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Falha em obra leva esgoto para a Billings

FSP, Cotidiano, p. C6
08 de Mar de 2009

Falha em obra leva esgoto para a Billings
Sabesp lança resíduos de indústria química em braço de represa no ABC após infiltração em rede de R$ 30 milhões
Empresa diz que tratamento prévio do esgoto na fábrica evita dano ao ambiente, mas Cetesb admite haver prejuízo ao reservatório

Alencar Izidoro
Da reportagem local

Um braço da represa Billings tem recebido esgoto de uma indústria química do ABC paulista devido a infiltrações em uma obra contratada pela Sabesp por mais de R$ 30 milhões.
Os rejeitos lançados no reservatório são da multinacional belga Solvay, que, só na região, produz 100 mil toneladas de soda cáustica e 240 mil de PVC (um tipo de plástico) por ano.
Embora esse esgoto seja tratado pela fábrica, a avaliação da agência ambiental paulista é de que isso não é suficiente para evitar a poluição da represa.
O despejo dos resíduos na área de manancial está sendo feito pela própria Sabesp nos últimos dois meses. Ele provoca a degradação do maior reservatório da Grande São Paulo, afeta a vida aquática e encarece os custos do tratamento da água distribuída à população.
A obra da Sabesp que teve as infiltrações estava a cargo do consórcio OAS/Saenge. Ela contempla um sistema coletor para transporte dos esgotos de municípios do ABC e da Solvay até estações de tratamento.
O problema foi detectado no dia 16 de janeiro, a quatro dias da inauguração da estação elevatória de esgoto de Ribeirão Pires (para onde seriam destinados e tratados os efluentes) pela gestão José Serra (PSDB).
O sistema coletor, que entrou em testes em outubro de 2008 e só carregava resíduos da Solvay, teve rompimento de paredes e inundou a área da estação.
Sem dispor de rede para levar os dejetos a lugar adequado, a Sabesp decidiu represar a ida do esgoto da indústria e extravasá-lo num braço da Billings.
Antes da construção do coletor, prática semelhante (condenada por técnicos e pela Cetesb) era adotada pela Solvay.
A Cetesb, responsável pelo controle ambiental, só foi avisada do problema pela Sabesp praticamente um mês depois de ter havido as infiltrações.

Deterioração
O braço da Billings que recebe os efluentes da indústria química abastece 1,6 milhão de moradores no ABC paulista.
A maioria dos especialistas não vê perigo imediato ao consumo da população até porque a água também passa por outros tratamentos na Sabesp.
O problema é destacado mais devido à deterioração da represa -que compromete a disponibilidade de água no futuro- e à característica dos resíduos.
Virgílio Alcides de Farias, presidente do movimento em defesa da vida do Grande ABC, conta que a Billings recebe esgoto tanto de residências como de "dezenas" de empresas. Mas ressalta: "O resíduo da Solvay é industrial e químico. Trata-se do pior de todos. E a quantidade é imensa", afirma Farias, em referência ao volume de 60 litros de esgoto por segundo provenientes da empresa belga.
"O esgoto é tratado, mas não deixa de ser esgoto. Não pode haver complacência em dizer que não vai ter alteração significativa no reservatório", afirma Carlos Bocuhy, presidente do Proam (Instituto Brasileiro de Proteção Ambiental).
"O tratamento do esgoto na indústria também pode ter problemas técnicos. O lançamento na represa se torna de alto risco. O esgoto poderia sair de lá por caminhão-pipa. A solução atual é a mais barata para as empresas, mas a mais cara para a represa", avalia Bocuhy.
Embora a Sabesp e a Solvay neguem danos ambientais (sob a justificativa de que há tratamento do esgoto), a própria agência ambiental do governo do Estado admite prejuízos.
"Por mais que se trate, sobra um residual. Tanto residual de metal como de carga orgânica. Área de proteção de manancial não é para receber nenhum tipo de lançamento de esgoto", diz Ronald Magalhães, gerente da Cetesb em Santo André.
Ele afirma que a Sabesp poderá ser multada "se não der prioridade" para consertar a obra. A causa das infiltrações não é revelada pela companhia nem pelas construtoras.
O coletor que sofreu as fissuras foi exigido pela Cetesb exatamente para garantir um destino adequado do esgoto, evitando seu despejo na Billings. Não à toa foi cobrado também um ramal específico da Solvay -que bancou R$ 2 milhões, a ser reembolsado pela Sabesp.
A obra toda teve sucessivos atrasos. Começou em 2003 para ser concluída até 2005, mas até hoje não ficou pronta. Embora condene a situação, a Cetesb nunca puniu ninguém pela continuidade do problema.

outro lado

Sabesp e Solvay negam dano ao reservatório

Da reportagem local

Tanto a Sabesp como a Solvay negam dano ambiental pelo lançamento do esgoto no braço da Billings.
Elas dizem que esse resíduo industrial é tratado na fábrica antes de ser jogado no reservatório -e que esse procedimento não foi interrompido mesmo depois de os efluentes serem encaminhados ao coletor avariado.
A assessoria de imprensa da Sabesp afirma que esse tratamento segue legislação estadual e que a presença desse esgoto "nunca representou nenhuma influência ou alteração na qualidade da água da represa Billings".
A Solvay ressalta que a obra avariada é responsabilidade da Sabesp. Afirma que fez sua parte no financiamento de um ramal da construção e que seus resíduos são lançados no coletor da companhia -que, por sua vez, os deixa na represa.
Em relação à culpa pelo problema na obra contratada, a Sabesp afirma que "formou uma comissão de avaliação" que está "analisando as causas da ocorrência".
A Sabesp disse que, ao ser "identificada uma passagem inadequada de esgotos entre as câmaras úmida e seca da estação", desligou os aparelhos para uma avaliação. Afirmou que, "ao contrário do inicialmente previsto, a solução do problema exigiu a realização de obras e intervenções emergenciais".
Segundo a companhia, os serviços para eliminar a extravasão do esgoto já foram iniciados e devem ser concluídos no começo da segunda quinzena de março.
Questionada sobre a demora de quase um mês para avisar a Cetesb, a Sabesp disse que comunicou a agência fiscalizadora "a partir do momento que se tinha um diagnóstico completo do problema, incluindo a comunicação do que seria feito para solucionar a questão".
O consórcio OAS/Saenge foi procurado, mas não se manifestou. Um representante da Saenge que acompanha a obra afirmou ter recebido orientação da Sabesp para não se pronunciar.
A companhia de abastecimento (que não permitiu acesso da Folha para fotografar a região do problema) não respondeu a alguns questionamentos. Por exemplo, à pergunta sobre quem irá pagar pelas despesas do conserto na obra. (AI)

Consórcio vai à Justiça para subir valor de contrato

Da reportagem local
Repórter fotográfico

A obra contratada pela Sabesp para a construção do coletor de esgotos de municípios do ABC paulista e da Solvay já foi motivo de outras contestações ambientais e também é motivo até hoje de disputa na Justiça.
Em 2005, a construção do consórcio OAS/Saenge foi embargada pela Prefeitura de Ribeirão Pires sob diversas acusações. Entre elas: falta de licença municipal, rachaduras provocadas em vias públicas e depósito clandestino usado para armazenar os resíduos sólidos da obra numa área de manancial.
A denúncia resultou na assinatura de um termo de ajustamento de conduta pelo qual as construtoras se comprometeram com novas exigências.
No ano passado, uma nova disputa envolveu a obra. Desta vez, por iniciativa do consórcio OAS/ Saenge, que cobra na Justiça um reequilíbrio do contrato devido aos sucessivos adiamentos da construção, que deveria ter acabado em 2005.
O consórcio diz que a prorrogação dos prazos foi decisão da Sabesp. Mas, na ação, a estatal diz que houve pedidos do consórcio para adiamentos e que ele foi culpado pelo embargo da obra -uma das razões para atrasá-la.
O contrato firmado em 2002 por R$ 27,48 milhões já foi elevado para R$ 33,54 milhões pela Sabesp. Em 2008, as construtoras reivindicavam um aumento de R$ 4,3 milhões.

Billings
Estudo de técnicos da USP já chegou a detectar em 2007 e 2008 que a Billings tem poluentes -incluindo alguns potencialmente tóxicos- acima do permitido pela legislação.
A água da represa também é utilizada em atividades de lazer. Na última sexta, a Folha esteve em Ribeirão Pires, onde houve problema na obra da Sabesp, e verificou que jovens nadam num de seus afluentes.
Questionado se vira sinal de esgoto químico na região, um dos rapazes não soube responder. Mas, intrigado, perguntou: "Será que vamos virar mutantes?" (Alencar Izidoro e Moacyr Lopes Júnior)

FSP, 08/03/2009, Cotidiano, p. C6

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