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Fazendeiro que trabalha a terra é aliado de índio; o contra nem calo na mão tem, afirma indigenista

Midiamax - http://www.midiamax.com/view.php?mat_id=560467
Autor: Jacqueline Lopes
11 de Out de 2009

Piloto de avião, nascido em Maracaju, Marcos Terena, 50, é hoje o diretor do Memorial do Povos Indígenas, órgão ligado à Secretaria de Cultura do Distrito Federal e representa a população nativa brasileira na ONU (Organização das Nações Unidas) desde 1991. Em entrevista ao Midiamax, ele falou sobre a importância das políticas públicas para os índios e também a respeito da demarcação.

Na última semana, ele conversou com o músico Almir Sater sobre desenvolvimento sustentável e frisa que não há como discutir meio ambiente sem definir plano de ação focado na melhoria das condições da vida do índio. "Foi o índio que ensinou o fazendeiro a preservar", disse Terena.

Os povos nativos e a natureza estão conectados e chegou a hora do Governo entender esse ponto, alerta.

Durante a conversa ficou evidente que na política, Terena demonstra estar próximo do governador de Mato Grosso do Sul, André Puccinelli. Eis a entrevista:

Midiamax - O senhor tem uma conversa com o governador André Puccinelli, o que vão discutir? Quem vai participar da reunião? De quais etnias?

Marcos Terena - É uma conversa política de líderes indígenas. Tem gente que representa as mulheres, igreja e juventude. São sete pessoas terena, guató e guarani. A nossa intenção não é reclamar do governador e sim, estabelecer um diálogo para criar uma plataforma. Não é personalizada é uma reunião suprapartidária, muitos são de esquerda e de direita. O ponto que nos une são as questões indígenas, mostrar para a sociedade sul-mato-grossense que somos parte importante do processo político, eleitoral, ambiental e cultural. Somos 70 mil em todo o Estado.

Midiamax - Há cidades no interior em que a comunidade indígena define eleição. Quais são?

Marcos Terena - Somos 20 mil eleitores. Eles decidem eleição em Japorã, Amambaí, Antônio João, Caarapó, Miranda, Aquidauana, Sidrolândia, Nioaque, Dois Irmãos eles decidem eleição

Midiamax - O governador que chamou vocês para a reunião?

Marcos Terena - Solicitei uma reunião com ele. Exatamente para articular uma representação política. Temos que ter articulação com as autoridades e Polícia Federal. Se discutirmos somente questões administrativas como quem vai administrar a FUNAI vão rir da gente.

Midiamax - Mas, o governador já indicou que está afinado com os produtores rurais e hoje, o que o senhor pensa da situação que vive os indígenas em Mato Grosso do Sul?

Marcos Terena - Eu participei das articulações de 80% das terras indígenas no Brasil. Vejo que hoje ficamos como gado andando para lá e para cá. O governador tem plano estratégico para a sobrevivência política dele. São os compromissos com o setor rural, mas tem uma tendência de querer agradar os indígenas. No cenário nacional e internacional temos argumentos.

Midiamax - Quais são?

Marcos Terena - Usina de álcool não é só a usina, mas o que vai ser discutido em Copenhagen (Dinamarca) sobre mudança climática. Qual o plano de ação da Secretaria de Estado de Meio Ambiente? O indígena tem que entender que em algum momento teremos que agir. Hoje (na data da entrevista), estamos com duas estradas bloqueadas por índios, uma forma de chamar a atenção da sociedade. Até agora não estávamos entrando em briga.

Midiamax - Como assim?

Marcos Terena - Meu povo, até hoje ficou em silêncio em relação a todas as provocações. O silêncio tem um significado espiritual.

Midiamax - Qual é esse significado? Pode explicar?

Marcos Terena - É a força espiritual para saber o momento e qual o tipo de ação a tomar. Reflexão dos líderes homens e mulheres. Aparentemente estavam contentes com o paternalismo. O chamamento tem a ver com o meio ambiente e espiritualidade, não tem espiritualidade se não tiver meio ambiente.

Midiamax - Como isso acontece?

Marcos Terena - Na Declaração Internacional da ONU está claro. Muitas vezes os advogados, o sistema jurídico brasileiro desconhece e a maioria das decisões em relação ao direito indígena é unilateral. O sistema é ignorante em relação aos povos indígenas. Precisamos mostrar para ele (governador) que ele tem a ver com o compromisso indígena, ele tem que ser parte porque o instrumento do lucro imediato vai trazer catástrofe ambiental, desequilíbrio nas águas das chuvas dos rios. Isso vai refletir nas novas gerações. Precisamos despertar isso na nossa sociedade.

Midiamax - Como o senhor acha que isso pode ser feito a curto prazo?

Marcos Terena - Muitos filhos, descendentes de fazendeiros entre aspas já tem discernimento a esse respeito. Eles já não trabalham com a idéia de ter pasto para 50 mil cabeças de gado. A prática pecuária já mudou bastante. Temos que estabelecer alianças com alguns setores e eu tenho alguns amigos pecuaristas.

Midiamax - Quem são? Ente eles está o Almir Sater? Pergunto porque o Almir em meio de produtores rurais saiu em defesa dos índios durante filiação na Acrissul...

Marcos Terena - São da família do Lúdio Coelho. O Almir vou falar com ele no Memorial dos Povos Indígenas (em Brasília) porque ele vai tocar lá. A visão desses produtores mais jovens é a visão da sustentabilidade, da geração de renda e não imediata e sim, para a vida inteira.

Midiamax - É possível que Mato Grosso do Sul possa a vir a receber recursos estrangeiros caso saia o processo demarcatório e haja uma definição na região Sul?

Marcos Terena - A fama de Mato Grosso do Sul no exterior, digo porque conheço 30 países, é que o Estado produz o gado verde. Quem cuida desse gado no Pantanal? São os índios peões. Meu avô já foi um deles. A modernidade não permite mais a monocultura. Não precisa destruir o Cerrado para criar gado. Os índios ensinaram os fazendeiros a preservar. A carne é famosa lá porque não precisa de ração. A nova geração de produtores rurais vai para a fora e começa a entender isso.

Midiamax - E a reação dos mais violentos contra a demarcação?

Marcos Terena - A reação contra a demarcação vem do setor mais racista que não gosta dos índios, não sabem nem contar o gado e nunca pegaram no arado. O que trabalha com a terra vê o índio como aliado. Quem é contra é o fazendeiro unha pintada, que não tem calo na mão.

Midiamax - O senhor não tem medo de morrer?

Marcos Terena - Não. Falo isso com a autorização do meu povo. E a morte para mim é do ponto de vista espiritual. Por isso nunca reagimos, falam mal da nossa associação. Isso é briga de vizinho. Temos é que lutar para o governo federal cumprir com o dever constitucional.

Midiamax - Qual o reflexo da decisão do STF sobre a Raposa Serra do Sol em Mato Grosso do Sul? O presidente do Supremo, Gilmar Mendes esteve aqui e disse que haverá sim impacto no que está por vir principalmente por conta do marco temporal (só caberia demarcação em área ocupada até o ano de 1988).

Marcos Terena -
O Gilmar Mendes é de Cáceres (MT). Ele compreende bem o complexo do Pantanal em Mato Grosso. O problema dele é que se propôs a fazer essa análise dos direitos indígenas friamente quando a Constituição já tem 20 anos. Ele como presidente do Supremo exerce papel político. Infelizmente os tribunais viraram para a política ao invés de serem a casa do saber jurídico. A decisão da Raposa Serra do Sol não foi só técnica, mas político e os índios de Roraima ao perceberem, fizeram articulação. A decisão de lá, não vai refletir aqui. Os índios de Mato Grosso do Sul já esperaram e a qualquer momento também estarão no Supremo. A realidade daqui é outra. Os fazendeiros mentiram muito ao dizer que Mato Grosso do Sul seria reduzido por causa da demarcação. Até esse momento ficamos quietos. O estudo das áreas, que tentam impedir, é para levantar o alcance e também para mostrar que Mato Grosso do Sul vai ganhar do ponto de vista ambiental. A terra indígena é um ante-passo diante da mudança climática. Isso já é previsto como estratégia de preservação. O agronegócio é uma moeda de mão única e quem ganha é o dono e não a sociedade.

Midiamax - Mas, como mudar a situação?

Marcos Terena - Os caciques vão fazer curso de gestão territorial. O índio não pode viver de sacolão. Falar que vive da caça e pesca já não é mais verdade e tem que ter sistematizada toda a ancestralidade dos antepassados. São 4 mil em Dourados, onde a cidade está virando um anexo da aldeia hoje. Eu vi a feira da estação ferroviária aqui em Campo Grande e lá tem 30 barracas japonesas e duas dos índios. Vamos preparar para concorrer de igual para igual.

Midiamax - Entendo, mas o terena está mais aberto para isso. Já o povo guarani tem outra maneira de viver. Na região dos guarani não caberia ações para o turismo?

Marcos Terena - Existe um conceito antropológico que estragaria a cultura. O turismo é educativo, preventivo e gera renda. Lá no Canadá os índios tem empresa de transporte aéreo. O Sebrae tem que profissionalizar o índio. No Paraná, o governador Requião fez o ICMS Ecológico. Se aquele município tem mais área verde, vai receber mais recurso para cuidar dele. Requião é do mesmo partido do Puccinelli e pode dizer para ele como funciona. O índio é parte do processo e o desafiou é construir o processo em Mato Grosso do Sul que hoje é conhecido internacionalmente como o Estado do Brasil que mais viola os direitos indígenas. Tem que mudar a cabeça das autoridades.

Midiamax - E o alcoolismo que vem a reboque na proximidade do índio com o branco como o senhor vê isso?

Marcos Terena - O alcoolismo é doença, vício da fuga. O índio tem a sua cachaça ritualística do milho, da mandioca. Quando chega na cidade tende a beber até cair. Tenho tios que trabalharam nas fazendas de café, vi bem isso. Longe da terra, sofrendo com a saudade vem a bebida. No caso das regiões periféricas, a lei proíbe a venda de bebidas para os índios e esse assunto tem que ser tratado com a Polícia Federal. Tem que ter ação contra o traficante, no caso das drogas, contra o comerciante que vende a bebida. As leis indígenas falam dos direitos, mas tem também as responsabilidades.

Midiamax - Como foi o processo em Mato Grosso com o governador Blairo Maggi conhecido pelos desmatamentos enfim por não respeitar o meio ambiente?

Marcos Terena - Lá o Blairo aprendeu com os parecis (índios). Teve visão estratégica e entendeu que se deixasse de derrubar três árvores teria possibilidade de receber por isso. Com assessoria dele, que não é do governo é da empresa, ele confirmava as informações e teve visão e foi pesquisar uma área que ele não conhecia. As empresas dele hoje têm a janela da sustentabilidade ecológica. Agora, ele tem a base técnica. Nós estamos errando em Mato Grosso do Sul. Não podemos deixar MS ser um Rio Grande do Sul que quando chove transborda tudo, ou quando está seco o solo racha. Temos aqui que compor com a terra. Entender que o indígena é irmão porque tem comprometimento social e econômico e quer ser parte do processo político. Eu estive no domingo na aldeia Água Bonita (saída para Cuiabá) e lá a igreja canta na língua e prega também na língua terena. Conheci um jovem terena. Ele estava com o cabelo assim para cima e com gel. Eu perguntei a ele se era terena e ele disse: - Sim sou terena e estudo fisioterapia. Conversamos um pouco e ele me perguntou do porquê dos amigos olharem para ele de forma diferente. Eu disse: - Te olham diferente porque você vai tomar o lugar dele. Por isso você tem que ser o melhor, vão te chamar de bugre e você tem que ser o melhor e me convida para a formatura.

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