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Experimentos fotográficos de Claudia Andujar antes de sua dedicação exclusiva aos Yanomami

Amazonas Atual - https://amazonasatual.com.br/
01 de Abr de 2024

Experimentos fotográficos de Claudia Andujar antes de sua dedicação exclusiva aos Yanomami

Inédita, a exposição percorre a produção da artista e revela como ela expandiu a linguagem fotográfica antes de se embrenhar em sua extensa obra realizada junto a esse povo indígena. Ainda, a mostra apresenta novo trabalho da fotógrafa. Aos 92 anos, ela fez uma releitura colorida da série O voo de Watupari, de 1976. É apresentada uma recomposição da instalação A Sônia, do mesmo período, quando foi exibida no Masp. Outras imagens, entre elas, de São Paulo, de pessoas homossexuais na ditadura, mulheres, sonhos e pesadelos compõem toda a mostra.

Quando o nome da fotógrafa é mencionado, automaticamente ele é ligado a seu grandioso e mundialmente conhecido trabalho sobre a nação Yanomami. Sem perder de vista essa produção, que se tornou um patrimônio iconográfico, a mostra Claudia Andujar - cosmovisão joga outras luzes sobre o percurso fotográfico seguido por ela entre as décadas de 1960 e 1970, até seu encontro definitivo com esse povo indígena.

A exposição entra em cartaz em 3 de abril e segue até 30 de junho nos pisos -1 e -2 do Itaú Cultural, com curadoria de Eder Chiodetto. Ela reúne mais de 130 trabalhos de Claudia, realizados durante seis décadas, desde que, fugindo do nazismo partiu da Hungria para os Estados Unidos. Depois de uma temporada naquele país, em 1955 ela desembarcou em São Paulo para encontrar a sua mãe e aqui viver até hoje (acompanhe a sua bio-cronologia aqui).

Entre os destaques da mostra, um novo trabalho seu: uma releitura colorida de O voo de Watupari, resultado da travessia que fez em 1976, ao lado do missionário Carlo Zacquini. Eles viajaram de São Paulo até a Amazônia a bordo de um fusca preto que os levou até os Yanomami. Também merece atenção especial, a instalação A Sônia, apresentada por ela em 1971 no Masp, em uma subversão do uso da projeção de slides - uma novidade na época. Aqui, a obra é exibida em releitura do artista Leandro Lima, parceiro de Claudia em outros projetos.

"Quando o Itaú Cultural me chamou para fazer essa mostra logo pensei em encontrar um recorte novo, já que convivo com Claudia faz tempo e conheço bem outras faces de sua obra", conta Chiodetto. Segundo o curador, ao investigar a produção da artista mais a fundo, desde que ela chegou em São Paulo em 1955, ele se deu conta do seu importante papel para a experimentação e a expansão da linguagem fotográfica. "Ela teve forte influência, por exemplo, para que a fotografia entrasse nos museus como arte nos anos de 1970", diz.

"Esta é uma exposição inédita. Tem foco nesse alto grau de experimentação pelo qual ela fez a fotografia passar. Fica claro que, como filha da geração de 68, rebelde e que repensa o mundo, Claudia sente necessidade de recriar a linguagem fotográfica para pode ser expressar", continua ele. "Em nenhum momento de sua trajetória, nem quando trabalhou na revista Realidade, ela fotografou em um padrão documental tradicional", completa.

Claudia fazia uso de filmes fotográficos infravermelhos, cromos riscados, filtros monocromáticos, imagens refotografadas com distorções e mutações de luzes e cores, justaposições e duplas exposições. Para Chiodetto, estas eram estratégias para chegar à representação da percepção sensorial. "Isso permitiu que, anos mais tarde, a artista pudesse materializar em imagens a espiritualidade, a relação dos indígenas com as entidades e guardiões da floresta", diz o curador. "Ela precisava que a fotografia atravessasse a superfície do real para representar de forma potente o lado de lá, o não visível. Só conseguiu isso justamente por essa experiência anterior de expansão da linguagem e possibilidades fotográficas."

Certas artistas, na obsessão pela legítima e precisa expressão, não se atêm a fazer o uso da linguagem de forma tradicional e passiva. Rompem estatutos e, pautadas por intuição, alguma rebeldia e muitas experimentações, criam novas possibilidades formais, simbólicas e narrativas no campo da investigação. Essas são artistas que expandem o léxico das linguagens e se tornam referências para a história.

Esse é o caso da fotógrafa e ativista Claudia Andujar, nascida em 1931, na Suíça, e que, refugiada do nazismo na Europa, adotou o Brasil como sua pátria desde 1955. Reconhecida mundialmente pelo seu monumental trabalho com os Yanomami, ela usou a arte para denunciar o descaso histórico do Estado com esse povo. E, ao fazê-lo, por meio de suas imagens, mostrou a sabedoria ancestral e a refinada espiritualidade dos povos originários desta terra. Além disso, seu trabalho foi fundamental para que ocorresse a demarcação da Terra Indígena Yanomami, em 1992. A força dessa produção iconográfica, não por acaso, domina quase por completo a vasta bibliografia e os projetos expositivos da artista.

Esta exposição inédita, no entanto, visa trilhar um percurso ao longo da carreira da artista para demonstrar como ela foi expandindo, desde os seus primeiros trabalhos, o repertório expressivo da linguagem fotográfica. Suas experiências, que justapõem imagem e imaginação, nunca cessaram, e abriram passagem para que, décadas adiante, ela conseguisse representar na gênese fotográfica o maior dos seus desafios: a emanação espiritual e as imagens oriundas da miração dos Yanomami em seus rituais xamânicos.

No segundo semestre de 2023, estimulada pela ideia desta exposição sobre as suas práticas mais experimentais, Claudia reviu a série O voo de Watupari, registro da viagem que realizou em 1976, com seu fusca preto, de São Paulo até o território yanomami, em Roraima. As imagens, em preto e branco, ganharam a sobreposição de peças de acrílico.

A viagem que a levou em direção a sua causa humanista e ativista, e que a fez criar um dos acervos iconográficos mais importantes da nossa história, tem agora uma nova versão, que dialoga com o espírito libertário e lisérgico da época que gestou uma das artistas mais instigantes do nosso tempo.

A atuação de Claudia Andujar no Museu de Arte de São Paulo (Masp) entre 1971 e 1976, ministrando aulas, organizando exposições e coordenando o Departamento de Fotografia ao lado do artista George Love (1937-1995), foi paradigmática para que a fotografia fosse legitimada dentro do campo da arte no Brasil e começasse a fazer parte dos acervos de museus.

Ao longo desse período, a artista incorporou ao seu repertório filmes fotográficos infravermelhos, cromos com a película arruinada, filtros monocromáticos nas lentes e imagens refotografadas com distorções e mutações de luzes e cores, com justaposições e com duplas exposições, entre outras estratégias, visando aproximar a representação da percepção sensorial, o testemunho documental da visão crítica e onírica.

Antes, no final dos anos 1960, uma novidade tecnológica mobilizou artistas, como Claudia e Love, a criar possibilidades de exibição de imagens: o projetor de slides. A ideia de a fotografia still tornar-se um "quasi-cinema", na denominação do artista Hélio Oiticica, impulsionou a exposição da série A Sônia, que Claudia exibiu no Masp, em 1971, como uma projeção audiovisual. Pela primeira vez, 53 anos depois, essa obra é remontada numa recriação do artista Leandro Lima, seu parceiro em outros projetos.

A cosmovisão dos Yanomami, que amplia e aprofunda os sentidos das existências, como podemos ver na série Sonhos Yanomami, encontra uma relação análoga na atitude idiossincrática de Claudia com a fotografia. Em suas especulações, a artista atravessou fronteiras para representar dimensões não visíveis que estariam fora do alcance dessa linguagem. A fotografia deixa de mimetizar o visível para ter a potência de uma cosmovisão.

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