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A face do desmatamento

O Globo, País, p. 3
26 de Nov de 2017

A face do desmatamento

Vinicius Sassine

BRASÍLIA - O desmatamento ilegal na Amazônia começa a ganhar rostos em processos na Justiça brasileira. Um levantamento inédito obtido pelo GLOBO revela quem são os maiores desmatadores do bioma processados em varas federais - os dez réus do topo da lista são acusados de devastar áreas equivalentes a quatro vezes o tamanho do Parque Nacional da Tijuca, no Rio. Somente os dois maiores, a Manasa Madeireira Nacional S.A. e José Carlos Nunes Meloni, desmataram 7,8 mil hectares de Floresta Amazônica, conforme detecções de desmatamento por imagens de satélite num único ano. A área devastada ilegalmente, apenas nos dois casos, equipara-se a dois Parques da Tijuca.
As ações civis públicas foram movidas porque, pela primeira vez, o Ministério Público Federal (MPF) e o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama) decidiram agir em conjunto, com base em áreas desmatadas com mais de 60 hectares. Todas foram protocoladas na Justiça nos últimos 15 dias. Para isso, os órgãos cruzaram as imagens de satélite geradas pelo Projeto de Monitoramento do Desmatamento na Amazônia Legal por Satélite (Prodes), do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), com o Cadastro Ambiental Rural (CAR), o sistema de gestão fundiária do Incra e autos de infração e embargos do Ibama. O Prodes gera as principais imagens de referência sobre a devastação da Amazônia.
O resultado permitiu identificar (ou apontar evidências de autoria) 1.155 responsáveis pelo desmatamento na Amazônia, num levantamento que chegou a 1.262 áreas desmatadas. Cada área levará a uma ação civil pública. Até agora, o MPF já moveu 757 ações, num intervalo de 15 dias, individualizando desmatadores suspeitos. Os dados obtidos pelo GLOBO vêm deste universo.
PRIMEIRA DA LISTA FOI ACIONADA 35 VEZES
A Manasa Madeireira Nacional S.A. passou a ser ré por desmatar 35 áreas no Amazonas com tamanhos que variam de 61 a 2 mil hectares cada, num total de 6,5 mil hectares. A empresa responde, agora, a 35 ações civis públicas. O que ela sozinha desmatou na Amazônia, tendo como referência a devastação detectada por imagens de satélite num único ano e as ações do MPF, equivale a 1,5 Parque da Tijuca ou a dois terços da Zona Sul do Rio, por exemplo.
As ações cobram da Manasa uma indenização total de R$ 105 milhões. Para se chegar a esse valor, o MPF levou em conta uma nota técnica do Ibama de março de 2016, que avaliou custos de implantação e manutenção de projetos de recuperação de áreas degradadas. Assim, a recuperação de um hectare custa R$ 10.742, conforme o cálculo do Ibama. A indenização inclui ainda o pagamento de 50% desse valor, referente ao dano moral causado. Este foi o cálculo levado em conta nas 757 ações já protocoladas na Justiça, que cobram ao todo R$ 1,5 bilhão de 725 réus. O total da indenização a ser pedida nas 1.262 ações chega a R$ 2,8 bilhões.
Os registros da Receita Federal mostram que a Manasa Madeireira Nacional S.A. é uma empresa com capital social de R$ 51,3 milhões, que atua com "atividades de apoio à produção florestal" e que segue na ativa. A reportagem procurou a empresa e, segundo funcionárias, o presidente, Paulo de Carvalho Lacombe, não vai se pronunciar por não estar a par das ações do MPF.
O segundo na lista dos maiores desmatadores acionados na Justiça é uma pessoa física, José Carlos Nunes Meloni, com uma devastação registrada de 1,3 mil hectares, também no Amazonas. Isto equivale a um terço do tamanho do Parque da Tijuca. Trata-se de uma única área desmatada, e o pedido de indenização do MPF soma R$ 21,7 milhões. O GLOBO não conseguiu localizar Meloni para comentar a acusação.
Na lista dos dez maiores estão mais sete pessoas físicas, com desmatamentos registrados no Amazonas, no Pará e em Rondônia. A reportagem tentou, mas não localizou nenhuma delas. A Tauá Biodiesel, uma empresa sediada em Nova Mutum (MT), foi acionada quatro vezes na Justiça Federal em Mato Grosso. O desmatamento total no estado atribuído à empresa soma mil hectares, e o MPF quer uma indenização de R$ 16,9 milhões. Ao todo, a indenização cobrada dos dez maiores desmatadores soma R$ 244,7 milhões.
O site da Tauá Biodiesel informa que "a Fazenda Tauá é formada por uma área de 120 mil hectares, planta atualmente nas safras 75 mil hectares de soja e 35 mil hectares de milho". Funcionários da empresa prometeram um retorno aos questionamentos da reportagem, o que não ocorreu até o fechamento desta edição.
As ações propostas na Justiça ressaltam as dificuldades na identificação dos responsáveis pelo desmatamento na Amazônia. "Na região amazônica, é muito comum a não localização dos responsáveis por desmatamentos ambientais, pois a atividade produtiva costuma acontecer cerca de três a quatro anos após o desmatamento justamente para se evitar a responsabilização daqueles que cometeram os atos ilícitos", cita uma das ações.
As ações integram o programa Amazônia Protege, lançado na semana passada pela procuradora-geral da República, Raquel Dodge. A estimativa das equipes envolvidas com o programa, que tem Ibama e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) como parceiros, é que apenas 0,5% das multas aplicadas por desmatamentos na Amazônia seja pago pelos infratores, em razão da grande quantidade de "laranjas" usados pelos reais desmatadores. Em 2016, conforme os dados do Prodes, o desmatamento na Amazônia ficou em 7,8 mil quilômetros quadrados. O Amazônia Protege trabalhou com áreas desmatadas que somam 1,7 mil quilômetros quadrados, o equivalente a 22,3% do total no período.
- Agregar a área na ação civil pública é uma novidade. De uma vez só, estão sendo propostas ações contra todos os desmatadores de áreas individuais com mais de 60 hectares. Este recorte foi usado levando em conta a capacidade de se mover as ações e de a Justiça julgá-las, bem como o impacto, em si, para a Amazônia - afirma o procurador da República Daniel Azeredo, que atua na Câmara de Meio Ambiente e Patrimônio Cultural do MPF e que coordena nacionalmente o Amazônia Protege.
DESMATAMENTO EM HIDRELÉTRICAS
O MPF e o Ibama também acionaram na Justiça duas empresas responsáveis por grandes projetos de usinas hidrelétricas na região, financiadas com recursos públicos. A Energia Sustentável do Brasil S.A. (ESBR) passou a ser ré num processo em Rondônia pelo desmatamento de 673,4 hectares. A indenização cobrada é de R$ 10,8 milhões. A empresa foi a 11ª processada que mais desmatou, segundo o levantamento. A outra empresa é a Copel (Companhia Paranaense de Energia) Geração e Transmissão S.A., com uma área desmatada de 538,8 hectares em Mato Grosso - 17ª no ranking. A indenização pedida é de R$ 8,6 milhões.
A ESBR é a empresa responsável pela construção da usina hidrelétrica Jirau, no Rio Madeira, em Porto Velho, e pela exploração da energia gerada na usina. Os acionistas são GDF Suez (hoje Engie), Eletrobras e uma subsidiária da Mitsui.
A ação pelo desmatamento ilegal foi protocolada na Justiça em Porto Velho. A empresa afirma desconhecer a acusação. A ESBR diz que os desmatamentos seguiram as condicionantes estabelecidas pelo Ibama. "Além do controle realizado por empresa contratada, o gerenciamento e a fiscalização das atividades de supressão eram acompanhadas, mensalmente, por fotos aéreas, obtidas a partir de sobrevoos com avião tripulado ou não tripulado, garantindo que as mesmas fossem realizadas de acordo com a legislação."
No caso da Copel Geração e Transmissão, são cinco ações civis públicas que apontam um desmatamento total de 538,8 hectares. A Copel constrói a usina hidrelétrica Colíder no norte de Mato Grosso, e é um dos cinco empreendimentos previstos para o Rio Teles Pires, dentro do PAC. "A Copel esclarece que não efetuou qualquer desmatamento ilegal e que a supressão vegetal realizada foi devidamente autorizada, monitorada e atestada pela Secretaria de Meio Ambiente do Estado de Mato Grosso - Sema/MT", diz a empresa, por meio da assessoria de imprensa.

O Globo, 26/11/2017, País, p. 3

https://oglobo.globo.com/brasil/dez-maiores-desmatadores-da-amazonia-de…

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