VOLTAR

Falta de estímulo trava doações no Brasil

FSP, Mercado, p. B1-B4
21 de Jan de 2011

Falta de estímulo trava doações no Brasil
País que bate seguidos recordes de arrecadação de imposto poderia duplicar o volume de filantropia, indica estudo
ONGs propõem revisão da regulação a fim de aumentar o potencial de doações, que hoje chegam a R$ 7,9 bilhões

Toni Sciarretta
Da São Paulo

O Brasil tem potencial para duplicar o volume de doações e mobilizar mais de US$ 9,4 bilhões (R$ 15,8 bilhões) anuais
-equivalentes a 0,6% do PIB de 2009- para financiar entidades beneficentes e projetos sociais, além de ajuda humanitária em tragédias como a do Rio de Janeiro, segundo estudo da consultoria McKinsey.
Apesar de bater recorde de arrecadação, o Brasil mal consegue canalizar US$ 4,7 bilhões (0,3% do PIB, hoje R$ 7,9 bilhões) para a filantropia, atrás da média mundial de 0,8% do PIB e da latino-americana, de 0,4%.
Não faltam projetos carentes de recursos, pessoas necessitadas do básico, muito menos empresas e pessoas interessadas em doar, como provam as centenas de iniciativas para levar recursos às vítimas da chuva no Rio.
O problema é como fazer a ponte entre os querem doar e os que precisam de dinheiro.
Para reverter o quadro, ONGs e captadores de recursos propõem um novo marco regulatório do terceiro setor, que chegou a ser discutido na época da eleição com a presidente Dilma Rousseff.
Eles sugerem isenções fiscais, uma melhor seleção das entidades beneficiadas e capacitação das ONGs na prestação de contas para reforçar a "força de venda" de seus projetos beneficentes.
O Brasil figurou no ano passado como 76ª nação no ranking de filantropia de 153 países da fundação britânica CAF (Charities Aid Foundation), que, além das doações em dinheiro, inclui doação de tempo (voluntariado) e ajuda a estranhos _só 25% afirmaram ter feito algum tipo de doação, 15% fizeram trabalho voluntário e 49% ajudaram um estranho.
Austrália, Nova Zelândia e Canadá lideram com 70%, 68% e 64% da população doadora de dinheiro.
"Isso é incompatível com a oitava maior economia do mundo", disse Rodrigo Alvarez, representante no Brasil da Resource Alliance, ONG que capacita as demais a receber recursos.

Brasil estimula pouco e até pune doador
País é um dos poucos que tributam doações; em São Paulo, imposto leva 4% de valores acima de R$ 41 mil
Nos EUA, os maiores doadores são pessoas físicas e o governo fica com até 50% de heranças bilionárias

De São Paulo

Além de estimular pouco as doações, especialmente de pessoas físicas, o Brasil é um dos poucos países que punem quem faz doação.
No país, há o ITCMD (Imposto de Transmissão de Causa Mortis e Doação), tributo estadual que costuma levar até 5% do valor das doações. Em São Paulo, as doações acima de R$ 41 mil são tributadas em 4% -alíquota maior que os 2,5% incidentes na venda de imóveis.
As regras brasileiras contrastam com as de países campeões da filantropia.
Nos EUA, as empresas abatem até 10% dos impostos, enquanto no Brasil o teto é de 6%, somando benefícios das leis de incentivo a cultura, esporte e projetos sociais.
Um americano chega a deduzir as doações em até 50% de sua renda bruta; se não conseguir abater tudo no ano da doação, pode levar o restante para até cinco anos.
O maior incentivo à filantropia nos Estados Unidos, no entanto, vem dos impostos sobre herança. Nos EUA, os "mortos" são tributados em até 50% daquilo que deixam para filhos e demais herdeiros -daí a proliferação de fundações privadas de bilionários como Warren Buffett e Bill Gates.
Em 2009, a filantropia girou US$ 303 bilhões no país.
"Os EUA têm regras generosas; o Brasil quase não tem regras e elas não estimulam as doações. Só grandes corporações conseguem se beneficiar. O povo brasileiro é solidário, mas há uma desconfiança de algumas ONGs e faltam incentivos e canais mais fáceis para doação", disse Juliana Ramalho, advogada do Mattos Filho, especializada no terceiro setor.
Entre os maiores doadores brasileiros estão os empresários Antônio Ermírio de Moraes (Votorantim), Jorge Gerdau (Gerdau), Elie Horn (Cyrela), Renata Camargo (Camargo Corrêa) e Norberto Odebrecht (Odebrecht).
Bandeira histórica do PT, o imposto sobre grandes fortunas desapareceu do debate nas últimas duas eleições.
O tributo foi criado pela Constituição de 1988, mas nunca foi regulamentado.
Uma das propostas era da deputada Luciana Genro (PSOL-RS), que previa taxar entre 1% e 5% as fortunas acima de R$ 2 milhões.
Antes de ser presidente, o então senador Fernando Henrique Cardoso (PSDB) também elaborou uma proposta de imposto sobre grandes fortunas, mas a ideia nunca prosperou.
(Toni Sciarretta)

No mundo
KATRINA GEROU US$ 4 BI EM DOAÇÕES

Catástrofes naturais como o tsunami asiático, o furacão Katrina e o terremoto no Haiti são os incidentes que mais despertam a generosidade das pessoas. As vítimas do Katrina arrecadaram mais de US$ 4 bilhões, e as do tremor no Haiti, outros R$ 300 milhões só nos EUA, segundo a Fundação Given USA.

E eu com isso?
Fundo para criança permite abatimento

DE SÃO PAULO

Quem quiser fazer uma doação para as vítimas da chuva no Rio, além de dificuldade para escolher uma forma segura de fazer seu dinheiro chegar aos necessitados, não tem possibilidade de abatimento.
A doação com benefício fiscal mais acessível é para o Fumcad (Fundo Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente), que permite abater 1% do Imposto de Renda.
"Na declaração, até há um campo para preencher as doações, mas quase ninguém usa nem guarda recibo, porque não serve para nada", disse Rodrigo Alvarez, da Resource Alliance.
Hoje, há uma maior profissionalização dos captadores, mas focada em empresas e grandes doadores (mais de R$ 50 mil anuais). O desafio das ONGs brasileiras é criar mecanismos para a classe média fazer doações de R$ 50 e R$ 100.
O Idis (Instituto para o Desenvolvimento do Investimento Social), que ajuda a ligar grandes doadores a projetos sociais, quer importar para o Brasil a doação por cartão pela internet.
"No Reino Unido, tem até desconto em folha de pagamento para doação", diz Marcia Woods, do Idis.

Filantropia adota gestão de resultado no lugar de ação "missionário-caritativa"

Marcos Flávio Azzi
Especial para a Folha

A filantropia no Brasil vem sofrendo uma importante transformação.
Cada vez mais, o setor vai deixando a atuação "missionário-caritativa", predominante há quatrocentos anos, e vem surgindo uma atuação social com foco em gestão, visão de longo prazo e atuação na causa em vez da consequência.
Esse novo foco tem como principais diferenciais o conhecimento da real necessidade da demanda (e não apenas do que se pode ofertar) e o trabalho em rede.
As instituições filantrópicas que atuam dentro desse conceito estipulam metas no início do projeto e trabalham com cobrança periódica de resultados -os projetos podem até ser cancelados no meio do período de acordo com o desempenho.
Trata-se de ter planejamento estratégico de longo prazo e aderência à missão e à visão -ter em mente onde se quer chegar, e não o aqui e agora.
Estamos entrando num período em que o poder público está assumindo um importante papel de lidar com as necessidade básicas de saúde, educação e moradia, com necessidade de recursos em escala sem precedentes.
Nesse contexto, as empresas podem transferir know-how, utilizar incentivos fiscais e estruturar conselhos para acompanhar o desempenho dos projetos sociais por elas apoiados.
Já o terceiro setor está se acelerando e se transformando, mas sofre. Não poderia ser diferente, já que lida com uma mudança cultural de apoiadores e apoiados.
Precisamos aproveitar essa ebulição para entregar o prometido e superar as expectativas.
Um dos principais desafios é encontrar a relação ótima entre os custos administrativos e de manutenção e o impacto na ponta.
Essa relação não é simples, pois, se reduzirmos muito nossos investimentos em pessoal administrativo, isso nos obriga a remunerarmos nossos funcionários abaixo do que um bom profissional receberia numa empresa.
Com isso, fica prejudicada nossa eficiência no curto prazo e, consequentemente, nosso crescimento e sustentabilidade no longo prazo.

Marcos Flávio Azzi é diretor do Instituto Azzi.

FSP, 21/01/2011, Mercado, p. B1-B4

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me2101201103.htm
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me2101201104.htm
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me2101201105.htm
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me2101201106.htm
http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me2101201107.htm

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.