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Favelas vão à Justiça contra muros

OESP, Metrópole, p. C6
Autor: TOLEDO, Luiz Carlos; MACHADO, Luiz Antonio
19 de Abr de 2009

Favelas vão à Justiça contra muros
Obras reacendem polêmica entre comunidades e ?asfalto?; governo diz que objetivo é frear crescimento caótico

Márcia Vieira

A decisão do governo do Estado de construir muros em 13 favelas do Rio reaqueceu a discussão sobre a relação entre o "asfalto" e as favelas da cidade. O primeiro muro, com 3 metros de altura e 634 metros de extensão, já começou a ser erguido na Favela Santa Marta, em Botafogo, na zona sul.

Como os outros 12, vai deixar claro o limite entre a favela e a mata verde. "Tem de haver uma barreira. Não podemos mais deixar as favelas avançarem sobre a floresta e crescerem desordenadamente", defende o vice-governador Luiz Fernando Pezão. A justificativa ecológica não evitou intenso debate, que inclui acusações ao governo de tentar promover uma espécie de apartheid.

Na quinta-feira, representantes das comunidades se reuniram na Federação das Favelas do Rio e decidiram fazer ato público de repúdio ao muro na primeira semana de maio. Vão tentar também impedir a obra na Justiça. "O simbolismo do muro é muito ruim", reclama o presidente da federação, Rossino de Castro. "Querem transformar as comunidades em gueto?"

Ícaro Moreno Júnior, diretor da Empresa de Obras Públicas do Estado, que comanda a construção dos 14 quilômetros em concreto, jura que não. "Pelo amor de Deus. Já fizeram comparação até com o Muro de Berlim. Isto é uma loucura." Moreno Júnior garante que a decisão de construir os muros tem dois objetivos: proteger o meio ambiente e, limitando o crescimento da favela, abrir chance para um planejamento urbano.

As 13 comunidades escolhidas para receber o muro ficam na zona sul, área nobre da cidade. Serão gastos R$ 40 milhões do Fundo Estadual de Conservação Ambiental. As obras na Rocinha, Parque da Pedra Branca e Chácara do Céu começam no fim do mês. Nas outras favelas (Parque da Cidade, Benjamin Constant, Morro dos Cabritos, Ladeira dos Tabajaras, Morro da Babilônia, Chapéu Mangueira, Cantagalo, Pavão-Pavãozinho e Vidigal), os muros serão construídos até o fim do ano. "Depois vamos fazer o mesmo na zona norte e no resto da cidade", garante Moreno Júnior.

O governo não vai fechar o acesso às comunidades, que não ficarão cercadas. No Santa Marta, por exemplo, o muro está sendo construído em apenas uma lateral da favela, a que faz divisa com a mata. A questão é se o muro vai realmente conter a expansão das favelas ou se será destruído para construção de mais casas. "Ele será um indicador fácil à fiscalização", defende Moreno Júnior. "Se alguém invadir a área será logo identificado."

REMOÇÃO

Juntamente com a discussão sobre o muro veio à tona outro tema que deixa os moradores de favela em pânico. Nos anos 60, os governadores Negrão de Lima e Carlos Lacerda, com o apoio dos militares, promoveram remoções de favelas da zona sul para conjuntos habitacionais na periferia. Nasceu assim a Cidade de Deus, na zona oeste, que acabou se transformando numa das favelas mais violentas da cidade.

O vice-governador Pezão garante que não há chances de remoções nesses moldes virarem política de governo. "Somos inteiramente contra. Ninguém mora na beira do canal porque quer. Mas quando tiramos esses moradores, temos de colocá-los perto de onde eles vivem." É o que está sendo feito nas três favelas beneficiadas pelo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e nas três comunidades ocupadas pela polícia onde foram expulsos traficantes (no Santa Marta e na Cidade de Deus) e milicianos (Favela do Batam) que exploravam os moradores.

Em Manguinhos, incluído no PAC, o governo chegou a oferecer casas populares na periferia. "Ninguém aceitou. Eles preferem morar em condições sub-humanas a ficarem longe do trabalho. A maioria preferiu esperar pelos apartamentos que estamos construindo ali mesmo em Manguinhos."

Mesmo em favelas que não são beneficiadas por esses programas do governo, Pezão planeja remover pessoas de áreas de risco. É o caso do Morro da Providência, a primeira favela da cidade, que recebeu os pobres despejados de cortiços. "Podemos construir habitações na área do porto", afirma.

'Está se fazendo enorme retórica em torno de nada'

Luiz Carlos Toledo: arquiteto

Quando foi escolhido para fazer o projeto do PAC dentro da Rocinha, em São Conrado, o arquiteto Luiz Carlos Toledo se mudou para a favela. Alugou uma casa, deixou as portas abertas para discutir à exaustão com os moradores o que planejou na maior favela da zona sul carioca. A pedido do governo do Estado, margeando a via de 2,8 km que ele projetou para separar a favela da área verde, Toledo incluiu o muro. 0 arquiteto não esperava tanta polêmica.

No seu projeto original, não havia o muro. Por que o senhor concordou em fazê-lo?

Está se fazendo uma enorme retórica em torno de nada. Não há muro que segure o crescimento de uma favela se não houver fiscalização. 0 muro vai ajudar a conter. É um limite visual tanto para o fiscal quanto para o morador. Ao lado do muro, haverá uma faixa de 1,50 metro totalmente livre. As pessoas vão poder circular por um caminho muito melhor do que hoje.
Não é agressivo um muro de concreto de 3 metros de altura?

O muro que eu projetei não é assim. Até 1,20 m é de concreto. Os outros 2 metros são de cobogós, um tijolo vazado. Eu não tiro da Rocinha nem a ventilação nem a visão da floresta ao lado. E o fiscal vai poder ver se está sendo construído algo além do muro.

O senhor esperava tanta discussão em torno do muro?

Não, eu estou meio apavorado com o que ando ouvindo. Tem gente falando em remoção. Não dá para fazer aquele flagelo que foram as remoções de décadas atrás. M. V.

''O muro é parte da situação de criminalização dos favelados''

Luiz Antonio Machado: mestre em Antropologia

Luiz Antonio Machado estuda o fenômeno das favelas há 40 anos. É mestre em Antropologia e professor do Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. "O muro não é discussão sobre problema ambiental. É parte da situação de criminalização dos favelados e da discussão sobre remoção."

O que o senhor acha da decisão de murar as favelas do Rio para proteger o meio ambiente?

As favelas sempre foram estigmatizadas. O muro não é simplesmente um problema ambiental. Ele entra como parte da situação de criminalização dos favelados e da discussão sobre a remoção. Já que não vamos remover, vamos encapsular. É verdade que providências precisam ser tomadas do ponto de vista ecológico. Mas política ambiental não existe sem política habitacional.

Por que voltou a se discutir remoção de favelas no Rio?

Remoção é um nome sujo e tem de permanecer sujo. Com a existência do tráfico de drogas, as favelas foram tachadas de território do crime. O medo e a insegurança na cidade implicam nesse desejo de afastamento porque as favelas são consideradas focos de violência.

O muro serve para defender o meio ambiente?

Como solução é ridículo. Com três marretadas, dá para fazer um buraco. São mil favelas. Não há fiscalização que resolva.

Construir muro em favelas nas áreas mais nobres da cidade é fruto de pressão da classe média? Não há dúvida. Quanto mais afastada a favela estiver, melhor.

OESP, 19/04/2009, Metrópole, p. C6

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