VOLTAR

Exército prepara obra no S. Francisco

OESP, Nacional, p. A12
05 de Jun de 2007

Exército prepara obra no S. Francisco
Batalhões de engenharia se instalaram no fim de semana na divisa de BA e PE para começar transposição do rio

Eduardo Nunomura

Sem que o governo federal anunciasse, o Exército chegou a Cabrobó, na divisa entre Bahia e Pernambuco, para iniciar as obras da transposição do Rio São Francisco. Os primeiros homens passaram a montar acampamento no sábado. As obras civis estão programadas para começar no dia 24 ou 25.

Num posto de combustível desativado e alugado por cerca de R$ 3.000, militares do 2o Batalhão de Engenharia e Construção (BEC) instalam os equipamentos e descarregam os contêineres para construir os alojamentos e refeitórios militares. Uma retroescavadeira também já foi levada ao local, para surpresa de opositores da obra que imaginavam ainda estar em fase de negociação com o governo. Eles prometem resistir.

O governo vai iniciar a transposição do São Francisco com o Exército para ganhar tempo, enquanto a licitação está sendo feita. Principal obra de infra-estrutura hídrica para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o projeto tem garantidos R$ 4,9 bilhões para a construção de dois canais. Segundo o Ministério da Integração Nacional, 12 milhões de pessoas serão beneficiadas; os opositores dizem que a obra vai favorecer apenas o agronegócio.

Equipamentos pesados do 2o BEC, antes usados na duplicação da BR-101 na Paraíba, já estão em Cabrobó. Da cidade pernambucana sairá um dos canais do projeto, o Eixo Norte, que levará água do São Francisco para as bacias dos Rios Jaguaribe, no Ceará, e Piranhas e Apodi, Rio Grande do Norte.

A movimentação também já foi iniciada em Floresta e Petrolândia, em Pernambuco, de onde sairá o segundo canal. Captará água da Barragem de Itaparica e a levará até os Rios Moxotó e Paraíba. O Eixo Leste beneficiará populações de Pernambuco, Paraíba e Rio Grande do Norte. Três casas de uma agrovila foram alugadas, a R$ 300 cada, para montar os alojamentos dos militares de três batalhões do Exército - o 1o (Caicó, no Rio Grande do Norte), o 3o (Picos, no Piauí) e o 4o (Barreiras, na Bahia).

Índios das etnias truká e tumbalalá, no Eixo Norte, e pipipão e kambiwá, no Leste, prometem impedir o início das obras. Numa carta enviada ontem ao ministro Geddel Vieira Lima, representantes de organizações do Fórum de Articulação Popular em Defesa do São Francisco cobram a retomada do diálogo com o governo federal e o cumprimento de um acordo firmado há dois anos, prevendo não iniciar as obras até o esgotamento da discussão de alternativas ao projeto.

Subscreve a carta o bispo da Diocese de Barra (BA), dom Luiz Flávio Cappio, que em outubro de 2005 fez greve de fome e obteve um recuo do governo. Irritado, o presidente Lula teve de despachar o então ministro das Relações Institucionais, Jaques Wagner, hoje governador baiano, para convencer o bispo a interromper o protesto, que ganhou repercussão internacional. Depois de cinco horas de conversa, dom Luiz Cappio aceitou o acordo, por acreditar que o governo não voltaria a insistir nessa obra sem promover um debate amplo.

Do lado do governo, a maior preocupação é iniciar imediatamente as obras. O ministro Geddel está programando para a próxima semana viagem da nascente à foz do Rio São Francisco, onde encontrará com lideranças políticas e representantes da sociedade civil para explicar e debater o projeto. Não está descartado um encontro dele com o presidente Lula na rota.

Bispo anuncia novos protestos
D. Luiz, que já fez até greve de fome, critica governo
D. Luiz Cappio avisa: manifestações contra a transposição do Rio São Francisco virão por aí e o presidente Lula terá muita dificuldade para começar o projeto nos próximos dias, como quer. "O governo se nega a conversar, covardemente e por vergonha de falar a verdade sobre o projeto", disse ele ontem à noite, ao Estado, após rezar uma missa. Segundo o bispo da Diocese da Barra (BA), a obra "objetiva e tecnicamente não tem como ir muito longe".

Há dois anos, o bispo fez uma greve de fome de 11 dias e conseguiu que o governo sinalizasse com um diálogo para criar uma política de convivência no semi-árido. "A sociedade civil se preparou para debater, mas o debate foi interrompido pelo governo. E agora, sem mais nem menos, impõe uma obra ditatorial", criticou. D. Luiz afirmou que, antes de pensar num novo protesto radical, prefere ver o resultado das diversas manifestações já programadas contra a obra.

A líder indígena Maria Tumbalalá, de Avaré e Curaçá (BA), afirmou que os 4 mil índios de sua aldeia não assistirão de braços cruzados ao início das obras. Com outras etnias, disse que eles participarão dos protestos. Segundo ela, para realizar a transposição pelo canal do Eixo Norte, será necessária a construção de uma barragem que alagará terras indígenas. "Acreditávamos que seríamos ouvidos, mas o que se viu foi um desrespeito que só gerou repúdio e revolta entre nós."

O cronograma do projeto se acelerou a partir de 23 de março, quando o Ibama concedeu a licença de instalação para a obra de transposição. A partir daquele momento, as máquinas já poderiam iniciar os canais. No início de abril, houve a autorização para a supressão de vegetação, basicamente a caatinga. No início do mês passado, os Ministérios da Integração Nacional e da Defesa assinaram a ordem de serviço de R$ 26 milhões para a primeira etapa. Os homens do Exército construirão dois canais de aproximação do Rio São Francisco com as estações de bombeamento para os dois eixos.

A licitação bilionária será feita por lotes, ao longo dos dois canais. Grandes empreiteiras executoras das obras abocanharão R$ 3,3 bilhões. Outras empresas menores poderão ficar com outras partes, como a elaboração dos projetos executivos, a supervisão e o controle tecnológico do empreendimento. "O importante dessa obra é o grande dinheiro que está em jogo", afirmou d. Luiz.

Para Alzeni Tomáz, representante do Conselho Pastoral dos Pescadores do Baixo São Francisco, se as obras iniciais atingirem áreas indígenas, novas ações serão interpostas. "Além de não promover o diálogo com as populações indígenas, o governo fere a Constituição porque para entrar nessas terras é preciso autorização do Congresso", criticou. "Estão passando como se fosse um rolo compressor."

OESP, 05/06/2007, Nacional, p. A12

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.