VOLTAR

EUA repetem erro energetico com o gas natural

OESP, Economia, p.B5
20 de Jun de 2004

EUA repetem erro energético com o gás natural Com o combustível, país pode estar cometendo o mesmo engano já cometido com o petróleo
ROBERT J. SAMUELSON
WASHINGTON - A política energética americana é no mínimo míope e auto-indulgente. No início da década de 1970, ficou evidente que enfrentávamos um problema de longo prazo com o petróleo porque: (a) o país inevitavelmente dependeria das importações e (b) dois terços das reservas globais de petróleo estão no Oriente Médio - onde a política e a instabilidade transformaram a perda catastrófica de suprimentos num perigo permanente. O que nós fizemos? Bem, o Congresso tomou algumas medidas sensatas na década de 1970. Criou os padrões de eficiência no consumo de combustível para os veículos e uma Reserva Estratégica de Petróleo. Mas os baixos preços do petróleo nas décadas de 1980 e 1990 levaram a uma reincidência no erro. A reserva estratégica não foi adequadamente expandida e os motoristas afluíram para os veículos utilitários esportivos que são regidos por padrões de quilometragem de combustível menos rigorosos. Os americanos preferiram a gasolina barata à prudência de longo prazo.
Quando os preços do petróleo pairaram em torno de US$ 40 o barril, consultores clamaram por um imposto sobre energia (medida que defendo há muito tempo). Embora desejável, isso não trará benefício imediato, pois existem mais de 230 milhões de veículos nas estradas. Qualquer mudança na direção da eficiência no consumo de combustível levará tempo. Uma política inteligente de energia funciona no decorrer de anos e décadas, não semanas e meses. A pergunta que deveríamos fazer - e não fazemos - é se estamos cometendo um erro crasso semelhante em relação ao gás natural. Dado nosso histórico, parece uma boa aposta.
O gás natural é o combustível usado para aquecer cerca de metade dos lares americanos (51% em 2001). Desde 1993, tem sido usado por quase 90% da nova geração de eletricidade; na realidade, o gás natural provê energia para a internet e a maioria dos computadores pessoais. É também um combustível importante para manufatura e aquecimento de prédios de escritórios. Em 2002, cerca da metade das vendas de gás foram para usuários industriais e comerciais. O problema é que não somos mais auto-suficientes em gás natural - e nossa dependência das importações vai aumentar.
Em 2003, os americanos usaram cerca de 22 trilhões de pés cúbicos (6,22 trilhões de m3) de gás natural, um aumento em relação aos 19 trilhões de pés cúbicos (5,38 trilhões de metros cúbicos) de 1990. Em 2005, o consumo será entre 29 trilhões de pés cúbicos (8,21 trilhões de m3) e 34 trilhões de pés cúbicos (9,67 trilhões de m3), é o que projeta a Energy Information Administration. Se não importarmos mais nem expandirmos a produção doméstica - ou ambos -, essas projeções não se concretizarão. Os preços subirão, sufocando a demanda, ou haverá escassez. Algumas fábricas que necessitam de gás se mudarão para países onde os suprimentos são mais baratos e mais confiáveis.
Os preços já subiram. Na década de 1990, os preços médios wellhead (no local onde o gás sai do solo, na nascente) foram de cerca de US$ 2 por mil pés cúbicos (28 metros cúbicos); em 2003, essa média passou para quase US$ 5.
Incompatíveis - Até agora, o Canadá tem suprido a maioria das importações dos EUA (um sexto do consumo de 2003) via gasodutos.
Mas o Canadá talvez não tenha gás suficiente para vender quantidades cada vez maiores aos EUA. No papel, a solução é importar gás natural liquefeito (GNL).
Existe muito gás no mundo inteiro, grande parte dele fora do Golfo Pérsico, para conversão em GNL. Além disso, os custos de construção de usinas de liquefação baixaram 60% desde a 1990, diz David Victor da Stanford University. Já existem quatro terminais para importar GNL. E há proposta para a construção de ao menos outros 35, diz Chris McGill, da Associação Americana do Gás. A questão é se chegarão a ser construídos.
O que marca a política energética americana é uma recusa inabalável em confrontar escolhas. Em relação ao petróleo, os americanos querem preços baixos e suprimentos garantidos, coisas incompatíveis entre si.
Quanto mais baixo o preço, menos motivo para comprar veículos com consumo eficiente de combustível. Quanto mais petróleo usamos, mais importamos - e maior nossa vulnerabilidade a um perda catastrófica. Felizmente, isso ainda não aconteceu. Embora os altos preços do petróleo possam prejudicar ligeiramente a economia, são mais uma inconveniência do que uma tragédia.
Ainda assim, as pessoas precisam se dar conta de que muitos perigos (terrorismo, guerra, revolução, extorsão política) podem desencadear um enorme - e trágica - perda do petróleo do Oriente Médio, para o que estamos totalmente despreparados.
Encrenca - Uma ficção semelhante aflige a política relativa ao gás natural. É um combustível de preferência. Para a geração de eletricidade, é mais limpo que o carvão e menos alarmante que a energia nuclear. Mas nós também restringimos as perfurações: as águas nas costas leste e oeste estão proibidas, o mesmo acontecendo com partes do Golfo do México. Os produtores reclamam da demora para aprovar sondagens em Estados da região das Montanhas Rochosas. Novas perfurações continuam essenciais porque a produção dos poços existentes cai mais de 25% anualmente.
Existe, também, uma intensa oposição a alguns terminais de GNL propostos, por temores exagerados quanto à segurança. O GNL não explodirá e o gás vaporizante só queimará sob determinadas condições. A Comissão Federal Regulatória de Energia (Ferc) afirma que nos últimos 40 anos houve 33 mil viagens de navios-tanque sem um acidente grave. Será que os terminais de GNL conseguirão superar a resistência local? A Ferc alega que somente ela - e não órgãos locais ou estaduais - tem autoridade para aprovar terminais no litoral, mas isso ainda não está bem definido. Os tribunais ou o Congresso terão de resolver a questão. Quanto mais órgãos envolvidos, mais difícil será a aprovação.
Um país que estimula a demanda e restringe a oferta está procurando encrenca. O Congresso poderá resolver essa contradição. Poderá abrandar as restrições às sondagens e incentivar as importações. Poderá subsidiar o gás natural do Alasca. Poderá promover o carvão e a energia nuclear. Ou poderá refrear o consumo de energia com políticas tributárias que elevam os preços dos combustíveis e desestimulem as grandes moradias. Mas os americanos não gostam de nenhuma dessas opções. Assim, o Congresso foge da questão. Se algum dia houver escassez de gás natural, as pessoas vão perguntar: quem fez isso para nós? E a resposta será: fomos nós que fizemos.

OESP, 20/06/2004, p. B5

As notícias aqui publicadas são pesquisadas diariamente em diferentes fontes e transcritas tal qual apresentadas em seu canal de origem. O Instituto Socioambiental não se responsabiliza pelas opiniões ou erros publicados nestes textos. Caso você encontre alguma inconsistência nas notícias, por favor, entre em contato diretamente com a fonte.