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Eu sabia de forma superficial

O Globo, O Pais, p.3
03 de Dez de 2003

Eu sabia de forma superficialJailton de CarvalhoBRASÍLIAUma semana depois de negar conhecer o esquema dos gafanhotos que desviaram cerca de R$ 500 milhões do estado, o governador de Roraima, Flamarion Portela (PT), reconheceu ontem, pela primeira vez, que sabia de parte das irregularidades na folha de pagamento. O governador sustenta, no entanto, que não foi beneficiário e nem tem vínculo com os crimes atribuídos ao ex-governador Neudo Campos, de quem foi vice. Hoje Flamarion se reúne com o presidente do PT, José Genoino, para apresentar sua versão dos fatos à cúpula petista. O governador admitiu que sabia das contratações suspeitas de servidores laranjas, ou gafanhotos, como são chamados em Roraima, numa entrevista ao GLOBO, pouco depois de chegar a Brasília. — Eu sabia de forma superficial, como todo mundo lá do estado. Sabia que tinha um número expressivo de servidores. Só não sabia da dimensão do problema. A coisa não era tão aberta assim — disse. Cortes começaram só neste ano Flamarion assumiu a vaga de Neudo Campos em abril do ano passado, quando o então governador deixou o cargo para disputar a eleição para o Senado. Ele diz que, a partir daí, extinguiu o Departamento de Estradas de Rodagem (DER), um dos principais focos de gafanhotos, e que em setembro de 2002, em plena campanha eleitoral, criou uma comissão de sindicância para averiguar as contratações irregulares. Mas o governador reconhece que os primeiros cortes da folha de pagamento só ocorreram em janeiro deste ano, quando a Polícia Federal e o Ministério Público já estavam aprofundando as investigações sobre a devastação das finanças do estado pelos gafanhotos. Flamarion confirmou também que manteve o contrato com o Amazon Service Bank, empresa privada encarregada de pagar os salários dos gafanhotos em nome do estado, até maio deste ano. Segundo ele, o contrato com a empresa venceu em fevereiro, mas teve que ser renovado por mais três meses porque o estado não dispunha de alternativa para pagar a seus funcionários. O problema só teria sido resolvido quando o Banco do Brasil ampliou seus serviços no estado e assumiu as tarefas feitas até então pelo Service Bank. O governador negou ainda que tenha feito vista grossa à compra de carros para a polícia a preços supostamente superfaturados com recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública. Flamarion disse que há 40 dias, quando foi informado sobre o possível desvio, mandou abrir uma sindicância sobre a denúncia. As investigações não foram concluídas, mas na semana passada ele demitiu os secretários de Administração, da Fazenda, o auditor-geral e mais três servidores que teriam participado das compras. — Eles foram exonerados não só por causa da questão dos gafanhotos, mas também por causa dessa compra — disse o petista. Eu não vim para desonrar o PT” São essas e outras explicações que o governador dará a José Genoino e ao secretário de Organização do PT, Silvio Pereira. A partir daí, Flamarion espera que a cúpula do PT se convença a continuar em sua defesa. O governador, que se indispôs com o grupo político de seu antecessor, considera fundamental o apoio do partido neste momento. Flamarion se filiou ao PT em março deste ano, aceitando convite de Silvio Pereira. — Eu não vim para desonrar, vim para honrar o PT. Quero aprender a fazer política pública com o PT — afirmou.

PF: gafanhotos só aumentaramRodrigo França TavesEnviado especialBOA VISTA. A Polícia Federal tem indícios de que a folha de pagamento dos gafanhotos em Roraima praticamente dobrou de tamanho na gestão do atual governador Flamarion Portela (PT). O inchaço teria ocorrido basicamente no período da campanha eleitoral de 2002, quando Flamarion, que tinha assumido o cargo em abril em lugar de Neudo Campos (PP), tentava se reeleger governador. O ex-deputado estadual Bernardino Cirqueira, solto na última sexta-feira por colaborar com as investigações, disse aos delegados que só começou a fazer parte do esquema dos gafanhotos quando passou a apoiar Flamarion, às vésperas das eleições de 2002. No depoimento, Bernardino disse que durante a gestão de Neudo Campos não indicara candidatos à lista dos gafanhotos porque fazia oposição ao governador. Ao passar a apoiar Flamarion, disseram-lhe que mandasse uma lista com o nome de pessoas a serem empregadas no governo estadual. Bernardino não disse de quem recebeu a sugestão. Ele admitiu que recebeu R$ 48 mil em nome dos gafanhotos durante três meses de 2002 e só saiu do esquema porque pediu que o governo retirasse seus indicados da lista. Bernardino contou ter sido informado de que o esquema já existia há dez ou 12 anos e estava sendo utilizado na campanha de 2002 para patrocinar gastos dos candidatos que apoiavam a reeleição do governador Flamarion e de sua equipe. O depoimento de Bernardino foi passado à imprensa por pessoas ligadas ao ex-governador Ottomar. Desvio cresceu na campanha eleitoral A PF já tinha o depoimento da engenheira Sônia Pereira Nattrodt, que foi diretora da Folha de Pagamento na gestão de Flamarion em 2002. Ela disse que a chamada Tabela Especial de Assessoria (TE-ASS), através da qual eram pagos os salários dos gafanhotos, dobrou de tamanho às vésperas das últimas eleições. Agora, a PF está fazendo uma perícia técnica em documentos apreendidos durante a Operação Praga no Egito na casa de parte dos 50 presos. Segundo um delegado que participa das investigações, os primeiros resultados da perícia confirmam que o número de gafanhotos e os valores envolvidos no desvio de verbas cresceram no período da campanha eleitoral do ano passado. Quando o esquema começou, na gestão de Neudo, estavam na folha cerca de 1.500 gafanhotos. Às vésperas das eleições de 2002, recebiam do governo de Roraima cerca de 5.500 gafanhotos. Pelas informações já comprovadas, o atual deputado Jalser Renier Padilha, que só não foi preso por ter imunidade parlamentar, começou recebendo de Neudo apenas R$ 42 mil mensais de propina, no fim de 1999, e ultimamente, às vésperas das eleições de 2002, já estava recebendo pelo esquema dos gafanhotos cerca de R$ 270 mil mensais. Se o esquema tivesse prosperado, Jalser teria recebido algo em torno de R$ 3 milhões por ano. Testemunhas interrogadas pela PF disseram que Jalser obrigou o ex-governador Neudo Campos a aumentar sua cota de propina algumas vezes. A PF vai iniciar agora um levantamento de bens em nome do deputado e de seus procuradores, mas já tem informações de que o parlamentar é dono de postos de gasolina, lojas, imóveis e grande quantidade de outros estabelecimentos comerciais. Os bens serão seqüestrados para as ações de ressarcimento ao patrimônio público. Segundo o assessor de imprensa de Flamarion, Weber Negreiros, o governador foi informado do teor do depoimento de Bernardino e preferiu não polemizar, por entender a situação dos que estão em privação de liberdade, como ocorreu com o ex-deputado.

Cúpula do PT vai acompanhar apuração de pertoBernardo de la PeñaBRASÍLIA. Preocupada com as acusações de envolvimento do governador de Roraima, Flamarion Portela (PT), no esquema de contratação de funcionários fantasmas revelado pela Operação Praga no Egito, da Polícia Federal, a direção do PT vai mandar um representante para acompanhar de perto as investigações. A ex-governadora do Amapá Dalva Figueiredo, que faz parte da executiva nacional, vai para Boa Vista atuar como observadora. — Ela vai conversar com os integrantes do PT no estado. Isto sempre acontece em situações desse tipo — disse o presidente do PT, José Genoino. Após participar de uma reunião com o chefe da Casa Civil, José Dirceu, no Palácio do Planalto, na qual, segundo disse, o assunto não foi comentado, o presidente do PT voltou a afirmar que não há provas contra o governador. Segundo ele, o episódio não provocará desgastes na imagem do PT, pois Flamarion apoiou as investigações, demitiu milhares de servidores fantasmas e todos os funcionários do estado comprovadamente envolvidos no escândalo. Embora esteja desde ontem em Brasília para se reunir com a cúpula petista, Flamarion, segundo a assessoria da Casa Civil, até o fim da tarde de ontem não havia sido recebido por Dirceu. Ele deve se encontrar hoje com o ministro para dar explicações sobre as investigações. Para Genoino, os depoimentos de envolvidos no esquema, como a ex-funcionária do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) Lia Ferro, não têm credibilidade, já que foram feitos depois que os servidores haviam sido demitidos por Flamarion. — Ele (Flamarion) fez tudo que foi necessário e não há reclamações em relação ao governador nem da Polícia Federal, nem do Ministério Público Federal ou tampouco do Ministério da Justiça. Um processo de investigação pode acontecer com qualquer pessoa que esteja num cargo de prefeito, governador ou ministro. Um petista ser investigado faz parte da normalidade — afirmou o presidente do PT, dizendo que o partido vai punir o governador caso sejam encontradas provas contra ele.

Opinião: Sinal trocadoO PT não pode ter a mesma postura do tempo em que era oposição, quando condenava à primeira denúncia, sem esperar investigação. Condenava por reflexo. No escândalo de Roraima, o partido comete o mesmo erro, mas com sinal trocado: absolve antes das investigações. O GOVERNADOR Flamarion Portela, de Roraima, petista recém-convertido, tem todo o direito de defender-se e provar que manteve distância da nuvem de gafanhotos que devastou as finanças públicas no governo em que era vice. O PT deveria aguardar para formar algum juízo sobre o papel de Flamarion no caso. Aconselha-se o partido a evitar absolver só por causa de uma estrela vermelha na lapela.

O escândalo em RoraimaO escândalo que deixou o governador petista de Roraima, Flamarion Portela, numa situação delicada foi descoberto numa operação conjunta da Polícia Federal e do Ministério Público. A fraude, que envolvia centenas de funcionários públicos fantasmas, foi feita para desviar cerca de R$ 500 milhões dos cofres do estado. A PF chamou a operação de Praga no Egito por causa dos seis mil servidores fantasmas incluídos de maneira fraudulenta na folha de pagamentos e usados como laranjas — os gafanhotos, que comem” o dinheiro público. Já foram presas 40 pessoas, entre elas o ex-governador Neudo Campos. A PF e o Ministério Público reuniram provas e depoimentos que relacionam Flamarion — que era vice de Neudo e assumiu o governo em abril de 2002, sendo reeleito — e quatro secretários à quadrilha. Na lista de presos ou procurados estavam parentes e funcionários de gabinetes de 18 dos 24 deputados estaduais. Neudo é acusado de chefiar o grupo de parlamentares e funcionários que forjaram contratações e estavam recebendo salários em nome dos servidores laranjas.

O Globo, 3/12/2003, p. 3

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