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Expulsos da baía

O Globo, Revista O Globo, p. 50-52
29 de Out de 2006

Expulsos da baía
Poluição por metal pesado reduz população dos últimos botos

Habitantes de uma das áreas mais poluídas do Rio de Janeiro, os botos cinza (Sotalia guianensis) da Baía de Guanabara apresentam níveis de contaminação por substâncias químicas perigosas, como metais pesados, considerados altíssimos. Estudos recentes mediram essas concentrações e sugerem que tamanha intoxicação pode estar contribuindo para graves problemas de saúde, como baixa imunológica e má-formação óssea e, em última instância, para a a redução da população desses animais.

- Encontramos concentrações de contaminantes, como mercúrio, comparáveis às de zonas muito industrializadas do Hemisfério Norte, superiores a 100 partes por milhão - afirma José Laílson Brito Jr., coordenador do Laboratório de Mamíferos Aquáticos da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj), lembrando que não existem concentrações consideradas aceitáveis dessas substâncias. - Essa contaminação pode estar causando problemas aos animais. E a segunda etapa do nosso estudo tem por objetivo justamente entender como isso afeta o sistemaa imunológico, se baixa a imunidade, se diminui a capacidade reprodutiva, se está contribuindo para a má formação óssea, entre outras coisas.

Um estudo comparativo realizado com pesquisadores do Museu Nacional constatou que os golfinhos da Baía de Guanabara apresentam mais anomalias ósseas do que os animais que vivem na costa do Espírito Santo. O estudo não avançou ainda no sentido de determinar se essas anomalias estão relacionadas à poluição, mas, de acordo com os especialistas, trata-se de um forte indicativo.

- Além da captura eventual e da degradação de seu habitat, eles ainda sofrem com a exposição aos poluentes.

Os pesquisadores temem que a já reduzida população de botos cinza da baía - são cerca de 70 indivíduos - diminua ainda mais em razão de tamanho impacto.

O objetivo da pesquisa, feita em conjunto com o Laboratório de Radioisótopos da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), era determinar as concentrações de metais pesados tóxicos, como mercúrio, e um conjunto de compostos poluentes chamados de organoclorados nos tecidos de golfinhos (ou botos) e baleias.

- Vimos que os animais da baía apresentam altas concentrações de compostos de origem agrícola e industrial.

Ao medir as concentrações de poluentes nos tecidos de cetáceos, os cientistas tinham por objetivo, claro, analisar o grau de intoxicação desses animais e as conseqüências sobre sua saúde e a preservação de sua população. Mas não apenas isso. O nível de contaminação dos animais espelha o impacto desses poluentes no ecossistema e também alerta para uma possível ameaça ao homem.

- Existe uma tendência hoje de usar golfinhos e baleias, cetáceos em geral, como as chamadas espécies sentinela, que nos revelam a situação do ecossistema - explica José Laílson Brito Jr. - Os mamíferos são os preferidos nessas análises porque têm uma vida longa, cerca de 30 anos para os botos e 50 anos para as orcas. Isso nos dá um retrato não da poluição momentânea mas da situação a longo prazo.

Os botos são considerados sentinelas ambientais perfeitos para se medir a situação de um determinado ecossistema fechado devido ao fato de se fixarem em áreas restritas. No caso da Baía de Guanabara, eles vivem e se reproduzem ali. As orcas, por sua vez, circulam mais e apresentam um retrato mais amplo da disseminação desses poluentes numa área mais ampla, já que elas se alimentam de Arraial do Cabo até o sul do estado.

Além disso, aponta Brito Jr., é possível analisar as conseqüências dessa acumulação ao longo dos anos nos organismos dos animais, o que serve de parâmetro para estimar os efeitos nos seres humanos.

- Esses compostos lançados na baía entram na base da cadeia alimentar a partir do fitoplâncton até alcançar os cetáceos, lá no topo da cadeia - conta Brito Jr. - A concentração tende a aumentar à medida que avança na cadeia alimentar. Isso ocorre porque as orcas comem não só peixes, mas também outros mamíferos, como os golfinhos.

Contaminantes achados na Antártica
Tal constatação, segundo os cientistas, é um alerta para os homens.

- Estamos numa zona costeira muito industrializada e o estudo nos mostrou uma situação para a qual precisamos estar muito atentos. Os poluentes estão entrando na cadeia alimentar e podem fazer mal a esses animais - afamou o cientista. - É um aviso para o homem, que deve ficar atento. Ou seja, não podemos deixar essas concentrações aumentarem para que não tenham, lá na frente, alguma séria conseqüência para as pessoas.

As concentrações de poluentes não foram medidas em seres humanos, mas os cientistas acreditam que, por ora, as pessoas podem ainda estar sendo preservadas. É que golfinhos e orcas têm por hábito comer os peixes por inteiro, enquanto o homem costuma comer o filé, onde o acúmulo de poluentes é bem menor.

Um próximo passo do estudo terá por objetivo caracterizar mais detalhadamente todos os poluentes encontrados nos tecidos para que se possa acompanhar também seu grau de disseminação pelo planeta.

Numa pesquisa que acaba de ser iniciada com cientistas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, foram detectados traços de,substâncias químicas comumente usadas na agricultura nos tecidos de uma baleia jubarte da Península Antártica.

- Isso mostra que esses poluentes estão conseguindo chegar até lá porque na Antártica não há nenhuma fonte dessas substâncias, muito encontradas na agricultura - afirma Brito Jr. - Estudos mostram que esses poluentes migram por correntes aéreas e se precipitam em áreas mais frias do globo. Já foram encontrados traços de substâncias tóxicas em vertebrados que habitam regiões muito profundas do oceano. E estou falando de substâncias que não existem na natureza, que só o homem é capaz de criar.

Um outro estudo, em parceria com o Instituto Nacional de Pesquisa da Amazônia (Inpa), também em fase inicial já constatou traços de poluentes tipicamente usados na região sudeste do Brasil em botos da Amazônia.

- Essas substâncias foram disseminadas pelo planeta inteiro - alerta o pesquisador. - Estamos buscando associação com grupos de pesquisa de diferentes regiões para dimensionar esse impacto.

O Globo, 29/10/2006, Revista O Globo, p. 50-52

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