VOLTAR

A Fazenda Fronteira e os ìndios de Antônio João

Dourados News-Dourados-MS
Autor: Dácio Queiroz Silva
02 de Jan de 2006

Não podíamos ter notícia pior que a do dia 24 à noite, momento das festas natalinas, quando soubemos pelo Jornal Nacional da fatalidade que ocorreu com o índio Dorvalino, envolvendo seguranças da empresa Gaspen Segurança Ltda., no território da Fazenda Morro Alto, em Antônio João (MS).

Ficamos mais preocupados ainda com as falsas afirmativas acerca do nosso nome como suspeitos e até indução a inverdades em tantas matérias veiculadas em diversos meios de comunicação.

O nosso sentimento de pesar com a morte do indígena, a forma desconfortável que os índios foram orientados para protestarem acampando ao longo da rodovia, as verdades sobre a situação jurídica do litígio e a necessidade de elucidar os fatos e de darmos nossa versão do ocorrido é que nos levou a pronunciarmo-nos através da imprensa que noticiou a opinião e a versão dos índios.

Na verdade os produtores rurais a os indígenas em Mato Grosso do Sul estão deixados à própria sorte. Somente com uma fatalidade destas para que as autoridades fossem até o local e vissem a problemática que estamos vivendo. Esta é a realidade de todo o território Sudoeste e Sul do Estado de Mato Grosso do Sul. Por favor, leiam adiante para entenderem a história da Fazenda Fronteira e os índios de Antônio João.

A fazenda Fronteira foi consolidada a partir da aquisição daquelas terras que em 1948 estiveram disponíveis pelo Estado brasileiro e por elas foram pagos recursos oriundos de 21 anos de economias feitas pelo casal Sra. Aparecida e Sr. Pio Silva, fruto do trabalho rural numa única fazenda do Estado de São Paulo como funcionários de serviços gerais, além de uma pequena herança recebida de dois casais de mineiros e dividida entre mais de 20 irmãos dos dois lados da família. O pouco dinheiro, somado à experiência de trabalho do casal fez com que procurassem terras longínquas e baratas, requisitos para o início da consolidação da Fazenda Fronteira. Em 1950, portanto há 56 anos, aquelas terras foram tituladas e foi outorgado então, diretamente do Estado o título de proprietário ao Sr. Pio Silva.

Nestas cinco décadas, o casal abdicou do conforto, da família e dos amigos e trocou pela perseverança em busca do objetivo de progredirem ali, produzindo e economizando tudo o que podiam. A ocupação daquelas terras foi mansa e pacífica. Por cinqüenta anos o casal prosperou trabalhando muito, enfrentando todo o tipo de sacrifício necessário para atingirem o atual ponto de desenvolvimento da Fazenda Fronteira.

No entanto, sem que acreditássemos no que estávamos vendo, em 1998, às vésperas do Natal, um contingente de 250 índios chegaram à pacata vila denominada Campestre, o único distrito do município de Antônio João, onde viviam umas 300 pessoas brancas no espaço urbano do distrito e outros 60 indígenas na Aldeia do Campestre. Esta população extra que chegou foi trazida de caminhões, ônibus, carros e até a pé, principalmente vindos do Paraguai.

O contingente de índios resolveu invadir nossa propriedade numa madrugada quando eu estava na sede da fazenda. Presenciei toda a movimentação violenta, numa mistura de medo e euforia, dado que grande parte dos homens e mulheres estava em visível estado de embriagues.

Desde então, nunca mais conseguimos fazer com que desocupassem a nossa fazenda. Inicialmente, ficamos até solidários, porém não podíamos compreender como o problema estava disseminado no Mato Grosso do Sul e entendemos que tínhamos ali um fato que nos trazia prejuízos muito grandes, impossíveis de suportar sozinhos. Precisávamos que o governo tomasse providência imediata, quando, para nosso espanto, constatamos que o Estado, através do Ministério da Justiça e da Funai, além de Ministério Público e de grupos estrangeiros e religiosos só tinham olhos para os índios.

Contra a máquina do Estado, começamos a mostrar documentos e a provar na justiça que este mesmo Estado que apóia os índios, um dia nos cobrou grande soma em dinheiro e nos outorgou o título de proprietários daquela Fazenda.

Já se passaram sete anos. Neste período fui prefeito, por dois mandatos, do município de Antônio João. Descobrimos que a Funai pretende disponibilizar aproximadamente 10% da área do município (9,3 mil hectares) para os indígenas, envolvendo 10 propriedades diferentes. Contratamos um antropólogo para verificar o contraditório que, após pesquisar in loco e também no Museu do Índio no Rio de Janeiro, concluiu que a Fazenda Fronteira confirmava ser terras privadas de propriedade de Sr. Pio Silva.

A Funai desconsiderou aquele laudo e levou avante administrativamente o processo que produziu uma portaria ministerial, uma demarcação e um decreto presidencial. Nós, proprietários, entramos na Justiça Federal para contestar o laudo da Funai e também para provar que aquelas terras são de domínio privado. Com documentos idôneos e perfeitos, diferentes dos documentos da Funai que se baseiam em vestígios arqueológicos provando no máximo, se verdadeiros, algum possível aldeamento extinto antes da década de 1940. Pois o Estado titulou aquelas terras ao Sr. Pio Silva em 1950 e lá não havia aldeias desde aquele tempo.

Nos últimos sete anos, desde a invasão pelos índios, dentre tantos boletins de ocorrências, com reclamações de esbulho do patrimônio, tais como destruição de cercas da propriedade, carneadas, desmonte de mata-burros, furto de utensílios e ferramentas, estouro do gado, deixar portões e colchetes abertos, uso do açude para banhos e lavagem de roupas com sabão, impedindo a bebida do rebanho, turbação da paz com ameaças a nós e aos trabalhadores, abordagem violenta promovendo o temor e abalando a auto-estima dos funcionários, inclusive com o pedido de demissão de muitos, promovendo a queima de pastagens e saques às residências da população branca do Distrito Campestre, conseguimos que a Justiça nos desse, por algumas vezes, a reintegração de posse da Fazenda. Por três vezes ao longo de sete anos, sob altíssimo custo com honorários advocatícios, tivemos suspensos os efeitos das decisões de juízes que, distantes do problema e com tanta manifestação organizada a plenos recursos financeiros, muitas vezes de religiosos, outras vezes de ONG's internacionais, fizeram uma blindagem a ponto de permitirem tudo aos índios. Estes aproveitaram e invadiram outras três propriedades que são hoje objeto de tantas notícias.

Finalmente, conseguimos provar o comportamento desmedido, anárquico, ameaçador, perigoso, intransigente, desleal, reincidente, ilegal e até maldoso contra os habitantes do distrito e contra o processo produtivo rural daquela área, a ponto de, pela primeira vez, conquistarmos na Justiça Federal, no Tribunal Regional Federal e no Supremo Tribunal Federal ordem para que os índios retornassem para a área inicialmente ocupada em 1998, que consta de 45 hectares na entrada da Fazenda Cedro e faz divisa com a Fazenda Morro Alto, e lá esperassem ordeiramente pelo julgamento do mérito pela Justiça Federal, ou seja, se são nossas as fazendas ou não.

Ora, se a homologação está suspensa e a ordem de reintegrar a posse aos produtores rurais foi mantida, algo nos diz que não está claro que as terras sejam dos índios. Nesse sentido seguem tópicos explicando a situação:

1o) Há um conflito entre o artigo 5o da Constituição Federal e a interpretação equivocada de alguns do artigo 231o da mesma Constituição.

2o) A reintegração da posse aos produtores rurais determinava que os índios voltassem para onde vieram, pois antes de 1998 ali não havia índios.

3o) A homologação é unilateral e administrativa e não passou pelo julgamento da Justiça, portanto está suspensa.

4o) Há sete anos que pedimos ordem e policiamento na área. Já colecionamos mais de 300 Boletins de Ocorrência com enormes prejuízos.

5o) Em todos os confrontos com grupos de índios dentro da propriedade nunca aplicamos a força bruta ou o uso de armas de fogo, e sempre recuamos para evitar fatalidades.

6o) Quando bens foram seqüestrados à força e tratores por eles retidos, assim como quando o Pio Queiroz, meu irmão, foi severamente lastimado, a ponto de verter sangue de sua testa, levando-o ao desfalecimento momentâneo, quando abordado violentamente e sem armas ou companhia, fomos tolerantes e relevamos, suportando tudo com muito sofrimento.

7o) Na reintegração da posse no último dia 15 de dezembro de 2005, os índios não entenderam que, pela primeira vez, tiveram que obedecer e recuar, o que os levou a uma reação desmedida, a ponto de armarem uma emboscada violenta contra os vigias que resultou num ataque de 20 índios ou mais, contra quatro vigias e uma única arma disparou pela primeira vez em sete anos, em legítima defesa à própria vida, segundo depoimentos na Polícia Federal.

8o) O local da emboscada foi dentro da área que havia sido reintegrada a posse, local impróprio para a permanência dos índios.

9o) Se os indígenas clamam por justiça, nós também clamamos e somos merecedores, pois somos bons brasileiros, produtores de alimentos e contribuintes para a nação com geração de empregos e renda.

10o) Não existe nada mais injusto para um trabalhador capitalista que a hipótese de ver anulado o título de propriedade, sem indenização. Isto não pode ser o que o Brasil reservou para este casal de pioneiros que, como tantos outros, ajudaram a escrever a história do Brasil.

Nesse sentido, temos a consciência tranqüila. Pedimos ajuda em nome de todos os produtores rurais de Mato Grosso do Sul que estão enfrentando o mesmo problema. Não é justo que poucos bons produtores paguem pela dívida social que o Brasil venha a ter com os indígenas.

Dácio Queiroz é produtor rural e proprietário da Fazenda Fronteira, em Antônio João

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.