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Fazendeiro é indiciado por morte de missionária

OESP, Nacional, p. A5
23 de Fev de 2005

Fazendeiro é indiciado por morte de missionária
Vitalmiro, ainda foragido, é formalmente acusado de ser o mandante do assassinato de irmã Dorothy Stang

As Polícias Federal e Civil do Pará decidiram ontem indiciar o fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, conhecido como Bida, por homicídio qualificado. Ele é acusado de ter sido o mandante do assassinato da missionária Dorothy Stang. Bida continua desaparecido. "Vitalmiro já pode ser oficialmente considerado o mandante do crime", confirmou o promotor público Savio Brabo.
Com a ajuda de Rayfran Sales, o Fogoió, executor dos seis disparos que mataram a freira, a polícia localizou ontem pela manhã o revólver usado no crime, um 38 que estava enterrado a cerca de 1,5 km da sede da fazenda de Bida. A arma estava enrolada num saco plástico, amarrada com barbante.

Depois de seis longos interrogatórios com os três presos - cada um prestou dois depoimentos, na PF e na Polícia Civil -, os investigadores concluíram que os assassinos receberiam R$ 50 mil e algumas cabeças de gado pela morte da freira. Também foi esclarecido que o agricultor Amair Feijoli da Cunha, o Tato, foi o intermediário entre Bida e os dois executores.

Na noite de anteontem, uma patrulha formada por policiais civis e soldados do Exército descobriu nas matas de Belo Monte, cidade às margens do Rio Xingu, o agricultor Clodoaldo Carlos Batista - conhecido como Eduardo -, parceiro de Fogoió na morte da missionária. Clodoaldo tinha anteriormente sido identificado como Uilquelano de Souza Pinto - a troca das identidades era uma das dúvidas da polícia, agora esclarecida.

Policiais, promotores estaduais e procuradores federais fizeram ontem à tarde acareação com os presos. O suposto intermediário continua negando a participação no assassinato, mas os outros dois confirmam que foram contratados por Tato. Clodoaldo também apontou Bida como o mandante.

SEGREDO

Os dois inquéritos, das Polícias Federal e Civil do Pará, continuam correndo em segredo de Justiça. Mas o juiz Lauro Francisco da Silva Freitas Júnior permitiu a divulgação de parte do inquérito para esclarecer a opinião pública. Formalmente, os inquéritos ainda continuam em segredo de Justiça.

O juiz determinou que os inquéritos corressem em segredo para que não vazassem informações sobre o local onde estava a arma, não se divulgasse a versão falsa de que o mandante teria sido o sindicalista Francisco de Assis de Souza, o Chiquinho do PT, nem vazasse a revelação de que Fogoió e Eduardo tinham combinado um encontro anteontem em Belo Monte, o que permitiu a prisão do segundo executor do assassinato.

Encontro marcado ajudou na prisão do 2.o pistoleiro

ALTAMIRA - Depois do depoimento do agricultor Rayfran Sales, o Fogoió, autor dos disparos que mataram a missionária Dorothy Stang preso domingo à noite, uma patrulha do 51.o Batalhão de Infantaria de Selva descobriu o esconderijo de Clodoaldo Carlos Batista, o Eduardo, um capixaba de 30 anos que participou do assassinato da missionária, em Anapu. Assim que mataram a irmã Dorothy, na manhã do sábado, do último dia 12, Clodoaldo e Rayfran combinaram que, depois da fuga, se encontrariam uma semana depois na localidade de Belo Monte, próximo à balsa onde os carros atravessam o Rio Xingu. Com essa informação colhida no depoimento de Rayfran, os policiais, com a ajuda da patrulha de selva do Exército, prenderam na noite de anteontem o terceiro envolvido no crime.

Rayfran e Clodoaldo tinham sido contratados por Amair Feijoli da Cunha, conhecido como Tato, para trabalhar derrubando mata e plantando capim para a formação de pasto nas terras ocupadas pelo fazendeiro Vitalmiro Bastos de Moura, o Bida. Estas terras são vizinhas do Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) de reforma agrária que estava sendo implantado pela missionária na área e motivo de conflito há anos. Segundo informações de investigadores do assassinato, alguns dias antes do assassinato, Bida teria participado de reunião com grupo de colonos, na qual a missionária tinha avisado que montaria barracos nas terras ocupadas pelo fazendeiro Vitalmiro para abrigar famílias cadastradas no projeto de reforma agrária.

No momento em que a missionária deu este aviso, Tato, que admitiu ter participado da reunião, teria ameaçado Dorothy Stang dizendo que, se os colonos montassem os barracos nas terras onde ele estava formando o pasto, iria matá-la. Esta não tinha sido a primeira ameaça de morte sofrida pela missionária.

Tropas ficarão no Pará até o fim do ano
Em reunião com ministros, líderes apresentam 68 pedidos, entre eles a investigação de mais 6 crimes

BRASÍLIA - O governo federal assegurou ontem a um grupo de sindicalistas e representantes dos movimentos sociais do Pará a permanência das tropas do Exército e de equipes da Polícia Federal até o fim deste ano na região onde os conflitos agrários cresceram nas últimas semanas e a missionária Dorothy Stang foi assassinada. Também prometeu que o Exército e a PF vão fazer a segurança dos líderes ameaçados de morte e promover uma operação de desarmamento na região.
"Recebemos garantia de que o Exército ficará na região até o fim do ano para garantir o andamento das ações federais", disse o deputado José Geraldo (PT-PA), que participou da reunião de mais de 4 horas com representantes dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário, do Meio Ambiente e da Justiça, da Secretaria de Direitos Humanos e do Gabinete de Segurança Institucional. As 17 organizações apresentaram pauta de 68 itens, começando pelo imediato ordenamento fundiário no Pará. "Os ministros nos garantiram esforços para estruturar a presença dos órgãos federais na região e também recursos suplementares para as estradas Cuiabá-Santarém e Transamazônica", disse José Geraldo.

O grupo também pediu a federalização da investigação sobre o assassinato da irmã Dorothy e de outros seis líderes na região. "Não há por que ficarmos reféns da Polícia Civil quando sabemos que não estão fazendo um trabalho correto", explicou o deputado. Os sindicalistas vão cobrar do governo a proteção prometida, mas não querem ser retirados da região. O grupo apresentou à Secretaria de Direitos Humanos uma lista de pessoas que sofrem ameaças de morte.

BILHETE

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu, Francisco de Assis de Souza, um dos participantes da reunião, recebeu duas ameaças de morte nos últimos 10 dias. A última na madrugada de ontem. Chiquinho, como é conhecido, era amigo da freira desde os 12 anos. Na primeira ameaça, um bilhete, o recado foi claro: "Dorothy já morreu. Você é o próximo." Ontem, Chiquinho chegou a Brasília sob proteção do PT, ao qual é filiado, para a reunião.

Rayfran Sales, um dos acusados de matar Dorothy, chegou a apontá-lo como mandante do crime em seu primeiro depoimento, à Polícia Civil. Em seguida, ao depor à Polícia Federal, Rayfran desmentiu a informação, dizendo que combinara acusar o sindicalista para despistar a polícia. "Esse é o maior de todos os absurdos. Essas pessoas estão brincando com o poder constituído do Estado, com as investigações. É uma forma de embaralhar o foco das investigações", disse Chiquinho ontem.

Na madrugada de ontem, sua família recebeu a segunda ameaça. Na madrugada, dois homens abriram a janela de um quarto da casa de seu pai e tentaram seqüestrar sua prima Carina, de 17 anos, para que os levasse onde Chiquinho estaria. A menina gritou, atraindo a atenção das demais pessoas da casa, e os homens fugiram. "A denúncia foi feita à polícia, pedimos proteção, mas até hoje de manhã nenhum policial tinha ido até a casa de meu pai", contou ele.

No dia 14, homens entraram na casa do pai de Chiquinho enquanto os moradores de Anapu esperavam no aeroporto o corpo de Dorothy para fazer o cortejo até o cemitério. Só Carina estava em casa. "Os homens entraram, exigiram que ela servisse comida e a obrigaram a escrever um bilhete para mim", conta. Nele, a ameaça: "Dorothy já morreu. Você é o próximo. Vocês pensam que são inteligentes, mas somos muito mais espertos. Isso não é uma ameaça, é apenas um aviso. Te cuida."

OESP, 23/02/2005, Nacional, p. A5

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