados. O processo de legitimação de posses formulado pela empresa Jari Florestal foi devolvido ao Iterpa sem qualquer alteração ou sugestão quanto ao encaminhamento do assunto. Para adireção da Associação Nacional dos Órgãos Estaduais de Terra, o Gebam foi "outra violência praticada contra a autonomia de alguns Estados da Região Amazônica". DC)

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