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Falta de chuva castiga quem trabalha sob o sol em Brasília

Correio Braziliense - www.correiobraziliense.com.br
Autor: Naira Trindade
21 de Ago de 2010

Brasília está cinza. O famoso céu azul das músicas de Djavan está coberto por uma névoa escura e seca. Há quase três meses, a terra vermelha da capital federal não é molhada por sequer uma gota de chuva. A poeira está por toda parte: invadindo casas, apartamentos e prédios comerciais. Alguns profissionais encontram, no conforto do ar-condicionado, uma saída para amenizar a seca e o calor. Outros, no entanto, têm que enfrentar exaustivas jornadas de trabalho embaixo do sol quente e em meio ao pó vermelho.

A cor amarelada das folhas secas caídas no chão do Parque da Cidade revela que há 86 dias não chove no Distrito Federal. O capim estala ao pisar. Qualquer acidente com fogo seria um desastre ambiental. Em meio ao mato de cor apagada, o uniforme laranja dos garis chama a atenção. Faça chuva ou faça sol, os profissionais da limpeza labutam na retirada dos materiais espalhados pelo Parque da Cidade. São 15 garis para cuidar de toda a área diariamente. Jolanda Costa Dias, 39 anos, moradora de Ceilândia, é um deles. Na bolsa, um "kit seca" auxilia nas oito horas diárias de trabalho. Creme para as mãos, bombinha para a bronquite asmática, soro nasal, cacau labial e muito protetor solar.

Os cuidados ficam redobrados até meados de outubro e novembro, quando começam as chuvas e a seca dá uma trégua. "Essa é a época mais difícil do ano. Não há saúde que resista. Estive no hospital por duas vezes com crises de bronquite por causa desse tempo", contou. "Quando a tosse ataca, só mesmo os medicamentos injetáveis e a nebulização com remédios", frisa a auxiliar de limpeza. O chapéu na cabeça ameniza o sol quente na moleira durante as longas caminhadas pelo Parque da Cidade. "Quando limpamos os estacionamentos, tentamos nos esconder nas sombras, mas na maioria das vezes somos obrigados a enfrentar sol, poeira e seca", completou Valvir Pereira Santos, 40, morador de Brazlândia. "Nessa seca, bebo quatro litros de água por dia para não adoecer", emendou o outro gari.

A menor umidade relativa do ar registrada este ano foi em 18 de julho, quando os termômetros marcaram 15%. O recorde registrado no DF, no entanto, é de setembro de 2004: 10%. "O clima do DF é tropical de savana e, nesta época do ano, temos uma massa de ar que predomina na região central e desfavorece a formação de nuvens de chuvas", explicou a professora de geologia da Universidade de Brasília Ercilia Torres. "O tempo seco não é específico apenas do Distrito Federal, mas de todo o Centro-Oeste", esclareceu.

A sensação de secura aumentada pelo calor esquenta a ação dos brigadistas. De junho a novembro, os 14 profissionais que atuam na Reserva Biológica da Contagem não têm trégua. Em poucos segundos de descuido, o fogo se transforma numa ameaça que destrói o cerrado. Por isso, nos meses mais críticos, três equipes se dividem numa vigilância constante em pontos diferentes da área de aproximadamente 30 mil hectares. "Observamos das 7h às 19h. À noite, ficamos sob alerta. Qualquer sinal de fumaça, somos acionados para combater o foco de incêndio", explicou o coordenador da equipe de brigadistas, Reinaldo Sérgio Klitzke Júnior, 23 anos, morador da Vila Basevi, área vizinha à reserva ambiental.

De cima do penhasco é possível ver quase toda a região. Um caminhão fica carregado com bombas costais, abafadores, enxadas e facas. Até a última terça-feira, os brigadistas registraram 29 focos de incêndio na Reserva da Contagem. "O número já é superior ao registrado ao longo de todo o ano passado. É preciso uma maior conscientização neste período", pediu. Brigadista há quatro anos, Elias Alves de Abreu,34, evita sair de casa nos dias de folga para ficar atento a qualquer chamado. "As equipes se dividem, mas, se for preciso, todos se reúnem para ajudar a apagar os focos. Dos 29 registrados, apenas três foram de grandes proporções, ou seja, maiores que 10 mil hectares (aproximadamente 10 campos de futebol). O restante é combatido antes de devastar áreas maiores.

Poeira no ar
A cada caminhão que passa, uma nuvem de poeira vermelha sobe próximo às obras do Noroeste. De olho no topógrafo, o morador de Taguatinga Fabrício Willian Gonçalves Trindade, 24 anos, não vê alternativa a não ser respirar todo o pó ao redor. "Não dá para usar máscara porque teremos que trocá-la de três em três horas. Não adianta", contou o técnico de topografia. O local de trabalho não é estratégico. "Não posso descuidar do topógrafo. Tenho que observar mesmo sob a poeira dos caminhões", justifica. Ao lado dele, o auxiliar de topografia Flávio dos Santos Sousa Silva, 24, sofre com problemas respiratórios. "Só este ano já tive que correr para o hospital duas vezes", contou.

O tempo seco pode trazer também traumas cardíacos. "Com a umidade do ar baixa, a tendência da poeira é ficar mais superficial. Os profissionais que trabalham diretamente com a poeira sofrem mais e correm o risco de ter problemas cardíacos porque o coração precisa receber oxigênio", explicou o pneumologista e professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília Ricardo Marins. "Uma das saídas é umidificar o ambiente ou o solo, no caso de poeira. Talvez um caminhão pipa amenize um pouco a situação", aconselhou o professor.

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