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Falta de água ameaça a bacia do rio Doce

Valor Econômico, Especial, p. A14
03 de Set de 2013

Falta de água ameaça a bacia do rio Doce

Por Rodrigo Polito | Do Rio

Uma das bacias hidrográficas mais importantes do Brasil, a do rio Doce, em Minas Gerais e Espírito Santo, sofre os impactos causados pela degradação ambiental e sua vazão pode se tornar insuficiente para atender à atividade econômica da região. A elétrica mineira Cemig e a mineradora Vale, por exemplo, já estão desligando duas hidrelétricas na região - Aimorés e Porto Estrela (que também pertence à Coteminas) - em determinados horários do dia, devido à baixa vazão do rio. "A produtividade de energia é inibida pela degradação da bacia", conta o gerente de planejamento energético da Cemig, Marcelo de Deus.
Segundo Eduardo Figueiredo, presidente do Ibio, agência que reúne os dez comitês da bacia do rio Doce, a Anglo American pode ter de rever o seu projeto de escoamento de minério por não haver água suficiente para o mineroduto, de 525 quilômetros, que transportaria o insumo para o porto do Açu, no Rio de Janeiro. A outra alternativa é o modal ferroviário, cujo custo é mais alto. Procurada, a Anglo American não se manifestou sobre o tema.
Na região de Governador Valadares, do médio rio Doce, a capacidade produtiva de gado foi reduzida da média histórica de quatro cabeças por hectare para menos de 0,5 cabeça por hectare. E no Espírito Santo, onde a situação é mais crítica, há áreas em que o volume de água demandado é de 10% a 60% superior à vazão disponível.
Com área de cerca de 83 mil quilômetros quadrados, a bacia do rio Doce, onde vivem mais de 4 milhões de pessoas, é intensa em siderurgia, agropecuária e produção de energia. A região abriga o maior polo siderúrgico da América Latina e tem capacidade de geração elétrica de 830 megawatts (MW), suficiente para atender 8,9 milhões de pessoas.
Para tentar reverter a situação, os governos do Espírito Santo e Minas Gerais, assinaram no fim de agosto um protocolo de cooperação mútua para tirar do papel o plano de revitalização da bacia. De acordo com o Ibio, são necessários investimentos de R$ 19 bilhões - valor equivalente ao custo de construção do Complexo Petroquímico do Rio de Janeiro (Comperj) - nos próximos 15 anos para recolocar a região em patamares sustentáveis.
"Não é uma questão ambiental. É uma questão econômica", diz Figueiredo. "Em 2030, se nada for feito, o comprometimento hídrico será bem maior do que o diagnosticado hoje. Todas as bacias do lado do Espírito Santo já terão saldo hídrico negativo. Não haverá água suficiente para ser outorgada para todos os setores da sociedade", afirma.

Segundo o governador do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), o acordo assinado em agosto dará início à implantação do plano. A primeira etapa será aplicada em quatro microbacias, sendo três em Minas Gerais e uma em território capixaba. "Já temos investimentos isolados em saneamento básico e em recomposição florestal. Mas não são ações integradas", afirma.
De acordo com Casagrande, a adoção do plano vai envolver os comitês de bacias do rio Doce, o Ibio, empresas privadas e os governos estaduais e federal. "Não há como aplicar um plano desses sem o governo federal", diz. O governador conta ainda que a Assembleia Legislativa capixaba deve votar em setembro a criação de uma agência estadual de recursos hídricos, proposta por ele.
"A ideia desse procolo foi imaginar um programa de desenvolvimento mais moderno, com a participação dos governos, da sociedade civil e das empresas que usam essas águas", afirma o governador de Minas Gerais, Antônio Anastasia (PSDB). Segundo ele, no ano passado, o governo mineiro arrecadou R$ 10 milhões com o pagamento pelo uso da água do rio Doce. Entre 2013 e 2015, a expectativa é arrecadar mais R$ 60 milhões.
O plano de revitalização da bacia do rio Doce é formado por três pilares principais: ações de proteção ambiental propriamente dita, investimentos em infraestrutura de gestão múltipla do recurso, como a construção de barragens para regularizar o fluxo de água, e o aumento da eficiência na produção agrícola.
"A maior parte da demanda por água no médio e baixo Doce é por irrigação. E são irrigações muito precárias, em termos de racionalidade de uso da água", explica Figueiredo, do Ibio. Segundo o presidente da agência, um caminho para tornar o uso da água mais eficiente seria a criação de linhas de financiamento específicas para a melhoria da capacidade de produção agrícola. Ou seja, empréstimos com condições mais adequadas à realidade financeira do produtor agropecuário.
Parte diretamente interessada no assunto, a Federação das Indústrias de Minas Gerais (Fiemg) acredita que o protocolo abra nova possibilidade para o setor industrial. A instituição defende que as empresas possam contribuir com investimentos em infraestrutura na região e abater esse custo do valor que são obrigadas a pagar pelo uso da água.
"A questão de disponibilidade de água tem influenciado estrategicamente as ações das empresas. A escassez de água automaticamente vai reduzir as possibilidades de ampliação do parque industrial existente e até mesmo a entrada de novas indústrias", diz o gerente de meio ambiente da Fiemg, Wagner Soares. "A bacia do rio Doce vem apresentando sintomas de que, se não houver um trabalho de preservação, teremos em um futuro bem próximo conflitos pelo uso da água".
No caso da Cemig, Marcelo de Deus explica que a degradação ambiental cria dois problemas que afetam a produção de energia no rio Doce. O primeiro é o desmatamento da mata ciliar, que funciona como um reservatório natural que abastece as usinas no período seco. O segundo é a produção intensa de sedimentos, que reduz a área e o volume dos lagos das hidrelétricas.
"Às vezes a vazão está tão baixa que não atinge nem o valor para a turbina fazer o engolimento mínimo necessário para gerar energia", diz o gerente da Cemig. Segundo ele, os desligamentos das hidrelétricas são feitos em acordo com o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).
Em 2012, a Cemig pagou R$ 16 milhões pelo uso da água e pela conta de Compensação Financeira pela Utilização de Recursos Hídricos (CFURH), encargo do setor elétrico. No acumulado do ano, a companhia já gastou R$ 11 milhões com essas contas.
A companhia também já investiu no reflorestamento de 270 hectares de mata ciliar no reservatório da hidrelétrica de Aimorés. E também já realizou ações de conservação de 150 hectares de mata ciliar do lago da usina de Baguari, na mesma bacia.

Valor Econômico, 03/09/2013, Especial, p. A14

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