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Falta uma política clara"

O Liberal-Belém-PA
20 de Abr de 2005

Coordenador do Cimi Norte II diz que a situação piorou para os índios nos anos de governo Lula

O sociólogo Claudemir Monteiro, 37, coordenador regional do Conselho Indigenista Missionário (Cimi) - Regional Norte II, que reúne etnias do Pará e Amapá, não poupou críticas à política indigenista do governo Lula no dia do Índio.

Além do aumento da taxa de assassinatos de índios nos últimos anos, ele reclamou das invasões indiscriminadas de terras e o grande número de demarcações de terra por fazer no Pará.

As questões indígenas nacionais e particularmente no Pará estão mais graves hoje que cinco anos atrás ou não há tanta diferença?

O atual governo ainda não respondeu suficientemente para a questão indígena nacional e regional. Até agora, em dois anos e três meses, foram 63 assassinatos de indígenas em todo o País. Em comparação ao governo passado, houve um aumento assustador, em torno de 60% de assassinatos de índios. Desses, pelo menos 24 foram mortos pela questão da luta pela terra. Outro fato marcante são as 22 mortes de crianças Guarani-Kaiowá, na Aldeia de Dourados, no Mato Grosso do Sul. Ainda há 55 crianças internadas. Por que essas crianças estão morrendo de desnutrição em plena época do Fome Zero?

O senhor poderia destacar quais são os pontos mais preocupantes dessa situação?

Para nós indigenistas e dos movimentos indígenas, preocupa-nos a falta de uma política indigenista clara nesse governo. É como se você quisesse dirigir um carro em que não existisse um volante. Sem uma política indigenista para atender às demandas dos povos indígenas não se consegue demarcar e garantir as terras, tal como sugere a Constituição Federal. O mesmo acontece para a saúde indígena.

Se a atribuição para essa realidade mudar é do governo federal, por que não ocorre a transformação de maneira significativa?

Há fatores que influenciam a gestão governamental para a questão indígena. E uma delas é o fator político. Por exemplo: vou pegar a questão dos índios Arara de Cachoeira Seca, próximo de Altamira. Para demarcar a terra deles, o governo se propôs a primeiramente escutar os grupos não-indígenas, que são as famílias de trabalhadores rurais assentadas erroneamente pelo Incra (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária) na década de 1980, as madeireiras interessadas em explorar o território indígena, os fazendeiros interessados em criar gado, a Prefeitura de Uruará querendo garantir seu eleitorado dentro da terra indígena, os grupos políticos interessados em manter seu curral eleitoral. Quando o fator político fala mais alto, emperra todo procedimento demarcatório. Isso aconteceu com a redução da Terra Indígena Baú do povo caiapó, aconteceu para homologar a terra do povo macuxi, a Raposa Serra do Sol, homologada na última sexta-feira após uma espera de 10 anos.

Como identificar as maiores falhas da política indígena?

A maior falha desse governo foi não considerar a questão indígena com a especialidade que ela merece. Não dá para tratar da questão indígena como qualquer outra questão política, como se trata a questão agrária. Por exemplo: o atual ministro da Justiça (Márcio Thomaz Bastos) nunca deveria ter assinado uma portaria de demarcação reduzindo a terra Baú do Povo Caiapó baseando-se em um suposto acordo, entre invasores e indígenas, feito em outubro de 2003. A Constituição Federal, nos capítulos 231 e 232 dos índios, garante a terra para eles. Mas em nome de um suposto acordo feito sob pressão, em busca de atenuar uma situação social de conflito, reduziu-se a terra indígena desrespeitando uma lei constitucional. Outra situação interessante: abriram-se vagas para indígenas se inscreverem no programa Pro-Uni. Das 14 mil vagas dispostas para eles no País, somente um pouco mais de 4 mil vagas foram preenchidas. Mas como queremos colocar os índios na universidade sem antes ter garantido que esses indígenas possam ter acesso ao ensino médio? Na maioria das milhares de aldeias espalhadas por este Brasil, o ensino se estrangula no fundamental. Não há continuidade. Um ou outro indígena se aventura a ir para a cidade. Mas muitos acabam desistindo e voltam frustados para as suas aldeias.

O risco de desaparecimento de povos indígenas ainda existe?

Na Amazônia, há aproximadamente 30 povos livres ou sem contato. As invasões de terras, pelas mãos de especuladores, grupos de madeireiras, garimpeiros, caçadores, entre outros, colocam em risco essas populações com pouco ou nenhum contato. Se não houver garantia de terras para essas populações, que não são numerosas, certamente desaparecerão.

Quais os povos indígenas que historicamente mais foram prejudicados?

Todos os 48 povos indígenas foram prejudicados. No entanto, povos inteiros aqui do Pará desapareceram. Segundo livros de pesquisa, mais de 223 povos foram extintos no Estado, entre os quais destaco os povos Abaiaté, Anajá, Aruã e Tacuju, que habitavam o Marajó e ilhas adjascentes. No entanto, grupos tidos como extintos voltam hoje, em pleno século 21, a reivindicar o reconhecimento étnico e territorial, como acontece com os da região de Santarém: os Tapajó, Tupaiú, Tupinambá, Maitapú, Bororo, Cara-Preta, entre outros.

Quais os problemas locais mais graves?

Aqui no Pará destacamos três conflitos gritantes. A terra indígena Alto Rio Guamá, onde vivem os Tembé. São mais de 40 anos de invasões e tentativa de retirar os invasores de lá. Apontamos também as terras indígenas Apitereua, do povo Paracanã, que foi reduzida em 1996 e os novos invasores - fazendeiros e grileiros - estão propondo novamente uma outra redução. O mesmo acontece com a terra indígena Cachoeira Seca, do Povo Ugorogmo - Arara -, que desde 1989 aguarda a demarcação e não sai devido ao fato consumado dos assentamentos instalados ali pelo Incra. Além desse problema, a área está sofrendo terrível desmatamento e grilagem de terra.

Sempre se falou de influências negativas do branco sobre o índio para que este perdesse os valores, o espaço em que vive e muitas vezes a própria vida. Que ranço desse aspecto ainda persiste?

Toda cultura se relaciona. Nesse relacionamento acontecem as trocas de valores sociais, culturais e econômicos. Os povos indígenas, nesses 505 anos de relação com a nossa sociedade nacional, muito já assimilaram do nosso mundo, como a mudança de comportamento no vestir, falar e no ter os mesmos bens materiais que possuímos. O bom nisso tudo são os indígenas que passam a se preocupar mais e mais em manter a sua cultura, como os Tembé do Guamá, que estudam a língua materna para recuperar seus elementos de fala.

Mas nesse aspecto houve evolução ou perda de identidade?

Houve transformação das identidades. A miscigenação é a marca da cultura brasileira. Na história dos índios do Brasil e do Pará há registros que mostram que em determinados momentos foi até forçada. Tendo como exemplo os Tembé, na década de 60, época do Serviço de Proteção aos Índios, período em que vigorava a política de integração do índio à sociedade nacional, houve uma facilitação na entrada de invasores para casarem com esses índios. Porque a intenção ali era terminar com o último grupo de Tembé que existia na concepção deles. Resultado: os Tembé não acabaram, a mistura provocou uma descaracterização do fenótipo indígena, como os olhos puxados e os cabelos lisos, mas não matou a identidade indígena, e até a reforçou. Por isso encontramos muitos indígenas com rostos diferentes, indígenas negros, indígenas com olhos claros ou cabelos loiros. Mas os destruidores dos índios não conseguiram destruir o coração indígena. É lá que fala mais alto a identidade étnica.

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