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Faltou ao Brasil pensar grande no acordo do Clima

Valor Econômico, Opinião, p. A12
Autor: FERRETTI, André
21 de Out de 2016

Faltou ao Brasil pensar grande no acordo do Clima

André Ferretti

2016 está prestes a entrar para a história como o ano do Acordo de Paris - compromisso que visa conter a intensificação do aquecimento global e todas as suas consequências para o homem e o planeta. O Brasil foi protagonista nas negociações que levaram à concretização desse pacto global, o que merece ser reconhecido, mas pode e deve ir além no que diz respeito à sua contribuição para a redução de emissões de gases do efeito estufa (GEE).
Assinado em dezembro de 2015, o Acordo de Paris prevê diretrizes e metas para que os países reduzam as suas emissões de GEEs, de forma a manter o aumento da temperatura média global a menos de 2oC em relação aos níveis pré-industriais - e, adicionalmente, promover esforços para limitar esse aumento a 1,5oC. Com a ratificação de EUA, China, União Eu
O Brasil - que representa 2,48% das emissões de GEEs do globo - ratificou o Acordo em setembro. Com isso, o país se comprometeu a reduzir em 37% as emissões de gases de efeito estufa até 2025 e 43% até 2030, em relação aos níveis de 2005. Isso passa por investir em energias limpas, recuperar áreas degradadas, zerar o desmatamento ilegal na Amazônia
Para que os resultados propostos pelo Brasil fossem realmente significativos, era preciso que o ano-base para o cálculo da projeção de diminuição fosse pelo menos 2014 e não 2005, que foi o ano considerado na composição da meta. Isso porque os números de dez anos atrás não refletem o momento atual das emissões brasileiras. Por exemplo, em 2005, de acordo com os dados do SEEG/Observatório do Clima (http://br.seeg.global/), o Brasil emitia 2,3 bilhões de toneladas de GEEs. Na época, o principal emissor era o setor de mudança de uso da terra (desmatamento), que compreendia mais de 64% do total. Em 2014, o total de emissões desse setor foi de 1,55 bilhão de toneladas. Levando em conta as informações de 2005, seria preciso diminuir, até 2025, as emissões até chegar a cerca de 1,45 bilhão de toneladas de GEEs (compromisso de reduzir 37% do que foi emitido em 2005), número bastante próximo do que já foi atingido em 2014. Não faz sentido, pois a meta já foi praticamente atingida.
O Brasil ainda é campeão de desmatamento de floresta tropical. Embora o Plano Nacional sobre Mudança do Clima, de 2008, previsse o fim do desmatamento ilegal e a eliminação da perda líquida de florestas até 2015, isso não aconteceu. E, no ano passado, o país apresentou em Paris o compromisso de atingir o desmatamento ilegal zero na Amazônia em 2030.
É assustador ouvir que são necessários mais 14 anos para mudar este cenário e, ainda, acompanhar o desmatamento crescendo - dados recentes do Inpe mostram que a taxa de perda aumentou 24% de agosto de 2014 a julho de 2015, em relação ao período anterior. É uma obrigação moral e estratégica zerar o desmatamento o quanto antes, e não somente na Amazônia, mas também nos demais biomas brasileiros, como o Cerrado.
Outro compromisso brasileiro estabelecido no Acordo de Paris é atingir 45% de energias renováveis na matriz, sendo 33% de fonte não hídrica, como sol e vento. No entanto, foi anunciada recentemente a construção de uma termelétrica a carvão no Rio Grande do Sul, uma das fontes mais poluidoras.
Ademais, no início deste ano, o governo Federal vetou diversos pontos do seu Plano Plurianual - instrumento com diretrizes para o desenvolvimento das políticas públicas em médio prazo, que diziam respeito às energias renováveis não hidráulicas e às energias alternativas. Ou seja, como pensar em cumprir as metas se o principal instrumento legal de política energética não prevê o investimento necessário?
Além de honrar os compromissos assumidos no Acordo, o Brasil pode e deve envidar esforços para reduzir ainda mais emissões. Enquanto isso, precisa se preparar para as alterações inevitáveis que já estão sendo sentidas: para citar exemplos da realidade nacional, os dados da Defesa Civil mostram que até 30 de setembro deste ano, 1.309 municípios brasileiros haviam comunicado estado de emergência climática, como vendavais, seca ou enchente; no ano passado inteiro, 1.590 localidades notificaram emergências.
A Adaptação baseada em Ecossistemas (AbE) é uma inteligente maneira de melhor preparar as sociedades e os ambientes naturais para as alterações climáticas. Previsto no Plano Nacional de Adaptação à Mudança do Clima, o AbE tem sido utilizado mundialmente para designar iniciativas que consideram o uso da biodiversidade e dos serviços ambientais como parte de uma estratégia completa de adaptação à mudança climática.
Uma forma de aplicar na prática o conceito de AbE é priorizar o uso da infraestrutura natural em detrimento de projetos de engenharia convencional; por exemplo, para conter inundações, pode ser feita a recuperação de matas ciliares em vez da canalização de rios. Neste caso, a restauração das margens dos rios com vegetação nativa, além de potencialmente mais barata que a canalização, traz diversos benefícios adicionais, como a manutenção da biodiversidade local, o reestabelecimento da paisagem natural, a arborização urbana, o controle do microclima local, a absorção gradual da água da chuva, a redução de erosão e assoreamento dos cursos d'água e a proteção da população ao evitar a ocupação em áreas irregulares e suscetíveis à inundação.
Mesmo que o Acordo de Paris seja considerado um sucesso, isso não será suficiente para impedir o aumento dramático da temperatura do planeta e suas consequências se não houver mudanças em todas as esferas. É mais que passada a hora de países e cidadãos se unirem para reverter esta questão antes que seja tarde demais. E o Brasil tem aqui a possibilidade de se firmar como um líder global no que diz respeito ao desenvolvimento de baixo carbono aliado com estratégias de proteção, conservação e valorização do seu patrimônio natural.

André Ferretti é gerente de Estratégias de Conservação da Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza, coordenador geral do Observatório do Clima (OC) e membro da Rede de Especialistas em Conservação da Natureza.

Valor Econômico, 21/10/2016, Opinião, p. A12

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