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Expansão econômica faz violência 'migrar' para o Norte e Nordeste

Valor Econômico, Especial, p. A12
12 de Jun de 2015

Expansão econômica faz violência 'migrar' para o Norte e Nordeste

A descentralização do desenvolvimento econômico para além das grandes capitais do Sudeste mudou o mapa da violência no Brasil em dez anos. Entre 2003 e 2013, as mortes por armas de fogo aumentaram 67,5% na região Nordeste, 74,5% no Norte e 24,7% no Centro-Oeste do país. No Sudeste, no mesmo período, houve queda de 45,7% (ver gráfico), com destaque para São Paulo (-65,2% em dez anos e -10,3% em 2013 ante 2012) e Rio de Janeiro (baixa de 50,5% na década e alta de 2,5% em 2013).
No Brasil, a taxa de mortes por armas de fogo caiu 2% de 2003 para 2013, de 22,2 para 21,8 mortes a cada 100 mil habitantes. Em relação a 2012, a taxa ficou praticamente estável, com queda de 0,4%, de acordo com os dados mais recentes do Mapa da Violência 2015. Em números absolutos, houve crescimento: foram registradas 42.604 vítimas fatais de disparo em 2013, ante 42.416 observadas no ano anterior.
Antes concentrados nas grandes cidades do Sudeste do país, os óbitos por armas de fogo cresceram expressivamente em regiões antes consideradas mais "tranqüilas", na avaliação do pesquisador Julio Jacobo Waiselfisz, coordenador da área de estudos da violência da Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (FLACSO) e autor do Mapa da Violência desde 1998.
A explicação para o crescimento desigual das mortes passa também pela eficácia das políticas de segurança pública adotadas em cada região. "Isso quer dizer que há uma série de Estados que conseguiram fazer campanhas bem-sucedidas de desarmamento e usaram outros tipos de políticas complementares, como São Paulo, Rio de Janeiro, Pernambuco. Neles, as mortes diminuem ao longo do tempo, há uma tendência de queda", afirma Waiselfisz.
O desenvolvimento econômico das regiões onde as mortes aumentaram é um dos principais fatores que explicam o fenômeno, segundo especialistas em segurança pública consultados pelo Valor. Ao contrário do que poderia indicar o senso comum, a ascensão do crime não está ligada à pobreza, de acordo com o especialista.
"Há uma desconcentração nacional do crescimento econômico e da violência. Os Estados mais pobres do Brasil eram os menos violentos. Sobe o nível econômico da população, sobe a criminalidade e a bandidagem. Pobreza não convida ao roubo; roubar o quê?" afirma Waiselfisz, que destaca que nessas regiões o desenvolvimento não foi acompanhado por ação suficiente do poder público.
"Houve enorme defasagem entre o novo polo industrial de serviços e a capacidade do Estado de elaborar políticas públicas para enfrentar uma criminalidade muito bem organizada", diz o pesquisador.
Na prática, a migração da violência reflete a relação custo/benefício da criminalidade. Enquanto regiões tradicionais se aparelharam mais contra os crimes, outras se tornaram alvos mais fáceis, com dinheiro abundante e pouca segurança. Nos dados do Mapa da Violência, São Paulo e Santa Catarina (9,1 e 7,7 mortes a cada 100 mil habitantes, respectivamente), são os únicos Estados cm que a violência não é considerada epidêmica.
Pelo critério da Organização Mundial da Saúde, dez casos de morte violenta para cada grupo de 100 mil pessoas representam epidemia. "É quando a violência se espalha rapidamente, sem causa aparente, a menos que você coloque barreiras sanitárias", diz Waiselfisz, fazendo uma comparação com as demais epidemias.
Daniel Cerqueira, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), afirma que os dados de homicídios no país são subestimados, porque a qualidade das informações é ruim. Ele estima que, de 1996 a 2010, 136 mil assassinatos não foram contabilizados no Brasil, o que classifica de homicídios "ocultos". Se eles entrassem nas estatísticas, elevariam o número de homicídios no país para mais de 60 mil por ano, "nível de países em guerra civil", segundo o pesquisador.
"As mortes indeterminadas, quando não está claro para o Instituto Médico Legal (IML) se foi homicídio, suicídio ou acidente, e deixa-se a causa cm branco no atestado de óbito, correspondem a 10% do total", diz. "Isso é muito além do padrão internacional. No Reino Unido, representam 2%".
Outra das hipóteses para explicar o crescimento regional das mortes na década, segundo Cerqueira, é a migração do tráfico de drogas e de outras atividades do crime organizado, também motivada por questões econômicas. Essas organizações criminosas migraram para cidades menores e para o Norte e Nordeste, onde além do aumento da renda, há uma crescente população jovem (entre 15 e 29 anos), faixa etária mais vulnerável a se envolverem situações violentas.
"Há Estados no Norte e Nordeste onde a população jovem ainda está em crescimento. São Paulo é o Estado onde mais diminuiu a população de homens jovens", explica Cerqueira. "A violência está associada à juventude. O jovem também aparece mais no consumo de drogas, fortalecendo o mercado local e favorecendo os homicídios".
Além disso, a migração atrapalha o controle social da violência, dinâmica que costuma funcionar naturalmente em cidades pequenas. "Em uma cidade pequena é mais difícil roubar, porque todo mundo se conhece. Se cresce muito, há mais pessoas entrando e saindo", afirma o pesquisador do Ipea.
A exemplo do que ocorreu cm São Paulo e Rio de janeiro nas décadas de 80 e 90, quando atraíram forte migração de Estados do Nordeste, Waiselfisz cita exemplos de regiões que se desenvolveram economicamente a partir de 2000 e receberam mais moradores, como Camaçari, na Bahia, que abriga um polo industrial. No Estado, as mortes por armas de fogo aumentaram 91,9% entre 2003 e 2013.
No Pará, a região de Ananindeua cresceu fortemente e é apontada como um dos motores da expansão de 117,9% no número de mortes por armas de fogo na década. O Estado concentra as obras do complexo hidrelétrico do Tapajós, que prevê cinco usinas na região e é alvo de protestos freqüentes por parte de indígenas e ativistas.
No Amazonas, que abriga a Zona Franca de Manaus, o crescimento dos óbitos por armas de fogo foi de 196,1% na década. Os municípios do Estado mais atingidos pelo desmatamento - aqueles que receberam grandes empreendimentos industriais e precisavam de terra para se instalar - se transformaram em focos de violência. "Começaram a operar com grileiros, madeireiras ilegais. Veio também o extermínio de populações indígenas que poderiam reivindicar a terra", diz Waiselfisz.
Mesmo em São Paulo, a valorização da terra e o crescimento dos salários ao longo dos anos tornaram menos atrativos antigos polos tradicionais cm investimentos, como a capital e a região do ABC, favorecendo o desenvolvimento de outros centros no interior, como Campinas e Ribeirão Preto.
"Grandes organizações criminosas que se circunscreviam a São Paulo e Rio de Janeiro, como Comando Vermelho e Primeiro Comando da Capital (PCC), começam a ter braços em outros Estados", afirma Waiselfisz. Em dez anos, os óbitos por armas de fogo subiram 119,7% em Alagoas, 214% no Rio Grande do Norte e 244,7% no Maranhão.
Outro perfil de município onde a violência cresceu no período é aquele que atrai o que o pesquisador define como "turismo predatório", principalmente na orla marítima. Cita como exemplos Cabo Frio, Angra dos Reis e Búzios, no Rio, e a Ilha de Itamaracá, cm Pernambuco. "É um turismo de fim de semana, em que turistas vão se embebedar e não respeitam normas. Nisso aparecem as drogas e as organizações criminosas. E com a vista grossa do poder público, porque grupos empresariais se beneficiam", afirma.
Para Waiselfisz, a notícia positiva é que as mortes por armas de fogo pararam de crescer em "ritmo chinês", como acontecia nas décadas de 80 e 90. Por outro lado, mostram que é preciso aprofundar reformas em segurança pública para que a violência saia da estagnação e volte a cair.

Valor Econômico, 12/06/2015, Especial, p. A12

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