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Ex-guerrilheiro confirma ligação das Farc com traficantes brasileiros

OESP, Internacional, p. A13-A15
06 de Jun de 2010

Ex-guerrilheiro confirma ligação das Farc com traficantes brasileiros
Em entrevista ao ''Estado'', ex-comandante da guerrilha, que trabalhou 15 anos em território brasileiro, diz que País é melhor mercado para a cocaína na região e afirma que, em troca da droga, grupos insurgentes colombianos recebem armas e insumos

Ruth Costas

A base das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) desarticulada em Manaus no mês passado é apenas uma pequena ponta da extensa rede que a guerrilha tem mantido no Brasil para vender drogas e abastecer-se de todo o tipo de insumos e produtos - incluindo armamentos, trocados por cocaína com traficantes de São Paulo e Rio.
Poucos meses depois de deixar a guerrilha, um ex-comandante falou ao Estado em condição de anonimato e confirmou que as Farc atuam no Brasil desde os anos 90. Na última década, a guerrilha tem expandido suas operações no País. As informações foram confirmadas por fontes da inteligência colombiana.
"Carlos" - o nome é fictício - passou mais de 15 anos trabalhando para as Farc em território brasileiro ou na região de fronteira, onde era um dos responsáveis pela venda de cocaína e troca do produto por armas. Tinha dezenas de subordinados e diz já ter participado de negociações que envolviam mais de R$ 5 milhões.
Ele chegou a viver alguns anos em Manaus a serviço da guerrilha e conheceu o traficante brasileiro Fernandinho Beira-Mar. Há menos de seis meses, desertou para "viver uma vida normal e rever a família", sendo incluído no programa para desmobilizados ligado ao Ministério de Defesa colombiano.
Hoje, vive sob proteção das forças oficiais. Recebe alojamento, comida e assistência médica do governo enquanto espera os certificados de que não cometeu crime de lesa-humanidade - sequestro e homicídio agravado - e, portanto, pode ser indultado.
Em dois encontros de cerca de quatro horas em Bogotá, ele relatou, em português, que as Farc mantiveram e financiaram, nos últimos anos, algumas dezenas de guerrilheiros infiltrados em cidades do norte do país para fazer a ponte com os compradores e estudar.
Ele mesmo teria conhecido alguns desses "bolsistas" das Farc. "O objetivo é que eles aprendam português e saibam mais sobre o Estado e a sociedade brasileira", disse. "Além disso, apresentar-se como estudante é um bom disfarce." Agentes da inteligência colombiana dizem que a prática é comum em vários países.
De acordo com Carlos, além desses guerrilheiros infiltrados, que recebem do grupo cerca de R$ 20 mil a cada três meses, também há pelo menos outras duas bases das Farc em Manaus, como a que foi descoberta pela Polícia Federal. "Duas que eu tenha conhecimento, com cerca de cinco pessoas operando em cada. Mas podem ser mais", afirmou.
Segundo Carlos, as redes estariam se expandindo no Brasil por uma questão de mercado. "Pelo quilo da cocaína pura, conseguimos R$ 50 mil no Brasil. Na Colômbia, obtemos R$ 15 mil. Na Venezuela, não mais do que R$ 25 mil. Pela pasta de coca, nos pagam R$ 20 mil no Brasil. Na Colômbia, R$ 3 mil. Na Venezuela, R$ 12 mil."
Também há outras duas razões para a expansão. Primeiro, a política de segurança do governo Álvaro Uribe empurrou a guerrilha para locais isolados, como a fronteira. Com isso, os países vizinhos se tornaram importantes fontes de abastecimento de armas e insumos. O segundo fator é que o mercado europeu está conquistando cada vez mais peso, enquanto o dos EUA está saturado. E o Brasil está na rota para a Europa.

Para lembrar
''Estado'' mostrou base em Manaus
No dia 16, o Estado teve acesso a um relatório sigiloso produzido pela inteligência da Polícia Federal (PF), afirmando que as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) violam a fronteira Colômbia-Brasil e usam o território brasileiro para seus negócios. José Samuel Sanchez, o "Tatareto", apontado como integrante da comissão de logística e finanças da Frente 1 das Farc, foi preso sob a acusação de operar uma base de rádio e de controlar rotas do tráfico de drogas e suprimentos da guerrilha no Brasil. O governo da Colômbia já pediu a extradição do narcotraficante.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100606/not_imp562197,0.php

Guerrilha tem presença em seis cidades do AM
Guerrilheiros colombianos são proibidos de entrar em confronto com Exército e polícia do Brasil e não podem construir acampamentos no País

Ruth Costas

Quatro frentes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) atuam de forma coordenada na região da fronteira com o Brasil: a Frente 1, à qual pertencia a base descoberta pela Polícia Federal (PF) em maio, a Frente 16, de Carlos, o guerrilheiro entrevistado pelo "Estado", além da Frente 44 e 39.
A guerrilha teria presença em pelo menos cinco cidades, além de Manaus, de acordo com Carlos: São Gabriel da Cachoeira, Benjamin Constant, Tabatinga, Cucuí e Tefé, onde a PF encontrou uma estrutura das Farc para comunicar-se com Manaus. "De vez em quando, passávamos a droga até Boa Vista (RR) de carro. Lá o preço era muito melhor", diz Carlos. Os municípios serviriam de passagem e, algumas vezes, de pontos de venda da droga.
A cocaína entraria no Brasil por duas rotas principais, quase naturais, dado a geografia da fronteira. A primeira, pelo Rio Solimões, foi revelada pela PF na semana passada: a droga entraria por Benjamin Constant ou Tabatinga e iria até Tefé rumo a Manaus. A segunda seria pelo Rio Negro: passaria por Cucuí e São Gabriel da Cachoeira, antes de seguir para Manaus. As armas fariam o caminho inverso, escondidas em caixas simples. Viagens à noite seriam as preferidas.
De fato, em 5 de abril de 2006, soldados brasileiros do 4. Pelotão Especial de Fronteira, em Cucuí, interceptaram três colombianos em uma lancha com fuzis que tinham o emblema do Exército Brasileiro, munição brasileira e R$ 700 mil em várias moedas.
Justo Alexander Ramos, William Norbey e Wilver Yeison Villanueva iam para San Felipe, na Colômbia, onde trocariam a munição por cocaína e, no tiroteio, o último foi morto. Interrogados, os dois colombianos negaram que fossem das Farc.
Só na cidade de São Gabriel da Cachoeira a PF já chegou a apreender 12 mil caixas com munição da Companhia Brasileira de Cartuchos (CBC). Na época, uma investigação da PF e da CPI do tráfico, na Câmara dos Deputados, já indicava que traficantes brasileiros estariam trocando armas desviadas de quartéis do Exército por cocaína.
"Preferimos fazer negócios com grandes organizações (do tráfico) brasileiras para correr menos risco", diz Carlos. "Apesar de Fernandinho Beira-Mar agora estar preso, seus colegas continuam (a negociar com a guerrilha)." Segundo o ex-guerrilheiro, a ordem é evitar o embate com qualquer agente de segurança do Brasil. Os guerrilheiros também são proibidos de fazer acampamentos em território brasileiro. "Isso pode atrapalhar os negócios, que são bons", diz. "Quem arranja confusão com o Exército ou com a polícia brasileira, em geral, é submetido a um julgamento pela guerrilha. E pode acabar morto."

Para entender
Fundada em 1964, as Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc), são a maior e mais antiga guerrilha de esquerda do continente. O grupo, de inspiração marxista, atua em mais de 100 frentes em 31 dos 32 Departamentos (Estados) do país. O narcotráfico e o sequestro transformaram-se numa fonte valiosa de recursos. O grupo ainda tenta negociar um acordo humanitário com a libertação de 22 reféns militares em troca de 500 guerrilheiros presos.

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100606/not_imp562204,0.php

Ex-guerrilheiros auxiliam na luta contra as Farc
Governo oferece bonificações, indulto e até subsídio mensal para desertores colaborarem com informações que levem à prisão de insurgentes

Ruth Costas

Aqueles que decidem deixar a guerrilha, tornam-se uma importante fonte de informação para o combate aos que continuam na selva. Desde 2001, 21.629 integrantes de grupos armados colombianos decidiram abandonar as armas e foram atendidos pelo Programa de Atenção Humanitária ao Desmobilizado (PAHD). Destes, 66% pertencem às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
Logo após se desmobilizar, entregando-se para uma autoridade militar ou civil, os membros das Farc passam - em geral durante três meses - por um processo no qual são checados seus antecedentes criminais. Confirmada a condição de guerrilheiro, todos têm a chance de colocar seus documentos em dia. Nesse período, ficam sob proteção das forças oficiais, recebem moradia, refeições e outros subsídios modestos.
Aqueles que cometeram crimes de lesa-humanidade - como sequestro, terrorismo e homicídio agravado - têm de enfrentar a Justiça e podem ir para a prisão. No entanto, uma lei de 2005, a de Reconciliação Nacional, limitou a um máximo de oito anos de reclusão a pena daqueles que colaboram. Os que cometeram crimes políticos ou considerados menos graves são indultados.
Os ex-guerrilheiros que ajudam as forças de segurança oficiais e a inteligência colombiana também podem obter bonificações em dinheiro. Quem entrega um fuzil ao se desmobilizar, por exemplo, recebe algo em torno de US$ 500. Uma metralhadora vale US$ 1.500. Quem denunciar um guerrilheiro raso leva US$ 250. Se o denunciado for um líder da guerrilha, a bonificação é de US$ 2.500.
"O que vale mais é o resgate de soldados sequestrados", disse ao Estado Alba Luz, assessora jurídica do PAHD, que diz que o preço é de US$ 35 mil.
O Exército, de vez em quando, também oferece recompensas maiores.
Quando era ministro da Defesa, por exemplo, o agora candidato presidencial Juan Manuel Santos ordenou que se pagasse US$ 2,6 milhões ao guerrilheiro conhecido como Rojas, que ao desertar matou seu chefe, Ivan Ríos, integrante do secretariado das Farc. Rojas entregou a mão do antigo chefe para autoridades militares colombianas para comprovar o assassinato.
Reinserção. Depois de passar por essa primeira fase de regularização, os guerrilheiros podem escolher onde querem viver e recebem um subsídio de cerca de US$ 250 mensais, se frequentarem aulas e palestras nos centros para desmobilizados organizados país afora. Um ou outro volta a delinquir e perde o benefício, mas uma parte considerável consegue retomar a vida longe da guerrilha.

Negócios no Brasil
Tráfico de drogas
Grupo obtém preços melhores com traficantes brasileiros e garante a rota para a Europa
Tráfico de armas
Armamentos e munição do Brasil abastecem a guerrilha
Lavagem de dinheiro
Dinheiro vivo em várias moedas é enviado para os rebeldes

http://www.estadao.com.br/estadaodehoje/20100606/not_imp562205,0.php

OESP, 06/06/2010, Internacional, p. A13-A15

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