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Etanol sustentável? Pode completar

CB, Opinião, p. 29
Autor: ALMEIDA, Fernando
02 de Ago de 2007

Etanol sustentável? Pode completar

Fernando Almeida
Engenheiro sanitarista, é presidente executivo do Conselho Empresarial Brasileiro para o Desenvolvimento Sustentável

Desenvolvido no Brasil em escala industrial nos anos 1970 para amenizar internamente a crise de abastecimento de petróleo, o etanol da cana-de-açúcar entra em cena agora como a mais nova vedete ambiental mundial. O nosso biocombustível líquido e renovável está no centro de uma grande polêmica desencadeada por diferentes interesses políticos e econômicos.

Uma das acusações que pesam sobre o etanol verde e amarelo é a justíssima preocupação com novo ciclo de desmatamento acelerado, tal como aconteceu - e ainda acontece - com o boom de outras monoculturas estimuladas principalmente por demandas vindas do mercado externo. Torço para ver o tempo em que países, empresas e consumidores só comprarão produtos certificados, social e ambientalmente. A expansão da soja é o exemplo mais recente e significativo. Em Mato Grosso, a área plantada com soja aumentou 400% nos últimos 10 anos, com alto grau de invasão de florestas, segundo estudo do GT Florestas do Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e Desenvolvimento (FBOMS).

Outra polêmica com potencial para transformar o etanol de herói a vilão diz respeito a um possível desequilíbrio na oferta de alimentos. Os críticos suspeitam que os ganhos econômicos oferecidos pelo novo mercado vão ampliar indiscriminadamente a produção de culturas voltadas para o biocombustível, em detrimento do plantio de grãos. Motivações políticas e ideológicas à parte, essa visão deve ser contemplada, embora não possamos jamais esquecer que a fome do mundo não decorre da falta de produção de alimentos. Há sobras. O que existe é má distribuição e ausência de poder aquisitivo para uma parcela ainda significativa da população.

Uma terceira preocupação, nem por isso menos importante, vem dos movimentos sociais. O modelo de relação trabalhista no processo de plantio e, principalmente, de colheita da cana-de-açúcar, tem sido contestado com freqüência não é de hoje. São comuns as denúncias sobre as péssimas condições oferecidas aos trabalhadores e a utilização de mão-de-obra escrava nas regiões mais remotas.

Com o relógio do planeta correndo contra nós e um exército de miseráveis para alimentar, não podemos nos dar ao luxo de rejeitar a perspectiva de transformar o etanol em forte componente para reverter a curva do aquecimento global, e ao mesmo tempo ampliar o processo de inclusão social. Estamos frente a frente com uma oportunidade imperdível, e não foi somente sorte, foi também uma boa dose de talento genuinamente brasileiro.

Nosso país desenvolveu tecnologia única no setor, tanto na produção do álcool como no aperfeiçoamento de motores compatíveis, tem clima e recursos hídricos propícios para o plantio de cana-de-açúcar e outras culturas que viabilizam técnica e economicamente a produção de etanol e óleos combustíveis de origem vegetal, e com dimensões continentais, dispõe de áreas para o plantio.

Diante de cenário tão positivo, o Brasil desponta potencialmente como liderança mundial nessa área. Antes de abrir o champanhe, porém, devemos manter os pés no chão e buscar regras definidas para impedir a degradação dos ecossistemas, aprofundar mecanismos legais e práticas corporativas para preservar as relações trabalhistas e a manutenção do equilíbrio de mercado entre produção de biocombustível e de alimentos.

A discussão para estabelecer essas regras não pode ficar de fora da agenda. Governo, empresas, ONGs e sociedade civil organizada devem trabalhar juntos para uma gestão sustentável dos biocombustíveis, ou estaremos repetindo o mesmo erro de enriquecer poucos com o sacrifício de muitos. Sejam trabalhadores, sejam ecossistemas. Sem essa discussão e com a expansão do mercado global, corremos o risco de ampliar a destruição de florestas e reeditar a escravidão.

Se criatividade e competência não nos faltam, que não faltem entendimento e vontade política. A transformação do etanol em commodity é uma oportunidade real de ganho social e econômico para o Brasil, e ambiental para todo o planeta. Não percamos a oportunidade de fazer isso direito!

CB, 02/08/2007, Opinião, p. 29

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