VOLTAR

Expedição de pesquisa em Unidade de Conservação da Amazônia

www.ipe.org.br
25 de Fev de 2007

O Parque Estadual do Rio Negro setor Sul, a apenas 40 quilômetros da capital do Amazonas, Manaus, ganhará ainda neste ano um Plano de Gestão que poderá nortear as atividades contempladas por esta categoria de unidade de conservação ambiental, entre elas destaca-se o ecoturismo. Durante 12 dias, de 3 a 15 de fevereiro, pesquisadores e técnicos do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (INPA) e membros do IPÊ Instituto de Pesquisas Ecológicas e da Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável do Estado do Amazonas (SDS) estiveram a bordo do Barco Maíra I para fazerem levantamentos de flora, fauna e socioeconomia na região do rio Cuieiras.

Fauna - Dentre os 30 pequenos mamíferos (roedores e marsupiais) coletados nas margens do rio Cuieiras, os pesquisadores do INPA identificaram os gêneros Isothrix, Micoureus, Proechimys, Didelphis, Marmosops, Metachirus, Oecomys e Neacomys. Os animais foram capturados através da disposição de 352 armadilhas em três trilhas (ou transectos) duas localizadas em floresta de terra firme, nas margens esquerda e direita do rio, e uma em área de campina, paisagem caracterizada por vegetação de baixo porte e aberta e que ocorre sempre em solos arenosos e de baixa fertilidade. Nosso objetivo foi fazer um inventário rápido de fauna para determinar a diversidade de pequenos mamíferos e propor medidas de conservação e manejo que auxiliarão na gestão da área, comenta Eduardo Schimidt Eler, biólogo e mestrando em genética de pequenos mamíferos não-voadores no INPA.

No Barco Maíra I, foi improvisado um pequeno laboratório de genética e de triagem do material biológico. Os pesquisadores verificaram os dados biométricos (peso e medidas corporais) e reprodutivos dos animais capturados nas armadilhas. Em seguida, foram feitos o preparo de suspensão celular a partir da medula óssea retirada do fêmur dos mamíferos, a amostragem de tecido (um pedaço de músculo e outro de fígado) para estudos de seqüência de DNA e a taxidermia, com a preparação da pele e a retirada do crânio para limpeza e posterior análise detalhada.

As diferenças são muitos sutis entre os roedores, externamente eles são muito parecidos, o que faz necessária a utilização de técnicas de citogenética para identificar as espécies, explica a geneticista do INPA, Maria Nazareth da Silva. Nós esperávamos encontrar todos os gêneros que foram capturados no Cuieiras, pois são bem conhecidos na Amazônia. No entanto, ainda precisamos refinar o conhecimento sobre o número e a distribuição das espécies, pois na região deste rio as informações ainda são escassas sobre pequenos mamíferos, complementa Nazareth.

O grupo de pesquisadores de herpetofauna, que inclui os répteis e os anfíbios, deparou-se, durante parte da expedição, com a escassez de chuvas, o que nos primeiros dias dificultou a captura de animais. Mesmo assim, diversas espécies foram encontradas e identificadas. Um total de 52 armadilhas foi disposto nas margens esquerda e direita do rio Cuieiras, sendo que diferentes paisagens foram amostradas, entre floresta de igapó terra firme e campina. Estudos comprovam que a região amazônica possui uma grande diversidade de anfíbios e répteis, chegando a mais de 300 espécies de serpentes, 89 de lagartos e 163 de anfíbios.

A rã Leptodactylus riveroi, a falsa coral Drepanoides anomalus e o lagarto Kentropyx calcarata são alguns exemplos de espécies capturadas pelos pesquisadores do INPA. Na região do Cuieiras já foi realizado um trabalho sobre a composição da herpetofauna. Então, faremos uma comparação do que encontramos nesta expedição com as espécies catalogadas e os ambientes amostrados no passado, comenta o biólogo Vinicius de Carvalho. Ele conta que foram encontradas algumas espécies de lagartos e serpentes que vivem embaixo da terra (chamadas fossoriais) e em meio às folhas e embaixo de cascas de árvores, troncos e cupinzeiros (semi-fossoriais), além de um lagarto semi-aquático e um jacaré-tinga (Caiman crocodylus), espécie ameaçada e que vive em igarapés, no interior da floresta.

Enquanto os pesquisadores de herpetofauna e pequenos mamíferos torciam para que chuvas caíssem sobre o Cuieiras, o grupo que ficou com a incumbência de estudar quelônios afirmava que o ideal é o período da seca para avistar e coletar esses animais. A expedição foi realizada durante período chuvoso, quando ocorre a cheia dos rios. Em razão disso, as armadilhas compostas por trammel nets (malhadeiras), hoop traps (funis) e fike nets (funis intercalados por barreiras) não obtiveram sucesso na captura dos animais. Assim, o mergulho foi escolhido como principal método, idéia que partiu de um morador local, Raimundo Alencar Ribeiro, 26, da comunidade Nova Canaã. Segundo Rafael Bernhard, aluno de doutorado do INPA que trabalha desde 1999 com ecologia de quelônios, para que se obtenha sucesso com este método é preciso ser um bom mergulhador e saber onde os animais ficam escondidos nos igapós. Apesar de o rio estar cheio e os bichos estarem espalhados pelo igapó, conseguimos pegar muitas irapucas através do mergulho. Num único dia, em poucas horas, capturamos de 13 a 15 animais, afirma Bernhard.

Bernhard explica que em toda a Amazônia brasileira existem apenas 17 espécies de quelônios, e que, normalmente, uma área amostrada apresenta entre cinco e oito espécies. No Cuieiras foram capturadas especialmente irapucas (Podocnemis erythrocephala), além de um cabeçudo (Peltocephalus dumerilianus), um lala (Rhinemys rufipes), um jabuti piranga (Geochelone carbonaria) e dois jabutis (Geochelone denticulata).É importante propor planos de manejo para as espécies que são muito abundantes, como as irapucas e os cabeçudos. Para tanto, precisamos entender a estrutura populacional dessas espécies, como, por exemplo, se existem mais indivíduos adultos ou juvenis, fêmeas ou machos, avalia o pesquisador do INPA.

Já o trabalho da equipe de peixes representou uma continuidade de levantamentos que vêm sendo feitos há alguns anos na Bacia do Rio Cuieiras. Nesta expedição realizamos uma amostragem pontual, mas já temos muitos dados de outros projetos, como o Zoneamento Ecológico Econômico, realizado em Manaus, em 2005, e que utilizaremos para compor o relatório final, afirma a pesquisadora de ictiofauna do INPA, Lucélia Nobre Carvalho. Ela conta que já foram registradas 124 espécies de peixes em toda a Bacia. Agora, vamos determinar quais dessas espécies ocorrem especificamente onde está delimitado o parque. Ter informações sobre toda a Bacia é muito importante, porque os peixes são extremamente móveis e estão sempre migrando.

Os pesquisadores utilizaram diversos métodos de captura, inclusive a focagem noturna e o mergulho, em diferentes ambientes para tentar registrar o maior número de espécies possível. Durante a expedição, foi feito o primeiro registro do peixe-folha (Monocirrhus polyacanthus). Carvalho destaca a importância da abordagem conservacionista durante as capturas dos peixes. Quando trabalhamos numa Unidade de Conservação, ou mesmo em áreas que não sejam protegidas, nossa atitude no campo é sempre conservacionista. Por exemplo, quando capturamos muitos peixes numa malhadeira, levamos apenas dois ou três como espécimes-testemunho, o restante é devolvido ao rio.

Flora A equipe de botânica coletou mais de 700 amostras de plantas em floresta de terra firme e igapó, campinas e campinaranas para definir a composição da vegetação. A engenheira florestal do INPA, Francisca Matos, acompanhada por um técnico parataxonomista e dois moradores da região, utilizaram o método de parcelas, áreas de 10 por 50 metros distribuídas por trilhas de mil metros, onde eram observados os gêneros ou espécies arbóreas presentes, além de cipós e ervas, desde que apresentassem no mínimo 10 centímetros de diâmetro, ou DAP (Diâmetro Altura do Peito).
Identificando espécies com esta medida, é possível saber a diversidade presente numa floresta de terra firme, afirma Matos. Ainda dentro das parcelas, foram estudadas áreas de parcelas menores, de 2 por 2 metros, para observar o que está abaixo das árvores com 10 centímetros de diâmetro, ou seja, o que está presente no sub-bosque, vegetação rasteira, onde predominam musgos, fungos, arbustos e outras plantas que necessitam de ambiente úmido.

Há três famílias que são muito abundantes na Amazônia e que, portanto, também encontramos aqui com freqüência, que são as burseraceaes ou breus, as sapotáceas ou abiuranas e as crisobalanáceas conhecidas como guajurus, conclui a engenheira do INPA. Ela alerta para a fragilidade das campinas e a importância das florestas de terra firme como corredores ecológicos para garantir o trânsito de animais que têm papel fundamental na dispersão de sementes.

Socioeconomia Além de mapear os atributos naturais do Parque Estadual do Rio Negro setor Sul, a expedição também buscou caracterizar as comunidades que se encontram dentro dos seus limites. A equipe do IPÊ, formada por Mariana Semeghini, Leonardo Kurihara, Filipe Mosqueira, Francimara Nascimento e Thiago Cardoso, ficou responsável por este trabalho, que teve início no ano passado, com a descrição das áreas de uso e destinadas à caça, à pesca, ao extrativismo e à agricultura pelas comunidades de Boa Esperança, Nova Esperança e Barreirinha.

A metodologia utilizada pelo IPÊ foi a de Diagnóstico Rural Participativo (DRP), na qual os moradores apontam em mapas quais são as áreas onde eles habitualmente realizam suas atividades de subsistência. Após o DRP, sistematizamos os dados obtidos em tabelas, com os nomes das principais espécies consumidas e cultivadas, apontando as épocas do ano em que ocorrem, num calendário sazonal. Com isso, podemos saber qual é a demanda por alimento durante o ano, explica o biólogo Leonardo Kurihara.

Chegou-se à conclusão de que apenas 10,7% da área total do parque é utilizada pelas três comunidades trabalhadas. Durante a expedição, mais quatro foram diagnosticadas: Jaraqui, Araras, Baixote e Caioé.

Próximos passos - As informações coletadas durante a expedição serão utilizadas para a Elaboração do Plano de Gestão desta UC, projeto executado pelo IPÊ e financiado pela SDS e pelo Instituto de Proteção Ambiental do Amazonas (IPAAM). Após a sistematização dos dados obtidos, que acontecerá nos próximos dias, serão tiradas conclusões sobre as características biofísicas e socioeconômicas que compreendem a área do parque e, a partir daí, será elaborada uma proposta de manejo dos seus recursos naturais e conseqüente zoneamento definição de setores ou zonas com normas de uso específicas.

Ainda no próximo mês, a população local e do entorno do parque começará a ser envolvida em reuniões com os pesquisadores do INPA, da UFAM (Universidade Federal do Amazonas) e do próprio IPÊ, para a apresentação e discussão do plano de manejo. Espera-se que até julho o plano esteja concluído para ser entregue à SDS.

O Parque Estadual do Rio Negro, embora tenha sido criado em 1995, e redelimitado e dividido em setores Norte e Sul em 2001, ainda não possui um instrumento de gestão capaz de direcionar ações para a conservação de seus recursos naturais. Com aproximadamente 200 mil hectares, ele apresenta tanta riqueza de biodiversidade quanto conflitos de uso e ocupação de terras. A proximidade da capital amazonense torna o parque bastante atrativo do ponto de vista turístico, e, ao mesmo tempo, faz necessário que se redobrem os cuidados para a conservação dos seus atributos naturais.

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.