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Expansão da fronteira cria o caos fundiário

Jornal da Ciência
Autor: IARA FERRAZ E DANIELA OLIVEIRA
12 de Jul de 2007

BELÉM - A contínua expansão da fronteira de ocupação na Amazônia e a disputa pela terra estão na base da aceleração do desmatamento e do "caos fundiário" no estado do Pará. As Unidades de Conservação (UCs) e as Terras Indígenas (TIs) não fazem parte do mercado imobiliário, posto que são terras da União, embora seus recursos naturais continuem a ser ilegalmente explorados. O quadro da violência e dos assassinatos no campo, entre 1997 e 2003, associados ao trabalho escravo demonstram que a violação dos direitos humanos e a violação ambiental caminham juntos.

A apresentação deste preocupante panorama, pelo advogado e professor José Heder Benatti, atual presidente do Instituto de Terras do Pará (Iterpa), deu início à mesa-redonda "Populações tradicionais, conservação e políticas territoriais", na 59ª Reunião Anual da Sociedade Brasileira Para o Progresso da Ciência, coordenada pelo antropólogo Roberto Araújo de Oliveira Santos Jr (MPEG) e contou também com a participação de Deborah de Magalhães Lima (UFMG).

De acordo com os dados do Iterpa, 55% do estado do Pará são formados por unidades de conservação e terras indígenas; 7% por assentamentos do Incra, 3% por reservas extrativistas e 0,5% por quilombos já reconhecidos. No entanto, há cerca de 20 milhões de hectares a serem regularizados, representando 14% de terras devolutas onde, face à indefinição da propriedade, a conquista vem se dando pela força - o Estado acaba atuando na intermediação do conflito de interesses. Índios e quilombolas

Quem tem direito ao espaço territorial? Uma análise institucional das categorias envolvidas e do modo como o Estado lida com a questão aponta para o fato de que este debate cabe também à sociedade. A proposta do Iterpa para ordenamento territorial, regularização fundiária e combate à grilagem no estado do Pará (que cresce com a impunidade) abrange a definição dessa destinação, uma vez que diferentes sujeitos querem acessar os mesmos direitos.

Em primeiro lugar estão os povos indígenas, que detêm o direito originário sobre seus territórios, sobre o qual qualquer outro perde direito. Em seguida, estão as áreas necessárias à proteção de ecossistemas ou ocupadas por populações tradicionais, incluindo os quilombos.

Em terceiro lugar estão as áreas destinadas à reforma agrária (a propriedade familiar) e, por fim, as atividades agroambientais para médios e grandes imóveis. Mas, como ressaltou Benatti, a inversão desta ordem de prioridade corresponde, infelizmente, à realidade.

O critério do apossamento pré-existente é empregado para regularizar externamente a posse - exemplificado no caso de seringueiros, famílias de ribeirinhos (ou beiradeiros) - que constituem espaços coletivos, com suas formas particulares de ocupação territorial de acordo com a atividade econômica.

Nestes casos, não se pode dividir a propriedade em lotes, o que implicaria romper com a estrutura social existente e com o sistema de utilização diversificada dos recursos naturais. A ocupação das várzeas também apresenta suas características, devido ao regime de cheias e vazantes. Definição de propriedades

O conceito de formação da propriedade (que remonta aos séculos XVIII e XIX) está ligado ao trabalho e tem uma dimensão excludente de quem não é proprietário. Uma definição socioambiental da propriedade considera o apossamento (quais os recursos naturais utilizados), o grupo social (sistema de organização social, laços de parentesco, culturais, religiosos, etc.) e as características do ecossistema (terra firme, várzea, lago, etc.) visando à regularização fundiária com o mínimo de impacto ambiental.

Benatti apresentou as categorias jurídicas atualmente vigentes em relação ao regime de concessão: reservas extrativistas (Resex), originadas na década de 80 e regulamentadas em 1990, reservas de desenvolvimento sustentável (RDS), quilombolas, Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE), Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) e Projeto de Assentamento Florestal (PAF), categoria esta apenas prevista e não criada efetivamente.

Todas se caracterizam como concessões de uso - são terras públicas - onde não há titulação individual. São concedidas a associações, que realizam a mediação, embora nem sempre representem o grupo social envolvido, o que às vezes produz conflitos.

No contexto mais amplo de políticas de reconhecimento e contrapondo aos referenciais das categorias "índios" e "quilombolas", Deborah Lima apresentou uma reflexão sobre o conceito de "populações tradicionais", definidas no âmbito da Política Nacional de Áreas Protegidas (PNAP).

Ela ressaltou não haver entendimento universal para essas categorias e sim uma convenção de graus distintos de reconhecimento. Há uma expectativa de que os antropólogos resolvam essas definições/classificações, que especificam as distinções sociais com base nos pontos de vista dos próprios grupos (etnográfica).

Índio, quilombola e população tradicional consistem em semantizações que não alcançam o senso comum (as duas primeiras apenas entendidas como "raça") e a permanente atualização dessas classificações vem desfazendo as antigas dicotomias rural-urbano, primitivo-civilizado etc.

Cada uma delas, enquanto construção, é um conjunto de categorias com suas fronteiras e identificações, para as quais existem políticas recentes voltadas para compensações, reparação e legitimação. O Estado é chamado a se responsabilizar por esses grupos, até então invisíveis.

"População tradicional" é um conceito que surgiu na década de 80 a partir do reconhecimento exterior. Nos anos 90, foi adotada - também no plano internacional -como parte da estratégia para assegurar a presença humana em unidades de conservação; a primeira tentativa de sua definição deu-se através do Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), mas foi recolhida por não apresentar contrastividade. Atualmente, são os próprios grupos que se apresentam com uma identidade específica, reivindicando seu reconhecimento.
Compromisso de parlamentares

Vanessa Grazziotin (PC do B) e outros 15 parlamentares participaram do encontro aberto na Reunião Anual, em Belém, e ouviram as sugestões do presidente da SBPC, Ennio Candotti, de reitores e professores de Universidades da região, e de representantes dos governos estaduais, entre outros participantes do encontro.
De acordo com a deputada, os parlamentares vão elaborar uma Carta de Belém, a ser aprovada pelas Comissões de C&T, Educação, Mudanças Climáticas e Amazônia, e promoverão audiência em Brasília para divulgá-la e encaminhá-la à Presidência da República.Além disso, Vanessa afirmou que, em breve, será marcado um novo encontro com a direção da SBPC, em Brasília, para manter a articulação em defesa do desenvolvimento da C&T na Amazônia.

Esta foi a primeira vez que tantos parlamentares compareceram juntos a uma Reunião Anual da SBPC para discutir um mesmo tema, e de relevância nacional, como é o caso da Amazônia.Fundos e patrimônio

O presidente da SBPC, Ennio Candotti, disse que é preciso, como ponto de partida, definir instrumentos mais poderosos para enfrentar de maneira diferente as questões da Amazônia. A seu ver, além de acelerar o processo de implementação dos programas de C&T na região, é necessário aumentar a formação de pesquisadores e professores altamente qualificados e incentivar a abertura de novos campi, acompanhados de institutos de pesquisa. Temos que romper com a inércia e a subserviência aos modelos de desenvolvimento desenhados fora da região", destacou.

Candotti sugeriu que os recursos contingenciados dos fundos setoriais (cerca de R$ 5 bilhões) sejam revertidos em patrimônio físico, que seria administrado por instituições de pesquisa, Universidades e fundações de C&T. E fez um apelo para que os parlamentares lutem pela descriminalização da pesquisa científica no país: "Deixem-nos estudar a natureza. Mudem as leis que proíbem isso e promovem a ignorância".

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