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Falta de tratamento médico provoca a morte de 26 índios

O Liberal-Belém-PA
26 de Jan de 2006

Pelo menos 26 índios mundurucus, incluindo recém-nascidos e adultos, morreram no ano passado por não terem recebido tratamento rápido e adequado da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) na região do oeste paraense, principalmente no município de Jacareacanga, onde existem 105 aldeias. Os caciques da tribo que acusam o órgão federal reclamam que muitas das pessoas que morreram poderiam ter sido salvas se a Funasa fosse mais presente nas aldeias, levando não apenas médicos e enfermeiros, mas sobretudo medicamentos para cuidar de doenças como pneumonia, diarréia, malária e desnutrição infantil.

A direção da Funasa em Brasília, por meio de sua assessoria de imprensa, informou ontem a O LIBERAL que uma força-tarefa, composta por médicos, enfermeiros e técnicos em saúde indígena viajam hoje para Jacareacanga em avião fretado para atender os doentes nas aldeias, inclusive levando medicamentos.

Os caciques criticam o descaso da Funasa com a saúde indígena e apresentaram ontem uma relação com nomes, idade e dia em que os índios morreram, afirmando que a tribo está revoltada com o abandono que vem sofrendo. Eles reafirmam que o problema é político, já que a Prefeitura de Jacareacanga deixou de receber recursos do órgão por ser administrada por um prefeito que não é do PMDB, partido do deputado federal Jáder Barbalho, responsável pela indicação de Parsifal Pontes, coordenador da Funasa no Pará.

Irresponsabilidade - Pela relação entregue a O LIBERAL, morreram quatro adultos e 16 crianças, além de outras seis cujas mães, grávidas, perderam os filhos ainda dentro da barriga. Os números demonstram que não está "tudo bom", nas aldeias dos mundurucus, como alegou Parsifal Pontes durante audiência na semana passada com representantes dos índios que vieram a Belém para tratar de suas doenças. Sobre o atendimento e cuidados com as crianças, salientam os caciques, o quadro revela que vai tudo mal e só a Funasa não quer ver, fugindo de sua responsabilidade.

No caso dos seis natimortos, o índice de mortalidade pode ser considerado elevado em se tratando de um país cujas autoridades federais alardeiam estarem conseguindo reduzi-lo. A morte da criança ocorrida no hospital de Jacareacanga, na sexta-feira passada, enseja uma acusação dos índios: a Funasa demorou em atendê-la. Em relação aos outros casos, o problema, mais uma vez, foi a demora em medicar preventivamente os doentes. "A situação é crítica e mais índios correm risco de morte", lamentou o cacique José Crixi.

Em nota, a Funasa de Brasília garante que todo o atendimento médico na região tem funcionado "normalmente, sem prejuízo ou redução". Na área onde ocorreu a morte da criança na sexta-feira, 20, o órgão assegura que mantém uma equipe multidisciplinar de saúde, formada por um médico, dois odontólogos, oito enfermeiros, 30 técnicos de enfermagem, 32 Agentes Indígenas de Saúde (AIS) e oito Agentes Indígenas de Saneamento (Aisan), que se revezam nas aldeias.

Diz ainda a nota que a criança foi atendida pela equipe multidisciplinar da Funasa, que a encaminhou para tratamento em hospital de referência na região, onde veio a falecer. Sobre a acusação de que estaria subordinada a ingerências políticas como a de Jáder Barbalho, o órgão explica que as coordenações regionais são subordinadas à presidência da Fundação, em Brasília, que realiza "todas as análises para aprovação de convênios e a liberação de recursos para as regionais e distritos sanitários especiais indígenas, sem obedecer a critérios político-partidários".

Alega, mais adiante, que os critérios considerados para o atendimento aos índios obedecem análises epidemiológicas, ambientais e relativas ao Índice de Desenvolvimento Humano do município ou da região analisados.

Veja a lista de mortos

Nome Idade Data do falecimento
Merinalda Sace 2 meses 10/06/2005
Maurivan Dace 11 meses 13/06/2005
Ricardo Puxu 39 anos 26/06/2005
Anildo Saw 9 anos 04/06/2005
Floriano Dace 50 anos 23/06/2005
Gercilene Cogô 4 anos 22/06/2005
Natimorto 0 18/06/2005
RN (*) 3 dias 5/07/2005
Elcimar Akay 1 mês 31/07/2005
Marcianiano Sau 9 meses 29/08/2005
Adiel Kirixi 9 meses 13/08/2005
Natimorto 0 25/08/2005
RN 7 horas 12/08/2005
Natimorto 0 31/08/2005
RN 13 horas 06/09/2005
Raiane Wayo 5 meses 01/09/2005
RN 5 minutos 02/09/2005
Natimorto 0 25/09/2005
Natimorto 0 14/10/2005
RN 40 horas 15/10/2005
Danito Vkopi 5 meses 31/10/2005
Jocivan Wayo 2 anos 27/10/2005
Marinilda Kirixi 7 meses 21/11/2005
Natimorto 0 05/12/2005

Não divulgado (**) - Não divulgada
Não divulgado - Não divulgada

Sindicato de servidores acusa coordenador de omissão

O Sindicato dos Trabalhadores no Serviço Público Federal no Pará (Sintsep) entrou com representação ontem na Procuradoria da República pedindo que seja instaurado procedimento criminal contra o coordenador da Fundação Nacional de Saúde (Funasa) no Estado, Parsifal Pontes. A entidade quer que seja apurada a notícia, publicada em O LIBERAL no domingo, 22, sobre as mortes de índios da etnia Munduruku, da aldeia Sai Cinza, no município de Jacareacanga, situado na divisa do Pará com o Mato Grosso. A maioria faleceu por desidratação provocada por diarréia intensa. Outros índios da mesma aldeia estão doentes de gripe, pneumonia, malária e também de diarréia.

O vice-prefeito de Jacareacanga, José Krixe Munduruku, e o vereador do município, Isaías Krixe Munduruku, denunciam que os índios estão sem remédios e atendimento médico desde o ano passado, quando a Funasa suspendeu o convênio com aquela prefeitura e passou a trabalhar com a Organização Não Governamental (ONG) denominada "Fundação Esperança", com sede em Santarém, no oeste paraense. Também não há como transportar os doentes da aldeia isolada porque a lancha usada pela Funasa está com defeito.

"Queremos que a Funasa tenha responsabilidade pelo tratamento dos índios, através do Ministério da Saúde", ressalta o advogado do Sintsep, Pedro Cavalero. Na representação, o sindicato relembra o caso dos oito índios Xikrins mortos em Marabá, em 1998, na ocasião em que a Funasa protelou a assinatura do aditivo de convênio com a prefeitura daquele município, o que garantiria o atendimento médico aos doentes.

"Caso a Procuradoria da República do Pará não tome providência, vamos levar (o caso dos índios mundurukus) à Corregedoria do órgão, em Brasília", ameaçou o advogado, pois afirma que as muitas denúncias oferecidas pelo Sintsep não costumam ser apuradas pelo Ministério Público Federal, inclusive, a que se referiu ao episódio dos xikrins.

(*) A sigla RN se refere a criança sem registro de nascimento.
(**) Os nomes e as datas das duas mortes não divulgadas, segundo os caciques mundurucus, não puderam ser obtidos porque os óbitos ocorreram em
Belém, para onde os doentes foram removidos.

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