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A expansão do garimpo ilegal na Amazônia e a exploração sexual de mulheres e crianças

Internacional da Amazônia - https://internacionaldaamazonia.com/
30 de Jun de 2022

A expansão do garimpo ilegal na Amazônia e a exploração sexual de mulheres e crianças

Data: 30 de junho de 2022

O garimpo ilegal na região amazônica é motivo de preocupação crescente nos últimos anos e para além das consequências prejudiciais ao meio ambiente, a invasão do garimpo na Amazônia traz consigo um estado de violência extrema. A expansão da atividade clandestina, segundo pesquisa da Hutukara Associação Yanomami e pela Associação Wanasseduume Ye'kwana, com assessoria do ISA (Instituto Socioambiental), foi de 46% na terra indígena, de 2020 para 2021 (WATANABE, 2022). O impacto da invasão à região amazônica pelo garimpo ilegal é sentido, principalmente, pelas mulheres indígenas, vítimas de abuso sexual, ameaças e reféns do terror constante causado pelos invasores.

Em primeira instância, o processo de colonização ocorrido na América Latina, no século XV, sucedeu a hierarquização dos fatores raça e gênero, no qual as mulheres indígenas passaram a se tornar os alvos principais de ações coordenadas que as objetificaram e as viam como corpos a serem explorados, no sentido laboral e sexual, constituindo uma subjetividade que as diferenciavam, por exemplo, das mulheres brancas (REGATEIRO, 2020). Desse modo, o contato entre os colonizadores europeus e os povos originários já sinalizava para situações de violência de mulheres indígenas, que mais tarde se estenderia às mulheres escravizadas, arrancadas de suas terras para serem exploradas. Na Amazônia, a partir de processos de mercantilização da região e da floresta, se reforçou uma cultura pautada na dominação e exploração, inclusive sexual, de mulheres e crianças que vivem ali.

Nesse seguimento, segundo dados realizados pelo MapBiomas (2021), a atividade garimpeira, feita de forma ilegal, triplicou sua área de atuação na Amazônia, no qual é possível perceber que seus grandes avanços se localizam em terras indígenas e em unidades de conservação. Mesmo o Estado tendo uma legislação ambiental sólida e órgãos competentes para tentar inibir tais práticas, como IBAMA - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis e ICMBio - Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade, além da Polícia Federal e Forças Armadas, ele não consegue deter o avanço de tantas práticas ilegais, especialmente na atual gestão brasileira, exercendo assim somente seu poder de polícia (SOARES, 2011) em algumas esporádicas operações que tenta realizar na área. Não consegue identificar os donos dos garimpos e muito menos puni-los, dando, assim, continuidade no processo exploratório na área.

A temática do garimpo possui vários recortes importantes para poder se entender a dinâmica que a envolve. Primeiramente, nota-se que existe uma ligação com os fluxos migratórios na região (VALERIO, 2021). As mudanças políticas e econômicas dos países que fazem parte da Pan-Amazônia, especialmente Venezuela, Colômbia e Brasil, quando milhares migrantes atravessam fronteiras em busca de uma vida melhor, (re) fizeram a busca pelo ouro se tornar intensa na região, especialmente no rio Madeira, considerado por alguns estudiosos o mais rico dos afluentes do rio Amazonas.

Proporcionalmente ao lucro obtido com a exploração do ouro vem os danos ambientais por ela causados. A atividade garimpeira é extremamente agressiva e poluente, pois se utiliza de mercúrio para encontrar mais facilmente o ouro quando as máquinas emergem dos rios. Os peixes, fundamentais na alimentação ribeirinha e indígena, atuam como concentradores da substância, que é altamente cancerígena, além de causadora de doenças renais, hepáticas e neurológicas.

Diante disso, a expansão dessa atividade na Amazônia, feita de forma ilegal e com o aval do governo brasileiro se constitui como uma grande ameaça para o bioma e seus povos, principalmente mulheres e crianças indígenas, expondo a face cruel e atroz do sistema capitalista que financia essas atividades.

Em segunda instância, ao lado do dano ambiental causado existe o social, o de vulnerabilidade, especialmente para mulheres e crianças. Expostas ao descaso do Estado e à ação dos garimpeiros, muitas delas são submetidas a um regime de exploração sexual, que em alguns casos são consentidos pelas próprias famílias, aumentando assim a cadeia de aliciadores para a prostituição, e em outros são vítimas da violência mais explícita, evidenciando inúmeros casos de estupros e até de mortes, inclusive entre as comunidades indígenas.

Quando se olha para a região amazônica, historicamente marcada pela ausência de políticas públicas eficientes de proteção aos seus patrimônios humanos e naturais, percebe-se o quanto a escassez, em todos os seus aspectos, atingiu a população dessa área, especialmente no cenário pandêmico atual. A crise econômica aumentou o tráfico de drogas e também o sexual, no qual entre as vítimas, 62% são mulheres e 23% são meninas (2020).

As áreas de garimpo ilegal concentram um grande número desses casos. Homens bem mais velhos em busca de meninas para se satisfazerem sexualmente, oferecem dinheiro e presentes, como roupas e celulares e em alguns casos, até alimentos, onde as meninas, ao verem a precariedade em que suas famílias vivem, sem vislumbrar um futuro mais promissor, acabam aceitando essas propostas. Existem na região, pessoas especializadas em atrair as vítimas para o crime. Ao longo dos cursos dos rios onde estão localizados os garimpos, instalam-se "bares" (2020), geralmente pertencentes aos chefes das quadrilhas de tráfico de drogas e/ou de pessoas, que concentram todos os tipos de negócios ilícitos, muitas vezes sob o conhecimento das autoridades locais.

No mês de abril, a Hutukara Associação Yanomami lançou o relatório "Yanomami Sob Ataque: Garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo" (Instituto Socioambiental, 2022), um panorama do avanço da destruição do garimpo na maior terra indígena do país. No mesmo mês, foi noticiado que uma criança Yanomami de 12 anos foi estuprada até a morte por um grupo de garimpeiros em Roraima e uma criança de 3 anos jogada no Rio, ocasionando o desaparecimento da comunidade de Aracaçá, após denunciarem as graves violações feitas pelos garimpeiros (MARTINS, 2022).

Nesse sentido, de acordo com o levantamento elaborado pela Hutukara Associação Yanomami, estima-se que 273 comunidades Yanomami e 56% dos 27 mil habitantes da reserva são afetados diretamente pelo garimpo (CARDIM & NOBERTO, 2022), enfrentando violência sexual, estupro de menores, crime organizado, aliciamento de jovens indígenas para o garimpo, assassinatos e graves problemas de saúde como malária e desnutrição infantil.

O documento também enumera relatos de abusos, colhidos por pesquisadores indígenas, na qual mostra que há situações em que os garimpeiros oferecem comida em troca de sexo com adolescentes, sendo a oferta de bebidas alcoólicas, uma das primeiras estratégias usadas para o abuso e estupro de menores (Instituto Socioambiental, 2022). Dessa forma, o cotidiano das mulheres indígenas é viverem cercadas pelo medo e pela angústia, enxergando os garimpeiros como ameaça e essa apreensão se estende não somente aos Yanomami, mas a diversos grupos étnicos que sofrem com o avanço do garimpo ilegal, produzindo um clima de terror permanente nas comunidades.

São situações cada vez mais graves que mostram a realidade em que esses povos estão vivendo, assim como a violência e vulnerabilidade que mulheres e crianças estão expostas, sendo situações conhecidas pelo governo, mas que se tornam omissas aos olhos das autoridades federais.

Portanto, a expansão da atividade garimpeira clandestina resulta em várias problemáticas ambientais e sociais e evidencia a negligência das instituições para com a população amazônica, principalmente crianças e mulheres indígenas vítimas da violência sexual trazida por essa atividade. Assim, as autoridades brasileiras se mantêm do lado da prática exploratória e permitem a manutenção de uma cultura violenta imposta à região amazônica desde a colonização, falhando com a sua população.

Nessa perspectiva, se destaca a fala da ativista indígena, antropóloga e educadora Pietra Dolamita (Kowawa Apurinã), atuante pela demarcação das terras indígenas, sobre a responsabilidade do Estado:

"Não são apenas os garimpeiros que estão estuprando e matando as crianças e as mulheres indígenas. É o Estado que está fazendo isso. É a mão do Estado que coloca todo esse peso sobre nós. Pois não existe uma proteção legal dos nossos corpos. Quando se surgem leis, elas não nos contemplam, porque as mulheres sempre foram colocadas em pautas precárias [...]"

Diante da temática exposta, recomenda-se o trabalho feito pela Articulação Nacional das Mulheres Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA), uma grande articulação de mulheres indígenas de todos os biomas do Brasil, com saberes, tradições e lutas que se somam e convergem para a garantia dos direitos indígenas e da vida dos povos tradicionais. Para mais informações, acesse:

Site oficial: < https://anmiga.org/ >

Instagram: < https://www.instagram.com/anmigaorg/ >

Twitter: < https://twitter.com/AnmigaOrg?s=09 >

Ademais, recomenda-se a leitura da obra "Meninas da Noite. A Prostituição de Meninas Escravas no Brasil" (1992) de Gilberto Dimenstein, que durante seis meses, investigou a rota do tráfico de meninas na Amazônia, viajando pelo submundo da prostituição infantil. Outrossim, também se recomenda o filme "Anjos do Sol" (2006), filme brasileiro que trata sobre a exploração sexual e comercial de crianças e adolescentes na floresta amazônica e outras regiões do Brasil.

Por fim, destaca-se o papel da Sociedade de Defesa dos Direitos Sexuais na Amazônia (Sodireitos), uma organização civil sem fins lucrativos, que atua desde 2006 na luta pela defesa e garantia dos direitos sexuais e migratórios na Amazônia, além do enfrentamento ao tráfico de pessoas na região. O trabalho da ONG pode ser encontrado disponibilizado nas seguintes redes:

Instagram: < https://www.instagram.com/ongsodireitos_/?utm_medium=copy_link >

Twitter: < https://twitter.com/sodireitos_ >

Se você se encontra em uma situação de violência ou conhece alguém que esteja passando por uma, denuncie. A seguir, destacamos alguns contatos de serviços e instituições que podem prestar atendimento e apoio necessários para situações de violência. Lembre-se, você não está sozinha!

Centro de Atendimento à Mulher: 180

Disque Denúncia: 190

Em Belém, Pará:

Delegacia Especializada no Atendimento à Mulher (Deam): (91) 3246-6803 e 98915-1888

Núcleo de Prevenção e Enfrentamento à Violência de Gênero: (91) 99172-6296

Pará Paz Mulher - Belém: Travessa Mauriti, 2393, bairro do Marco (funciona das 8h às 14h). Ananindeua: TV We 31, no 1112 (funciona das 8h às 16h).

REFERÊNCIAS

2020. Pelos prostibares da Amazônia: como funcionam as redes de prostituição na selva. El País. Publicado em 30 de julho de 2020. Disponível em: < https://brasil.elpais.com/internacional/2020-07-31/pelos-prostibares-da… > Acesso em 23 de junho de 2022.

2021. METRÓPOLES. Veja a rotina dos garimpeiros no rio Madeira. Canal Metrópoles no Youtube. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=F9K6jWsPNu4&t=95s > Acesso em 20 de junho de 2022.

CARDIM, Maria Eduarda; NOBERTO, Cristiane. Avanço do garimpo ilegal em terra indígena ameaça yanomamis. Correio Braziliense. Publicado em: 12 de abril de 2022. Disponível em: < https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2022/04/4999967-avanco-do-… > Acesso em: 20 de junho de 2022.

Instituto Socioambiental. Relatório Yanomami sob ataque: garimpo ilegal na Terra Indígena Yanomami e propostas para combatê-lo. 2022. Disponível em: < https://acervo.socioambiental.org/acervo/documentos/yanomami-sob-ataque… > Acesso em: 21 de junho de 2022.

MapBiomas - Área ocupada pela mineração no Brasil cresce mais de 6 vezes entre 1985 e 2020. Publicado em: agosto, 2021. Disponível em: < https://mapbiomas.org/area-ocupada-pela-mineracao-no-brasil-cresce-mais… > Acesso em: 21 de junho de 2022.

MARTINS, Thays. 'Cadê os Yanomami?': o que se sabe sobre sumiço de aldeia indígena. Correio Braziliense. Publicado em: 04 de maio de 2022. Disponível em: < https://www.correiobraziliense.com.br/brasil/2022/05/5005366-cade-os-ya… > Acesso em: 21 de junho de 2022.

REGATEIRO, Maria Carolina Guedes. Problemáticas da Amazônia à Luz da Colonialidade de Gênero: o Tráfico de Mulheres Para Fins de Exploração Sexual no Estado do Pará no Século XXI. Trabalho de Conclusão de Curso (Curso de Relações Internacionais) - UNAMA Alcindo Cacela: Belém, 2020. 40 f. Disponível em: < http://repositorio.sereducacional.com/PesquisaObra.aspx?TituloObra=&isP… > Acesso em: 21 de junho de 2022.

SOARES, Leila Chaban Duarte. NOVAIS, Liliane Capilé Charbel. Garimpos contemporâneos e a relação com a exploração sexual infanto-juvenil, invisibilidade aos direitos de cidadania. Revista eletrônica Connectionline, da UNIVAG, no6. 2011. Disponível em: http://periodicos.univag.com.br/index.php/CONNECTIONLINE/article/view/1…. Acesso em 23 de junho de 2022.

VALERIO, Joel. In: Vidas subtraídas no garimpo ilegal na Amazônia. Site Amazonas Atual. Publicado em 04 de novembro de 2021. Disponível em: https://amazonasatual.com.br/vidas-subtraidas-no-garimpo-ilegal-na-amaz…. Acesso em 23 de junho de 2022.

WATANABE, Phillippe. Garimpo leva abuso sexual e medo à terra yanomami, diz relatório. Folha de São Paulo. 22 de abril de 2022, São Paulo. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ambiente/2022/04/mineracao-leva-abuso-sex…. Acesso em: 24 de junho de 2022.

https://internacionaldaamazonia.com/2022/06/30/a-expansao-do-garimpo-il…

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