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Famílias do povo Nukini, no Acre, sofrem ação repressora por conseqüência de reintegração de posse exigida pelo Ibama

Coiab-Manaus-AM
26 de Jul de 2005

Um grupo de famílias do povo Nukini, no perímetro do Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD), no Município de Mâncio Lima, no Estado do Acre, foi vítima de uma ação repressora levada à cabo por uma "Força Tarefa" constituída por servidores do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e efetivos da Polícia Federal e Polícia Militar do Estado do Acre, apoiados por Helicóptero do Exército Brasileiro, no dia 16 de julho de 2005. A denúncia consta em nota de "Repúdio", divulgada nos últimos dias por organizações indígenas deste Estado como a Organização dos Povos Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia (Opin), Associação Indígena Nukiri (Ain) e Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira (Opire), e por entidades indigenistas, entre as quais o Conselho de Missão entre Índios (Comin) e Conselho Indigenista Missionário-Regional Amazônia Ocidental (Cimi-AO).

A ação, que destruiu posses tradicionais, habitações, escola, posto de atendimento à saúde e diversos objetos de uso pessoal e familiar, foi "conseqüência abusiva de uma decisão de reintegração de posse em favor do Ibama, de área de terra pretendida por um grupo de famílias da etnia Nukini", no perímetro do Parque Nacional da Serra do Divisor, constante do Mandato de Intimação expedido pelo Juiz Federal da 1a Vara, Dr. David Wilson de Abreu Pardo.

A ação, segundo a denúncia, aconteceu de forma "covarde e sem a menor necessidade", antes do prazo dado à Fundação Nacional do Índio (Funai) para contestar a Liminar, e apesar de que as famílias indígenas já haviam deixado o local.

A denúncia esclarece que o território pleiteado pelos índios Nukini é território tradicional, e que a região constitui foco de interesses privados, de consórcios entre o poder público, ONG's e empresas, visando o manejo turístico e expedições científicas. Condena os interesses excusos e as atitudes discriminatórias e ofensivas, oriundos dos meios públicos (estadual e municipal) e de meios privados que insistem em descaracterizar os legítimos interesses dos povos indígenas. Exige, finalmente, que a Funai promova a imediata revisão dos limites da área, delimitação e demarcação, visando garantir os legítimos direitos do povo Nukini, e que o Ibama enquanto órgão da estrutura do Estado, respeite os indígenas, "enquanto povos que possuem direitos originários, garantidos pela Constituição da República Federativa do Brasil, cujo cumprimento condiciona todos os órgãos da administração pública e não apenas alguns".

Manaus, 26 de julho de 2005.

Íntegra do

REPÚDIO À COVARDIA, ARBITARIEDADE E
ABUSOS DO IBAMA CONTRA OS NUKINI DO ACRE

As entidades indígenas e indigenistas,signatárias deste documento, dão conhecimento à opinião pública e denunciam às autoridades constituídas os atos de autoritarismo etnocentrismo que covardemente foram perpetrados contra o povo Nukini da Serra do Moa, fronteira Brasil-Perú, que tiveram suas posses tradicionais, habitações, escola e posto de atendimento à saúde (e diversos objetos de uso pessoal e familiar) destruídos pela ação repressora levada à cabo por uma "Força Tarefa" constituída por servidores do IBAMA, Polícia Federal e Polícia Militar do Estado do Acre, apoiados por Helicóptero do Exército Brasileiro.

A ação foi conseqüência abusiva de uma decisão de reintegração de posse em favor do Ibama, de área de terra pretendida por um grupo de famílias da etnia Nukini, no perímetro do Parque Nacional da Serra do Divisor (PNSD), Município de Mâncio Lima, Estado do Acre, constante do Mandato de Intimação expedido pelo Senhor Juiz Federal da 1a Vara, Dr. David Wilson de Abreu Pardo. Diante da situação, representantes da FUNAI e do IBAMA, com a interveniência do Juiz Federal, Dr. David Wilson de Abreu Pardo, haviam decidido,em 1o de julho de 2005, realizar por acordo, buscando um solução negociada e pacífica, evitando conflitos e o agravamento da tensão que o uso da força no cumprimento da Liminar poderia trazer. Assim, foi dado o prazo à FUNAI até 18 de julho para contestar a mesma. Isto não impediria que os Nukini continuassem reivindicando os seus territórios através dos meios legais, mas ao mesmo tempo seria respeitado o cumprimento da decisão judicial. Ficou estabelecido, por tanto, um prazo para desocupação pacífica, antecedendo o cumprimento da Liminar de Reintegração de Posse, se fosse necessário. No prazo acordado um representante da FUNAI esteve na Aldeia Campum (Pé da Serra) para dar conhecimento da Liminar e solicitar seu cumprimento, independente do direito de continuarem brigando pela terra. Atendendo à decisão judicial e a solicitação da FUNAI, os índios pacificamente desocuparam aquela localidade no dia 08 de julho. No entanto, antes que o prazo de contestação dado à FUNAI expirasse, num ato covarde e sem a menor necessidade, foi precipitado, em 16 de julho de 2005, através de uma ação policial a destruição dos bens imóveis das famílias indígenas que já haviam deixado o local. Os "heróicos" servidores do IBAMA aproveitaram-se da ausência dos índios para demonstrar uma coragem que jamais teriam se eles (os Nukini) estivessem lá.

Diante dos fatos violentos cometidos contra o povo Nukini, relatados pelas suas lideranças, vimos perante a opinião pública:

1o. Esclarecer que o território pleiteado e ocupado pelos índios, conhecido como "Pé da Serra" (Aldeia Campum) configura parte integrante do territorial do povo Nukini, comprovado por vestígios de antigas habitações e sítios arqueológicos. Além disso, pela permanência histórica no local de famílias pertencentes à etnia que se recusaram a ser transferidas para o perímetro da Terra Indígena demarcada, que foi demarcada em 1985. Antes mesmo da atual Terra Indígena Nukini ter sido demarcada as famílias que hoje são consideradas invasoras pelo IBAMA e pela Justiça Federal já moravam no local. Algumas famílias foram transferidas pela FUNAI à época da demarcação da TI Nukini, para o perímetro da mesma, desrespeitando-se os mecanismos de organização social do grupo, que já evidenciavam a existência de facções.

Outras, entretanto, permaneceram e ainda permanecem no local. Mesmo os que foram transferidos e passaram a residir na Aldeia República continuaram a utilizar o local como espaço para plantios, área de caça, pesca, coleta de plantas medicinais e de matéria prima para o fabrico de artesanato. Com o passar dos anos frente ao crescimento demográfico das atuais aldeias e diante da insuficiência territorial da Terra Indígena demarcada, os Nukini passaram a pleitear revisão dos limites do seu território, como condição para sobrevivência física e cultural do grupo. Em função dos dinamismos das relações sociais internas, um grupo, cujas famílias são originárias da área "Pé da Serra", decidiu retornar ao seu território tradicional, isto é, ao local de antigas habitações, origem e nascimento de muitas pessoas. Desta maneira passaram a residi na área considerada tradicional, a despeito das pressões em contrário exercidas pelo IBAMA e pela ONG SOS Amazônia que insistem em não reconhecer territórios ancestrais indígenas como territórios legítimos de domínio dos mesmos. Aliás, ao considerarem a permanência de parte de famílias Nukini no local estimulam, indiretamente, o divisionismo no grupo, contrariando a missão precípua do Estado Brasileiro de zelar pela integridade dos povos indígenas que habitam o território nacional. Convém salientar que o local foi considerado tradicional já em 1977, conforme primeiros estudos realizados pela antropóloga Delvair Montagner Mellati, sob a responsabilidade da FUNAI.

2o. Denunciar que a região constitui foco de interesses privados, de consórcios entre o poder público, ONG's e empresas, visando o manejo turístico e expedições científicas. Com a criação do Parque Nacional da Serra do Divisor, em 1989, através do Decreto 97.839/89, sem ter sido realizado um levantamento sócio antropológico criterioso da população que habitava a região, o Estado, através do IBAMA e outros institutos, passou a desrespeitar e negar sistematicamente os direitos de ocupação das populações indígenas Nawa, Apolima-Arara, Nukini e outros, tratando-os como invasores em seus territórios tradicionais. Contra tal situação os povos indígenas começaram um processo de reivindicação de direitos, reconhecimento de suas identidades e concomitantemente, passaram a contestar os limites propostos para o PNSD, já que os mesmos sobrepõem-se aos seus territórios ancestrais.

3o. Condenar os interesses excusos e as atitudes discriminatórias e ofensivas, oriundos dos meios públicos (estadual e municipal) e de meios privados que insistem em descaracterizar os legítimos interesses dos povos indígenas, no caso específico dos Nukini, considerando-os como arruaceiros, aventureiros e índios piratas, como são denominados por setores da imprensa regional, pelo próprio IBAMA, por autoridades policiais, representantes de ONG's etc. Condenar ainda as tentativas de personalizar a ação do povo Nukini, no intuito de criminalizar pessoas, fato este evidenciado pela denúncia constante do Processo no 2005.30.000576-4 e do Relatório do Delegado de Polícia Civil, Ananias Pereira de Lima, que insistem em imputar delitos à pessoa de Paulo Nukini. Os Nukini, em sua totalidade, defendem a revisão da atual Terra Indígena, de sorte a incorporar as áreas de ocupação tradicional omitidas da demarcação de 1985, incluindo a área de ocupação da aldeia "Pé da Serra". A aldeia soma aproximadamente 19 famílias, totalizando 85 pessoas entre crianças e adultos, que estão dispostos a defender seu território de origem a qualquer custo. Neste sentido, o movimento indígena do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia, através de todos os seus entes constitutivos, bem como as entidades de apoio à causa indígena são solidários à reivindicação dos Nukini e lutarão para ver o seu direito à terra respeitado e reconhecido.

4o. Reivindicar da FUNAI a imediata revisão dos limites da área, delimitação e demarcação,visando garantir os legítimos direitos do povo Nukini,que historicamente foi vítima de um processo de expansão da sociedade brasileira na região, que representou genocídio, redução populacional e expropriação de territórios ocupados pelo grupo. Exige-se uma posição firme e segura desse órgão frente aos fatos no sentido de evitar o retorno do clima de violência que historicamente vem afetando o grupo. Ao mesmo tempo, exigir da FUNAI, através do procurador federal a seu serviço na Administração Regional de Rio Branco, uma defesa à altura do caso, buscando a suspensão imediata da Liminar, uma vez que o Processo está eivado de contradições e, principalmente, indenização pelos prejuízos que o IBAMA e seus apaniguados causaram.

5o. Exigir do IBAMA, enquanto órgão da estrutura do Estado, respeito aos indígenas, enquanto povos que possuem direitos originários, garantidos pela Constituição da República Federativa do Brasil, cujo cumprimento condiciona todos os órgãos da administração pública e não apenas alguns.

6o. Exigir do Governo Estadual o reconhecimento dos territórios indígenas demarcados e a serem definidos. Neste sentido, também condena-se as atitudes de organismos públicos estaduais e municipais que estimulam divisionismos no seio do movimento indígena com o objetivo de promover redução de seus territórios e a desqualificação de seus interesses legítimos.

Desta forma condenamos as arbitrariedades praticadas contra os Nukini, bem como denunciamos uma vez mais a omissão do poder público no reconhecimento dos legítimos direitos dos povos indígenas, principalmente de ocupar seus territórios tradicionais. Finalmente, o Movimento Indígena do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia e as entidades indigenistas alertam contra o clima de insegurança e tensão que atinge atualmente as relações entre índios e não-índios na região, que poderá redundar em cenário de maior conflito e violência desnecessários e indesejáveis.

OPIN - Organização dos Povos Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia
AIN - Associação Indígena Nukiri
OPIRE - Organização dos Povos Indígenas do Rio Envira
OPIRJ - Organização dos Povos Indígenas do Rio Juruá
OPITAR - Organização dos Povos Indígenas do Rio Taracuá
MAPKHA - Organização do Povo Manchineri
OPIAJBAM - Organização dos Povos Indígenas Apurinã e Jamandi de Boca do Acre-Amazonas
OCIAC - Organização das Comunidades Indígenas Apurinã e Kamadeni
SITUAKURI - Organização de Mulheres Indígenas do Acre, Sul do Amazonas e Noroeste de Rondônia
DFCCS/UFAC - Departamento de Filosofia, Comunicação e Ciências Sociais da Universidade Federal do Acre
COMIN - Conselho de Missão entre Índios
CIMI-AO - Conselho Indigenista Missionário - Regional Amazônia Ocidental.

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