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Falta de assistência médica provoca mortes no Alto Rio Negro (AM)

Site do ISA-Socioambiental.org-São Paulo-SP
Autor: Oswaldo Braga de Souza.
15 de Dez de 2004

Governo protela solução do problema e negligencia atendimento de saúde de mais de 28 mil índios na região

Em um único mês, cinco pessoas - entre elas uma criança de menos de um ano - já morreram por causas evitáveis, como diarréia e infecção, dentro do Distrito Sanitário Especial Indígena (DSEI) do Alto Rio Negro, na região de São Gabriel da Cachoeira (AM), 850 km a noroeste de Manaus. Há mais de trinta dias, a assistência médica prestada pela Federação das Organizações Indígenas do Rio Negro (Foirn) está paralisada por causa da interrupção do repasse de verbas da Fundação Nacional de Saúde (Funasa), subordinada ao Ministério da Saúde.

Ao todo, mais de 28 mil indígenas de 22 etnias estão sem atendimento. Serviços básicos como vacinação, pré-natal, controle de peso das crianças e fornecimento de remédios controlados estão suspensos. Pacientes com hipertensão, tuberculose, hanseníase e epilepsia, por exemplo, que precisam de tratamento continuado, estão sem medicação. Esta é a quarta paralisação das atividades do DSEI-Alto Rio Negro só em 2004.

Hoje, dia 14 dezembro, cerca de 50 lideranças e representantes de diversas organizações indígenas invadiram a sede da Funasa em Manaus para cobrar a normalização dos repasses federais. Participam da mobilização integrantes da Foirn, do Conselho Geral da Tribo Ticuna (CGTT), do Conselho Indígena do Vale do Javari (Civaja), da Organização dos Povos Indígenas do Meio Purus (OPIMP) e da União das Nações Indígenas de Tefé (Uni-Tefé). As entidades estão encaminhando uma carta-protesto ao Ministério Público Federal.

"Com tantos dias parados, já constatamos um significativo aumento, de mais de 35%, no índice de mortalidade infantil na região", aponta Ernane Guimarães, coordenador técnico do DSEI. Ele informa que a taxa subiu de 61,3 crianças mortas por 1000 nascidas, em 2003, para 82,9/1000, até novembro deste ano. Vale lembrar que a média nacional é de 27,5/1000! Segundo Guimarães, a intenção era chegar a 95% de cobertura vacinal na região até o fim de dezembro. Agora, a previsão é de que ela não passe de 70%.

Três meses sem recursos

No dia 8 de novembro, o DSEI interrompeu seu trabalho por causa do atraso de mais de três meses na transferência de recursos da Funasa - o último depósito aconteceu em agosto. Mais de 320 profissionais, entre médicos, dentistas, enfermeiros, técnicos e agentes de saúde, estão sem receber desde então. Até dezembro, a dívida da Funasa com a Foirn soma R$ 2,5 milhões.

Quase todos os servidores da Casa do Índio, que presta assistência médica em São Gabriel da Cachoeira (AM) pelo distrito, foram liberados para procurar outra forma de sustento para suas famílas. Sem o atendimento nas aldeias e com apenas cinco funcionários trabalhando (de um total de 16), a instituição está superlotada e operando em péssimas condições.

"Em mais de três semanas de contatos e negociações, não obtivemos uma resposta concreta. Eles repetem que vão regularizar a situação e realizar o depósito, mas até agora não vimos o dinheiro", critica Guimarães. Ele conta que chegou a ir a Brasília com o presidente da Foirn, Orlando José, para tentar resolver problema diretamente com a presidência da Funasa. Os dois foram recebidos pela diretoria do Departamento de Saúde Indígena (DSAI) e por assessores da presidência da Fundação, mas também não obtiveram nenhuma sinalização de que a situação seria resolvida.

Mudanças propostas pelo governo causam protestos

Em abril deste ano, várias modificações foram introduzidas no convênio entre a Funasa e a Foirn por conta de sua renovação. A organização indígena passou a arcar com os custos de insumos e dos salários, inclusive dos encargos trabalhistas, enquanto que a Fundação assumiu as despesas com medicamentos, equipamentos e apoio logístico.

Em maio e junho, entretanto, o convênio ficou suspenso, o que protelou o pagamento dos encargos salariais do período. Depois da renovação do contrato, inicialmente a Funasa autorizou os pagamentos pendentes com os novos recursos. Em todo o País, em situações semelhantes, ocorreu a mesma coisa. O problema é que a Coordenação Geral de Convênios (CGCON), órgão da própria Fundação responsável pela prestação de contas dos convênios, não aceitou a autorização e suspedeu os repasses.

As mudanças atenderam à nova política para saúde indígena proposta pelo governo no início do ano. A partir de então, as ações do atendimento às aldeias foram centralizadas na Funasa e todos as transferfências federais foram suspensas, deixando às organizações conveniadas apenas o trabalho de capacitar e contratar mão-de-obra.

As modificações suscitaram indignação de várias lideranças e provocaram protestos do movimento indígena, incluindo um manifesto assinado por oito entidades, entre elas a Foirn, a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e o Conselho Indígena de Roraima (CIR).

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