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Faltam acoes que mudem o cenario

O Globo, Razao Social, p.12-13
06 de Set de 2004

Faltam ações que mudem o cenário
Por Amelia Gonzalez
O sinal amarelo está aceso. Um relatório recente feito pelo Ibase, ainda em fase final de execução, mostra que às vezes é grande a distância entre discurso e prática no movimento de responsabilidade social. Levando em conta o número de eventos, seminários, mesas de discussão e prêmios que se tem realizado sobre o tema no país, de 97 até agora, o empresariado brasileiro encampou a causa. Mas quando os dados dos balanços sociais das 231 empresas que mandaram o documento para o Ibase de 2000 até 2002 foram avaliados, descobriu-se pouco eco na retórica.
— É importante deixar claro que não estamos denunciando má-fé de empresários. O que queremos é jogar uma luz sobre esta realidade: os números não demonstram uma melhora qualitativa em campos que o Ibase acha fundamentais --- diz João Sucupira, coordenador de transparência e responsabilidade social do Ibase.
O dado mais impressionante mostra o investimento médio feito pelas empresas em educação por cada empregado(a). Em 2000 era de R$ 514,05; em 2001 baixou para R$ 421,23 e em 2002 foi para R$ 402,27. Como os valores estão corrigidos, estes números mostram que o investimento per capta vem diminuindo, e não avançando.
— Na prioridade dos investimentos sociais internos a educação sempre perde para alimentação, saúde, previdência privada, capacitação... que também são coisas importantes. Mas nosso objetivo é mostrar esta disparidade entre o discurso nossa prioridade é educação” e a prática nos investimentos --- diz Ciro Torres, um dos coordenadores do relatório.
Igualdade e diversidade são alguns dos itens básicos que qualquer empresa precisa respeitar, segundo os critérios do Ibase, para ser socialmente responsável. No entanto, pelos balanços sociais enviados, a participação da mulher e do negro em cargos de chefia ainda está muito aquém do que é desejável.
— Algumas pessoas vão dizer que 231 empresas não é um número significativo. Mas estamos lidando com uma amostra do que há de melhor em responsabilidade social. Estes empresários se comprometeram, publicaram um balanço social e nos enviaram os dados. Portanto, se a elite do movimento mostra este aspecto discrepante entre discurso e prática, é hora de cobrar. Nós não estamos céticos, pelo contrário. Acreditamos que as empresas são agentes que podem ser transformadores --- diz Sucupira.
Segundo Ciro Torres, quando fomos olhar os dados dos balanços sociais vimos que a transformação social, meta da responsabilidade social, não está ocorrendo”:
— É muito mais filantropia e ação social privada. Não há nada demais nisso, não somos contra, o país precisa. Mas são atitudes que não transformam um cenário social.
O Brasil é o terceiro país em número de empresas certificadas pela SA8000, ferramenta de gestão que assegura o compromisso social de empresas do mundo inteiro. Acima dele, só China e Itália. Portanto, como lembra Judi Cavalcanti, diretor do Gife, estamos muito melhores e avançamos muito de cinco anos para cá.” Mas, embora fazendo ressalvas a algumas conclusões do relatório do Ibase — Não se pode desconsiderar os mais de dois milhões de empresários que têm feito algum tipo de ação e não estão ali representados — ele concorda que estamos aquém do ideal:
— O que estes números refletem no que se refere à participação de negros e mulheres em empresas, é o nosso atual estágio de desigualdade e preconceito que existe em toda a sociedade, não só no mundo corporativo.
Habituado a lidar com o movimento não só na teoria como na prática, Judi acha importante o alerta. E acrescenta: os empresários têm que se dar conta de que a diversidade faz bem aos negócios.
— Quanto mais você tiver diversidade de sexo e de raça numa empresa mais você vai fortalecer e consolidar a gestão empresarial. O movimento de responsabilidade social é importante, entre outras coisas, para mostrar isso. Não é um modismo, já é uma tendência. Mas é uma mudança de cultura. Nossa sociedade tem uma característica de afetuosidade, o que explica tantas ações sociais.
Por isso é que o caminho é longo, acredita a pesquisadora Ana Peliano, do Institutode Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea):
— A responsabilidade social já entrou na agenda das empresas, mas o caminho é longo, tem que haver muito debate. Uma mudança de cultura não se faz de uma hora para outra.
Peliano crê que a pressão social vai forçar esta mudança. E que institutos e organizações como o Ibase, o Gife, o Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social estão provocando esta pressão. Ricardo Young, presidente do Uniethos, instituição sem fins lucrativos voltada para a capacitação propõe formas inovadoras e pragmáticas que permitam a gerentes e líderes conectados à causa fazer escolhas conscientes Até porque, como lembra Paulo Itacarambi, diretor do Ethos, este é o momento”:
— Estamos falando de negócios, de lucratividade. E a empresa que quiser estar adiante no ranking tem que ter uma atitude socialmente responsável. É um caminho sem volta.
Informação é fundamental, diz economista
O fundamental que as empresas divulguem suas ações sociais, até para servir como exemplo. A isto se chama marketing social. O problema é quando este marketing se transforma em oportunismo.
- Se uma empresa gasta em divulgação muito mais do que uma simples doação que fez para uma escola ou comunidade, é claro que isto é oportunismo. Não adianta nada a empresa doar e poluir. O que se quer é que ela doe e não polua o meio ambiente — diz Ciro Torres.
É do que trata a tese de doutorado Ação social das empresas privadas e metodologia para avaliar resultados”, da economista e consultora do Ipea Maria Cecilia Prattes. Para ela, fazer uma jogada de marketing com a pobreza dos outros é um absurdo”.
- Eu proponho uma metodologia para avaliar resultados. Serve para ver se pelo menos o que as empresas anunciam que fazem está realmente sendo feito. O governo faz ação social, ele tem compromisso com eqüidade, sustentabilidade e eficiência. A empresa tem compromisso primeiro com o que ela anuncia que faz. E tem que trazer benefícios porque não é governo.
A questão, segundo Maria Cecília, é a falta de informação. Avaliação semelhante à do Instituto Ethos, que criou um braço na instituição, o Uniethos, com o objetivo de oferecer soluções educacionais para o meio empresarial nos temas Responsabilidade Social e Desenvolvimento Sustentável.

O Globo, 06/09/2004, p. 12-13 (Razão Social)

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