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Exercito simula guerra contra EUA

CB, Brasil, p.16
10 de Out de 2004

Exército simula guerra contra EUA
Entre os cenários de eventuais conflitos armados, as Forças Armadas treinam para o caso de precisarem lutar contra soldados norte-americanos e defender um dos maiores patrimônios naturais do mundo
Lucas Figueiredo
Do Estado de Minas
Na paz, prepare-se para a guerra. Na guerra, prepare-se para a paz." 0 ensinamento escrito no século VI a.C. pelo general chinês Sun Tzu em A arte da guerra continua atualíssimo. Passados 2,5 mil anos, as Forças Armadas brasileiras seguem aplicando a regra à risca. Sem entrar num conflito armado contra outra nação desde a Segunda Guerra Mundial - e sem perspectivas de fazê-lo -, o Exército brasileiro, no entanto, está se preparando para a guerra.
Dentre os cenários de possíveis conflitos armados, o que mais tem mobilizado as Forças Armadas nos últimos anos é o da invasão da Amazônia pelos Estados Unidos. Sim, as Forças Armadas brasileiras treinam para a eventualidade de um dia terem de lutar contra soldados norte-americanos para defender o principal patrimônio natural do país.
Para se ter uma idéia de como o assunto é levado a sério, o Exército chegou a simular a invasão da Amazônia, no fim do ano passado, num exercício que envolveu 3 mil soldados, 35 aviões, 170 embarcações e 200 veículos e carros de combate. Batizado de Operação Ajuricaba, o treinamento tinha como objetivo oficial adestrar tropas para resistir a uma hipotética invasão da Amazônia por uma força muito superior, composta por soldados de um país mais poderoso, ou seja, feito sob medida para os EUA.
Por motivos óbvios, as Forças Armadas brasileiras nunca admitirão publicamente que a sua principal Hipótese de Emprego - como são chamadas os possíveis cenários de conflitos armados - é a invasão da Amazônia pelos EUA. Mas, em breve, o tema será tratado com todas as letras por um dos principais cientistas políticos do país. Ainda neste mês, Luiz Alberto Moniz Bandeira lança o livro As relações perigosas: Brasil - Estados Unidos (De Collor a Lula - 1990-2004).
Na obra, Moniz Bandeira disseca como, em meados da década de 80, as Forças Armadas brasileiras abandonaram a hipótese de guerra com a Argentina - que vigorou por mais de um século - e começaram a se dedicar a reforçar a segurança da Amazônia.
Novo Vietnã
Segundo Moniz, em 1985, com a redemocratização da Argentina e o lançamento das bases da aliança Brasília / Buenos Aires, que viria desembocar mais tarde no Mercosul, as Forças Armadas brasileiras começaram a transferir para a Amazônia parte de suas tropas estacionadas na região
Sul, a fim de prevenir (e desestimular) Possíveis investidas dos EUA. "Esse deslocamento de milhares de soldados indicou claramente a percepção dos militares ,~ brasileiros de que os inimigos vinham do Norte, mais precisamente, dos Estados Unidos", escreve Moniz Bandeira.
Com mais de vinte livros publicados no Brasil e no exterior, Moniz Bandeira analisa na sua nova obra, entre outros temas, o planejamento das Forças Armadas brasileiras para a hipótese de guerra na Amazônia. Batizado de Estratégia de Resistência, o plano prevê transformar a Amazônia num novo Vietnã, no caso de uma invasão norte-americana. Ou seja, enquanto o "inimigo" apostaria suas fichas no combate ofensivo, buscando a decisão do conflito em curto espaço de tempo, a "resistência" iria no sentido oposto.
Para compensar a inferioridade material e tecnológica, as Forças Armadas brasileiras optariam pela estratégia de alongar o conflito, como acontece hoje no Iraque e como aconteceu, nas décadas de 60 e 70, no Vietnã. Assim, a Estratégia de Resistência incluiria táticas de guerrilha, com a população local atuando à paisana na tentativa de barrar o avanço do "inimigo", a realização de emboscadas, a construção de armadilhas e o emprego da "guerra psicológica" para minar o moral do adversário.
A Operação Ajuricaba - referência ao chefe da tribo dos Manaós, que no século XVIII liderou uma resistência contra os "invasores" portugueses - foi realizada em duas etapas. A primeira delas, no fim de 2002, serviu para colher informações sobre a região. Em novembro do ano passado, foi feita a simulação de guerra propriamente dita.
Realizada em seis estados (Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Amapá e Pará), numa área de 2,6 milhões de km2, a simulação procurou ser o mais realista possível. Os "invasores", chamados de Partido Vermelho, foram representados por tropas do Rio, Goiás, Pernambuco e Mato Grosso do Sul. A "resistência", batizada de Partido Azul, era composta por militares baseados na própria Amazônia, muitos deles de origem indígena. A presença de soldados índios na tropa não é à toa. Alguns deles, como o cabo Salvador Rebe Romão de Carvalho, de origem Tucana, foram aproveitados como operadores de radiotransmissores. Ao transmitirem mensagens em línguas indígenas, esses soldados eliminam a possibilidade do "inimigo" interceptá-las e decodificá-las.

Preocupações são normais, diz comando
Adeptos da estratégia da dissuasão, os militares brasileiros acreditam que, quanto mais estiverem preparados para repelir o inimigo, menos provável será a guerra. A cobiça pela Amazônia, no entanto, é o principal fator que leva as Forças Armadas a estarem alertas para repelir qualquer intento de invasão da região.
No seu novo livro, Moniz Bandeira discorre sobre as tentativas dos EUA de fincar sua bandeira na região, intensificadas a partir de década de 80. A investida inicial veio embalada num discurso pró-índios e pró-natureza, com a disseminação de propostas para tornar a Amazônia uma área independente. Depois, explica o cientista político, veio a insistência das Forças Armadas norte-americanas em solicitar aos países da região o envio de soldados para a Amazônia, seja para participar de treinamentos, seja de atuar em ações antiguerrilha e antinarcotráfico.
Moniz Bandeira analisa, em particular, o caso da Colômbia, país que detém parte de seu território na Amazônia e que aceita que Forças Armadas dos EUA atuem na segurança interna do território colombiano. "Muitos oficiais (brasileiros) perceberam o Plano Colômbia como o Cavalo de Tróia dos EUA para dominar as nascentes do rio Amazonas, e recearam que o combate ao narcotráfico e às guerrilhas pudesse servir como pretexto para a ocupação dissimulada da Amazônia, sob a alegação de que o Exército brasileiro não estava em condições de controlar a região e impedir o trânsito de alimentos e armas para as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC)", afirma.
Em nota oficial, o Exército informou que não visualiza qualquer ameaça concreta de ingerência externa na Amazônia brasileira, nem considera tal situação em seus cenários atuais. "As preocupações com a nossa Amazônia
são normais, pois decorrem da necessidade de manter a unidade nacional, integrando a região ao resto do país, já que a mesma representa mais de 50% do território nacional e detém importantes riquezas minerais e biodiversidade que, naturalmente, despertam o interesse mundial". A nota diz ainda que, em relação aos Estados Unidos, "o relacionamento entre esse país e o Brasil, e em particular entre os militares, sempre foi pautado pelo respeito aos princípios democráticos e pelo respeito mútuo".
Contactados pela reportagem, o Ministério da Defesa e a Embaixada dos Estados Unidos no Brasil não quiseram se pronunciar. (LF)

A batalha na Amazônia, passo a passo
Como seria a invasão americana à Amazônia, de acordo com as informações sobre a Operação Ajuricaba disponibilizadas pelo Exército brasileiro
Os Estados Unidos invadem o Brasil no dia 12 de novembro de 2003. Por volta da 20h, um avião americano sobrevoa o município de São Gabriel da Cachoeira. De lá, saem dezenas de pára-quedistas em direção ao solo brasileiro.
Os americanos atacam com fizeram no Afeganistão e no Iraque. Grande potencial bélico e tecnológico, dispostos a decidir a guerra em pouco tempo. Os pára-quedistas lançados sobre São Gabriel da Cachoeira são apenas a equipe de vanguarda, cuja missão é liberar a área para o desembarque do grosso da tropa.
A vanguarda inimiga é despejada também sobre Boa Vista (RR) e Manacapuru (AM). A partir desses três pontos, as Forças Armadas norte-americanas planejam controlar os rios Negro, Branco e Solimões.
Para compensar a supremacia do inimigo, o Brasil utiliza os mesmos métodos com que o Vietnã conseguira vencer os EUA na guerra ocorrida entre 1964 e 1975. Primeiro, nossas Forças Armadas procuram prolongar o conflito, evitando ataques frontais contra o inimigo. Depois optam pelas táticas de "guerra de guerrilhas", como fustigar o inimigo para em seguida bater em retirada, armar emboscadas e armadilhas na selva, praticar a "guerra psicológica" e utilizar a população local como soldados à paisana.
A resistência entra em ação. Fogos de morteiro iluminam os céus da Amazônia, e soldados, camuflados na mata, disparam armas antiaéreas de vários tipos e calibres. Os boletins do Exército registram que dois pára-quedistas invasores foram mortos e um outro saiu ferido. Do lado da resistência, nenhuma baixa. É um bom começo.

CB, 10/10/2004, p. 16

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