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Estudo mostra que 40 por cento de grupo ianomâmi podem contrair Covid-19 por causa do garimpo ilegal

O Globo, Especial/Coronavírus, p. 12.
03 de Jun de 2020

Estudo mostra que 40% de grupo ianomâmi podem contrair Covid-19 por causa do garimpo ilegal
Trabalho realizado pelo Instituto Socioambiental em parceria com a UFMG, com revisão da Fundação Oswaldo Cruz, revela que a comunidade indígena pode perder 6,5% de seus integrantes

Célia Costa

Um estudo realizado na Terra Indígena Ianomâmi, área localizada entre Roraima e Amazonas, mostra que quase 40% dos indígenas que vivem em áreas próximas ao garimpo ilegal podem contrair Covid-19. Nessa projeção, o grupo de 13.889 pessoas poderia perder até 6,5% dos seus integrantes. A presença de cerca de 20 mil garimpeiros no território é uma das principais causas.

O trabalho, realizado pelo Instituto Socioambiental (ISA) em parceria com a Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e com revisão da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), foi divulgado nesta terça-feira (2/6) junto com campanha "#ForaGarimpoForaCovid", uma iniciativa encampada pelo Fórum de lideranças Yanomami e Ye'kwana, que reivindicam a desintrusão urgente dos mais de 20 mil garimpeiros, uma medida legal tomada para concretizar a posse efetiva da terra indígena a um povo.

A população estudada foi de 13.889 indígenas, 50,7% da população da terra ianomâmi, que reside a menos de cinco quilômetros das áreas de invasão garimpeira. Nessa região, estima-se uma população de 20 mil garimpeiros. No pior cenário desenhado pela pesquisa, com uma perspectiva de transmissão mais intensa, adotando a taxa de contágio de um infectado disseminando para quatro indivíduos, a ocorrência de um único caso na região pode resultar em 5.603 novos casos após 120 dias.

Os pesquisadores alertam que, se nada for feito, 40,3% da população Yanomami atendida nos 14 polos base em regiões de garimpo, de risco crítico, serão infectadas. Se a letalidade for duas vezes maior do que a da população não indígena, teremos entre 207 a 896 óbitos, adotando as taxas dos estados de Roraima e Amazonas, respectivamente.

- A presença e mobilidade dos garimpeiros a menos de cinco quilômetros das aldeia colocam os ianomâmi sob alto risco de contágio. É uma situação que causa bastante preocupação. Até ontem (segunda-feira), os dados mostravam que 55 indígenas tinham sido infectados e três morreram. Há ainda um índice maior de subnotificação entre esses povos. O crescimento do número de casos tem sido rápido. É preciso tirar os garimpeiros. E necessário cumprir uma portaria da Funai, que proíbe a entrada de pessoas nas terras indígenas, publicada no começo da pandemia - alerta Antônio Oviedo, coordenador do programa de monitoramento do ISA.

No estudo, os pesquisadores apontam que "os grupos mais vulneráveis aos impactos da nova doença e podem ser severamente afetados pelo seu avanço. Por isso, devem ser urgentemente protegidos, sob risco de genocídio com a cumplicidade do Estado brasileiro".
O indigenista Marcos Wesley, pesquisador do ISA que há 20 anos trabalha com os ianomâmi, acrescenta que esse seria o segundo genocídio contra esse povo:

- Não existem ações governamentais efetivas. Diante da pandemia, os ianomâmi estão entre os povos mais vulneráveis. Não adianta ter equipes de saúde, leitos. É necessária a retirada dos garimpeiros. Sabendo disso, se nada for feito, será o segundo genocídio contra esse povo. O primeiro foi o Massacre de Haximu, o primeiro caso julgado como genocídio nio país.

Wesley refere-se à chacina ocorrida em 1993, quando 16 ianomâmis foram mortos por garimpeiros ilegais que invandiram a região, em Roraima. Os autores foram concenados por genocídio.

"A escalada da pandemia em todo o Brasil exige resposta rápida e extraordinária dos órgãos federais e autoridades responsáveis para proteger os ianomâmi, um povo considerado de recente contato e que possui diversas condições culturais e sociais que o torna mais vulnerável à pandemia", diz o estudo.

Oviedo, doutor em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (UnB), trabalha na modelagem espacial fazendo a avaliação dos impactos da infraestrutura na região onde vivem os ianomâmi. Logo no começo da pandemia, os pesquisadores lançaram uma plataforma de movimento da Covid nos entre os povos indígenas.

- A taxa de isolamento dos povos foi seriamente afetada pela presença dos garimpeiros. Isso fez aumentar, na mesma proporção, o contágio desses povos. Eles vivem em moradias coletivas, com compartilhamento de utensílios, histórico de morbidade alta por infecções respiratórias e a precária infraestrutura de saúde local, o que aumenta a gravidade. Há também outros fatores que contribuem para o aumento do contágio. Muitos precisam sair de suas aldeias e seguir para a cidades onde receberão o benefício que está sem pago pelo governo federal. Ao voltarem para as aldeias, podem levar o vírus - analisa Oviedo.

O estudo conclui também que os ianomâmi são o povo mais vulnerável à pandemia de toda a Amazônia brasileira. A análise apresentada no relatório utilizou informações de secretarias estaduais de saúde, dados populacionais, leitos hospitalares de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) e respiradores disponíveis na região.

Levou em conta também informações dos Polos Base (equivalente aos postos de saúde nas áreas indígenas) e estudos da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) sobre a estimativa de risco de espalhamento da Covid-19 e vulnerabilidade socioeconômica nos estados e municípios brasileiros).
Com área equivalente à de Portugal, com 9,6 milhões de hectares e 27.398 indígenas espalhados em cerca de 331 comunidades - incluindo grupos de indígenas isolados -, a Terra Indígena Ianomâmi se divide entre o Amazonas e Roraima, estados que se encontram entre os primeiros do Brasil em número de casos da Covid-19, em relação às suas respectivas populações totais. Roraima possui 0,72 Unidades de Terapia Intensiva (UTI) para cada 10 mil habitantes, bem abaixo do estipulado pela Organização Mundial da Saúde (OMS), que recomenda um mínimo de 3 para cada 10 mil habitantes. O Amazonas, que possui a taxa de 1,24 leito por 10 mil, vive uma situação de caos sanitário na capital, Manaus (AM).

Garimpo ilegal na terra dos ianomâmi aumentou em 2019
Segundo o estudo, o desmatamento e o garimpo ilegal são percebidos pelos ianomâmi e Ye'kwana como questões de saúde pública, principalmente devido a como essas ameaças impactam as comunidades indígenas em termos de segurança alimentar e medicina preventiva. Desde o início de 2019, a terra ianomâmi sofre com um aumento da atividade garimpeira, com um número estimado de 20 mil invasores presentes no território, instalados ilegalmente em acampamentos, alguns com serviços permanentes de abastecimento e comunicação via satélite.

Entre as causas apontadas pelo estudo para o aumento da invasão, estão o aumento da cotação internacional do ouro, o enfraquecimento das políticas oficiais de proteção aos direitos dos povos indígenas e de proteção ao meio ambiente, além de pressões do governo federal em favor da legalização da mineração em terras indígenas.

O Instituto Socioambiental tem monitorado o avanço do garimpo ilegal por meio de imagens de satélite, em um sistema batizado de "Sirad". A partir dele, o garimpo foi identificado ao longo dos rios, em áreas que não eram detectadas pelos satélites utilizados nos sistemas Prodes-INPE e Deter-INPE (a menor área observada pelo sistema Prodes é de 30m). Entretanto, com a chegada de satélites de alta resolução espacial, essas imagens têm mostrado a enorme destruição que o garimpo ilegal tem causado no interior da Terra Indígena Ianomâmi.

A campanha #ForaGarimpoForaCovid é uma iniciativa do Fórum de Lideranças Yanomami e Ye'kwana e das seguintes organizações: Hutukara Associação Yanomami (HAY), Associação Wanasseduume Ye'kwana (SEDUUME), Associação das Mulheres Yanomami Kumirayoma (AMYK), Texoli Associação Ninam do Estado de Roraima (TANER) e Associação Yanomami do Rio Cauaburis e Afluentes (AYRCA).

https://oglobo.globo.com/sociedade/estudo-mostra-que-40-de-grupo-ianoma…

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