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Faroeste cabloco

O Globo - https://oglobo.globo.com/economia/esg/noticia/2023/03
Autor: MONZONI, Mario
17 de Mar de 2023

Faroeste caboclo
Explode o número de empresas que canalizam recursos de investidores para compra de terras na Amazônia
Por Mario Monzoni, Especial Para O Prática ESG - São Paulo
17/03/2023

O cenário era lindo: marzão na frente, boteco de praia, pé na areia, cerveja gelada e peixe frito. Intervalo de reunião anual da USAID (agência de cooperação do governo americano) em Salinópolis, Pará, início dos anos 2000. Amigos ongueiros conversando sobre mudanças climáticas e floresta.
A COP 6 tinha sido um banho de água fria nas pretensões de incluir florestas nativas no Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL). Ao mesmo tempo, era consenso entre as organizações que representávamos que instrumentos de comando e controle não conseguiriam dar conta, sozinhos, de redução de desmatamento.
O uso de instrumentos econômicos se fazia necessário e remunerar florestas pelas suas contribuições ecossistêmicas de regulação do clima se tornava uma possibilidade real, por meio de créditos de carbono.
Dessa conversa nasce o Observatório do Clima, coalizão de organizações da sociedade civil que entenderam por bem que juntas, em rede, poderiam contribuir mais efetivamente no combate às mudanças climáticas, tendo a proteção de florestas um dos carros chefes de luta. Em 2003, o Instituto Socioambiental (ISA) e o Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (IPAM) lançam, na COP 9, em Milão, proposta de inclusão de desmatamento evitado nas negociações de clima.
O aumento do nível do mar pode deslocar 280 milhões de pessoas em cenário otimista de um aumento de 2oC na temperatura
Muito à frente dos tempos, essa proposta é gênese do que, muito tempo depois, viria a se chamar REDD+, "um incentivo ... para recompensar financeiramente países em desenvolvimento por seus resultados de Redução de Emissões de gases de efeito estufa provenientes do Desmatamento e da Degradação florestal, considerando o papel da conservação de estoques de carbono florestal, manejo sustentável de florestas e aumento de estoques de carbono florestal".
Vovó já dizia que devemos ter cuidado com nossos sonhos, em especial sonhos sonhados juntos. O que parecia conquista de décadas de luta pela valorização de floresta em pé, pelo aumento do custo de oportunidade da atividade de desmatamento parece estar virando pesadelo.
No boom tsunâmico do ESG e das iniciativas de compensação de emissões, explode no Brasil o número de empresas que canalizam recursos de investidores para compra de terra na Amazônia para obtenção de créditos de carbono. O mercado voluntário de carbono no Brasil explode. A Faria Lima entra no jogo!
Não demora a vir notícias da ponta. Na espera de 20 anos por esse tal crédito de carbono, populações tradicionais e povos indígenas na Amazônia começam a relatar aproximações dessas empresas com certo estranhamento.
Direitos e processos parecem estar sendo atropelados em nome de metas de desempenho prometidas a investidores por alguns atores do mercado. Meios passam a ser fins em si mesmos e a nobreza do combate às mudanças climáticas é deixada de lado.
Um exemplo recente vem do município de Portel, no Pará, onde aproximadamente 28% do território local estão cobertos por contratos de crédito de carbono firmados entre empresas e comunitários. Esse dado foi divulgado na audiência pública realizada em janeiro deste ano pelo Ministério Público do Estado do Pará (MPPA).
Na ocasião, foram compartilhadas diversas denúncias de irregularidades envolvendo esses projetos, o que motivou, poucos dias depois, a Secretaria de Meio Ambiente e Sustentabilidade (Semas) a cancelar 219 inscrições de Cadastro Ambiental Rural (CAR) irregulares ligadas a projetos de carbono na cidade.
Dentre os problemas, elencam-se: ausência de consulta prévia e informada de comunidades envolvidas nos projetos, projetos sobrepostos a terras públicas sem devidas autorizações do poder público e assimetria de poder nas negociações entre empresas e comunidades.
Se a má prática não é generalizada - e é possível e provável que haja bons exemplos -, será difícil separar o seis do meia dúzia e a reputação desse mercado pode ser abalada. É necessário um freio de arrumação e promover a construção participativa de princípios, critérios e indicadores de desempenho, em especial aos processos de consulta e na garantia de direitos.
O risco eminente é jogarmos a água, o bebê e a banheira fora, depois de 20 anos de luta. Para o mercado, a solução é capacitar comunidades e indígenas em mudanças climáticas e mercado. Para outros, já passou a hora de a Faria Lima entender o que são comunidades, povos indígenas e Amazônia.
Este artigo reflete a opinião dos autor, e não do jornal O Globo. O jornal não se responsabiliza e nem pode ser responsabilizado pelas informações acima ou por prejuízos de qualquer natureza em decorrência do uso destas informações.

Sobre o autor: Mario Monzoni é coordenador geral do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (FGV EAESP).

https://oglobo.globo.com/economia/esg/noticia/2023/03/artigo-faroeste-c…

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